Certo dia, e recomendado pelo médico, abri uma caixa de remédio e peguei a bula para ler as indicações e contraindicações do medicamento. Mas estava curioso e fui ler as outras informações sobre o princípio ativo, as reações relatadas (ver glossário no final do texto) e a composição daquela substância indicada para o meu tratamento. Lembro que, naquele momento, pensei na quantidade de pesquisas que permitiram aquele produto chegar na minha mão e, também, no desafio dessa escrita de bula que parece estar no limite de um texto científico preciso, mas que deve ser acessada e compreendida pelo maior número de pessoas possível sem margem a más interpretações.
Quero dizer com essa história que o conhecimento científico se tornou fundamental e muito presente no nosso cotidiano. Algumas informações básicas são essenciais para nos manter vivos. No mundo complexo em que vivemos, a ciência tem se transformado, cada vez mais, em uma imensa fonte de informações. Isto é, tem gerado a todo momento novos conceitos que são integrados ao ambiente, ao mercado de trabalho, ao lazer e às atividades do cotidiano.
Em outras palavras, vivemos em um mundo permeado de informações ligadas à ciência, com cientistas produzindo novas informações e compartilhando achados em meios específicos. Algumas dessas informações estão nos artigos científicos, que são como bulas de remédio, um texto que, geralmente, é organizado com alguma ordem, numa certa linguagem e dedicado a ajudar outros cientistas a não terem dúvidas, contrapor alguns aspectos da pesquisa descrita e, enfim, explicar o estudo. Outros cientistas têm ajuda dos comunicadores e jornalistas, que transformam os resultados da pesquisa em um texto com uma linguagem mais perto do nosso dia a dia, acessível à população, como é o caso do projeto Conexão Ciência.
Mas esse discurso não está presente só em artigos dos cientistas ou dos jornalistas. É importante lembrar que as pessoas estão operando mais e mais equipamentos a cada dia, porém, não levam em consideração que as informações contidas nos manuais destas máquinas – onde se incluem os eletrodomésticos – nas bulas dos remédios e nos rótulos dos cosméticos e alimentos, fazem parte de uma enorme gama de conhecimentos que entram na vida cotidiana por meio de pesquisas científicas.
Importante lembrar que a ciência é o conjunto de conhecimentos desenvolvidos pelo homem para compreender os fenômenos sociais, culturais, orgânicos, históricos, químicos e físicos. Abrange desde as questões da área de exatas às discussões dos processos de organização social e de processos orgânicos. A ciência faz parte da cultura.
Mario Bunge é um físico e filósofo argentino que viveu 100 anos e ficou conhecido pela defesa do cientificismo, do racionalismo e do humanismo, e por suas críticas à pseudociência. Ele definia ciência como uma síntese da experiência e da teoria dos conhecimentos adquiridos pelo homem.
Já Capel Saez, geógrafo e escritor espanhol, disse que se “pode pensar na ciência como um sistema articulado de conhecimento, que nos conduz à história dos conceitos e das ideias, à história da formulação, confrontação, aceitação e crítica das teorias. Podemos, porém, também pensar nela como forma de atividade, como estrutura institucional, como história social da ciência”.
É neste aspecto de produto social que a ciência se torna centro de discussão entre pensadores, filósofos e jornalistas de todo o mundo. Voltando a citar Bunge, “o desenvolvimento integral de uma nação moderna envolve o desenvolvimento de sua ciência. A ciência ocupa, hoje, o centro da cultura e tanto seu método quanto seus resultados se irradiam a outros campos da cultura, bem como ao domínio da ação […] Uma economia sem base tecnológica e científica própria é rotineira e dependente. Uma cultura sem ciência é erudição fóssil, incapaz de compreender o mundo moderno e de ajudá-lo a ir avante: é antes incultura”.
Isso significa que a sociedade moderna, envolta numa “aura” tecnológica, necessita de uma comportamento diário da nossa parte que a identifique com o perfil científico que nos rodeia. De outra forma, corre o risco de perder sua identidade e de reverter o processo de evolução, através do qual é gerada e perpetuada a cultura, permitindo a “instalação” da incultura, como lembrou Bunge.
Há discussões sobre o quanto a informação científica é importante, não só para o enriquecimento cultural de um povo, mas também para o desenvolvimento socioeconômico dos diferentes países do planeta. Essa é uma observação da professora paranaense Glaci Zancan, em 2000, quando foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), publicado em um artigo da Folha de S. Paulo. Ela disse que “é preciso manter e expandir nossa capacidade de pensar, de gerar conhecimento, de estimular a criatividade dos nossos jovens, de buscar entender a natureza como pré-requisito ao desenvolvimento de tecnologias capazes de resolver nossos problemas e gerar riquezas indispensáveis à promoção do desenvolvimento econômico e social”.
Mas, sabemos que é um desafio para o cidadão comum ter acesso e compreender esses diversos ramos da ciência. É aí que entra novamente o importante papel dos cientistas e comunicadores que admitem que a divulgação da informação científica é fundamental para esclarecer a comunidade sobre as questões que envolvem a produção dos pesquisadores. É preciso que as pessoas tenham consciência, por exemplo, de como estão sendo gastos os recursos públicos investidos em pesquisa. É a disseminação dos trabalhos dos cientistas que os projetos conquistam novos parceiros, novos investidores, que injetam dinheiro nas investigações e promovem o desenvolvimento de produtos e tecnologias em laboratórios das mais diferentes áreas. Destaca-se, então, o papel de uma prática muito importante que chamamos de divulgação científica.
Esse é outro cenário importante e que precisa de atenção. Os pesquisadores questionam a proposta dos divulgadores de ciência, ou jornalistas científicos, de deixarem de lado informações importantes do processo de pesquisa ao elaborarem suas reportagens. Enfim, os cientistas se preocupam com o que chamam de processo de popularização que os jornalistas fazem do discurso da ciência. É de fato um desafio alinhar os interesses dos cientistas com os dos jornalistas. Eles olham para ciência de um lugar diferente e possuem visões diferentes do que divulgar quando falam dos resultados de uma pesquisa.
Como, então, transformar as informações contidas na produção científica em textos dirigidos ao público eclético dos meios de comunicação? De que forma “transportar” para um discurso mais popular o conteúdo científico? Esse último é aquele o dedicado ao processo de vulgarizar a ciência; isto é, deve ser escrito de forma a ser compreendido por um grande número de pessoas.
O discurso da divulgação científica é mesmo um desafio. Compete aos comunicadores escolherem um formato e um vocabulário para falar de ciência sem deixar de lado a estrutura que marca a prática científica, que conta com jargões específicos, expressões específicas de cada área da produção de conhecimento.
Enfim, como fazer com que esse conhecimento se popularize? Como fazer o público leigo entender a lógica da ciência, transpondo os conteúdos de uma variedade de fórmulas, de ideias seriamente plantadas com a austeridade, precisão e exatidão de um protocolo de investigação, com seus nomes técnicos, detalhes minuciosos, dados de grande valor para o investigador?
O lingüista Van Dijk lembra, por exemplo, que as notícias, características do jornalismo científico, por exemplo, não estão organizadas para representar eventos em sua ordem cronológica ou casual, mas dentro de uma ordem chamada de ordem de relevância… que coloca em primeiro lugar a informação mais importante ou relevante”. O problema é que, nem sempre, as questões de relevância para o jornalista coincidem com as questões que são importantes para os pesquisadores/cientistas, lembra o autor holandês.
Um jornalista que conversa com um pesquisador que fez uma pesquisa sobre um tratamento de câncer, muitas vezes, não quer saber como foi a trajetória de 10 anos dele até chegar aquela descoberta, que pode nem ser o final da pesquisa, uma solução para a doença, efetivamente. Isso tira o peso, a importância de todo o processo. Em alguns casos, os repórteres propõem que até que foi encontrada a cura de algum mal, o que não é verdade, aquele é mais um passo do enorme caminho que uma tecnologia percorre entre a vontade de ajudar de um cientista e a produção de um remédio e a ida dele para a prateleira de uma farmácia.
No Conexão Ciência, a equipe tem a preocupação de contornar alguns desses elementos negativos da divulgação da ciência. Procuramos fazer com que você, leitor, receba um conteúdo explicado de uma forma que o cientista dificilmente conseguiria fazer. Porém, propomos a você o exercício de sempre analisar o que não foi dito. Para dar conta da ciência, é necessário que todos nó procuremos pelo o que está além das linhas. E até recomendamos que essa atitude vá para os outros textos do cotidiano. Leia com cuidado e crítica a bula de remédio, os rótulos com as informações nutricionais e de composição da embalagem dos alimentos, por exemplo. Olhe de forma diferente até para o manual dos eletrodomésticos, assim como as matérias de TV e os filmes de ficção científica.
A informação está aí… nós comunicadores e cientistas estamos nos esforçando bastante para facilitar o acesso à ela. Mas é preciso que todos sejam responsáveis por buscar esses conteúdos e interpretar essas linhas de forma crítica. É assim que vamos construir, juntos, uma sociedade mais conectada às verdades científicas e, desta forma, vamos garantir pessoas e um planeta mais saudáveis. Pense nisso!
Glossário
PRINCÍPIO ATIVO
É uma substância presente na composição de um medicamento, que é responsável pelo efeito farmacológico; isto é, que atua no corpo para combater um mal, tem ação no organismo. Para a ciência, é possível identificar qual é a molécula dentro de uma planta responsável pelo efeito terapêutico. Além de ser possível identificar, para a ciência também é possível criar essa molécula em laboratório. Essa molécula é o que chamamos de princípio ativo ou fármaco.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Ana Paula Machado Velho e Tiago Franklin Rodrigues Lucena
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: