O esporte como ferramenta de inclusão social

As Paralimpíadas e iniciativas paradesportivas destacam o poder do esporte adaptado para promover a inclusão e transformar a vida de pessoas com deficiência

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Imagina só: ver o seu país ganhar quase 20 medalhas em um só dia, bater recordes de pódios e ouros conquistados e terminar no Top 5 do quadro de medalhas. Essa foi a realidade da delegação do Brasil nas Paralimpíadas de Paris. De arrepiar, não é? Desde que as Paralimpíadas surgiram, em 1960, em Roma, o evento cresceu extraordinariamente, não apenas em número de modalidades, mas em representatividade e impacto social. 

Com os olhos do mundo voltados para os Jogos Paralímpicos de Paris, o Brasil fez história, ao realizar a melhor campanha e reafirmar a potência brasileira no esporte adaptado. Em Paris 2024, o país conquistou um total de 89 medalhas, sendo 25 de ouro, uma posição incrível e que reflete anos de planejamento, treinamento e trabalho árduo de atletas, técnicos e instituições dedicadas à inclusão esportiva.

A imagem mostra três atletas paralímpicas da natação em pé, sorrindo e segurando medalhas e mascotes dos Jogos Paralímpicos. A atleta no centro está usando um agasalho branco com detalhes em preto e vermelho, representando a Grã-Bretanha. Ela tem uma medalha de ouro em volta do pescoço. À sua esquerda e direita estão duas atletas gêmeas brasileiras, ambas vestindo agasalhos amarelos e verdes. Elas seguram suas medalhas de prata e bronze, respectivamente, e mascotes em forma de barretes da liberdade vermelhos com olhos grandes. O fundo da imagem mostra uma arquibancada cheia de espectadores.
As gêmeas Débora (prata) e Beatriz (bronze) no pódio das Paralimpíadas de Paris (Foto/Marcello Zambrana – CPB)

Entre os atletas que compõem a delegação brasileira estão representantes do Centro de Referência Paralímpico de Maringá, no Paraná, como as medalhistas da natação, as gêmeas Débora e Beatriz Carneiro. Elas dividiram o pódio pela primeira vez nos Jogos. Esse polo de iniciação esportiva tem se mostrado um verdadeiro preparador de talentos, desenvolvendo futuros campeões e promovendo a inclusão por meio do esporte.

Criado em 2019, o Centro de Referência Paralímpico de Maringá é um dos primeiros a serem estabelecidos no Brasil pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e funciona por meio de uma parceria do CPB com a Universidade Estadual de Maringá (UEM). Inicialmente, existiam apenas cinco centros no país, um número que, felizmente, cresceu para quase 60, em 2024. 

Sob a coordenação de Aryelle Malheiros Caruzzo, que também atua como diretora técnica da Associação Kings, de basquete e handebol em cadeira de rodas, o espaço tem desempenhado um papel crucial na disseminação e descentralização do esporte paralímpico no Brasil. 

“Fazer com que essa disseminação aconteça é trazer a possibilidade de que mais pessoas com deficiência conheçam o esporte. É claro que o esporte, por si só, é uma ferramenta de mudança, mas, quando a gente olha para pessoas com deficiência, infelizmente, nem todos sabem dessa possibilidade, ainda tem muito estigma sobre isso”, ressalta Aryelle.

Na imagem, vemos duas pessoas sorrindo para a câmera. Uma delas é um jovem com síndrome de Down, usando óculos e segurando um certificado nas mãos. Ele veste uma camiseta amarela com detalhes em azul, que tem o logotipo do "Centro de Referência Paralímpico Brasileiro" estampado. Ao lado dele, uma mulher também com uma camiseta amarela do Centro, está abraçando o jovem e sorrindo. A mulher usa um crachá no pescoço, onde é possível ver seu apelido "Ary".
Ao fundo, há uma faixa azul escura com o logotipo do CRPB e a inscrição "Centro de Referência Paralímpico Brasileiro", junto com o símbolo das Loterias Caixa. A cena ocorre em um ginásio esportivo, com uma quadra ao fundo e uma estrutura de metal que faz parte de um gol.
Aryelle com um dos participantes do Centro de Referência Paralímpico durante uma entrega de certificados (Foto/Thiago Yoshioka)

O Centro oferece, atualmente, sete modalidades paralímpicas: atletismo, bocha paralímpica, basquete em cadeira de rodas, parabadminton, parataekwondo, tênis de mesa e natação. As atividades são gratuitas, com foco na iniciação esportiva de crianças e adolescentes entre 8 e 17 anos, e, mais recentemente, também para adultos em algumas modalidades. 

Todas elas acontecem nas dependências do Departamento de Educação Física (DEF), da UEM, contando com o apoio de professores e alunos do curso, além de contribuir para a realização de projetos de extensão e pesquisa, que geram novos conhecimentos. 

No que se refere à distinção entre o que se encaixa como atividade física adaptada, paradesporto e esporte paralímpico, o C² preparou um vídeo explicativo que mostra as diferenças e semelhanças de cada um dos três. Confira!

Mas, para além das diferenciações colocadas no vídeo, Aryelle destaca que o ponto essencial é que as adaptações necessárias para atividades esportivas devem levar em consideração a bagagem individual de cada pessoa. Isso significa que cada indivíduo, com ou sem deficiência, traz suas próprias experiências e características, o que torna importante personalizar essas adaptações. “É por isso que o termo correto é pessoa com deficiência e não deficiente. Porque o termo deficiente acaba por resumir o indivíduo àquilo.”

As adaptações, portanto, precisam respeitar essa individualidade. A deficiência serve como um ponto de partida para a adaptação correta, mas nunca como a única característica que define a pessoa. O esporte, nesse sentido, é uma peça fundamental, porque ensina lições valiosas sobre convivência social, resiliência e determinação.

Arthur Francisco, de 13 anos, é um dos atletas do Centro e pratica as modalidades de parabadminton e parataekwondo. A mãe dele, Andrea Souza, relata a transformação do filho, que tem síndrome de Down, desde que ele começou a treinar no Centro. “A gente vê a evolução dele dia após dia, no sentido motor, físico e mental. Ele está mais ativo, mais atencioso. Ele melhorou muito”, conta ela. 

Andrea enfatiza a importância de iniciativas como essa para proporcionar inclusão verdadeira. Ainda mais por conta de já ter enfrentado dificuldades ao tentar encontrar uma opção que fosse viável para seu filho praticar esporte. Muitos locais dizem oferecer atividades inclusivas, mas, na verdade, os profissionais não têm a capacitação adequada para trabalhar com as necessidades específicas de crianças com deficiência. Isso causa uma sensação de frustração para os pais, que acabam tendo que insistir para que seu filho receba o apoio correto ou, às vezes, acabam desistindo por não encontrarem um ambiente preparado.

Na imagem, há um jovem sorridente segurando uma raquete de badminton. Ele está usando uma camiseta amarela com o logotipo do "Centro de Referência Paralímpico Brasileiro”. Ele também usa um boné preto virado para trás e óculos de grau. O fundo mostra o interior de uma quadra esportiva coberta, com piso de madeira e paredes com janelas altas que permitem a entrada de luz natural. O teto é feito de metal ondulado. O jovem parece estar se preparando para jogar ou já ter participado de uma partida.
Arthur Francisco mostra uma das raquetes que usa para jogar parabadminton (Foto/Arquivo Pessoal)

O papel que Andrea desempenha vai ao encontro do tema que Aryelle Caruzzo discute em sua tese de doutorado. A pesquisa, que é ligada ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Atividade Física e Deficiência (Gepafid), liderado pela Profa. Dra. Márcia Greguol, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), trata a respeito do engajamento esportivo de crianças com deficiência, tendo como foco as relações familiares.

Assim, a coordenadora do Centro de Referência Paralímpico de Maringá explica que o apoio familiar é crucial para que esses jovens atletas possam se envolver com o esporte, mas que, às vezes, é impossibilitado devido à falta de informação. 

“O seio familiar, principalmente quando a gente está falando de crianças e adolescentes com deficiência, é tão preponderante quanto para aqueles sem deficiência. Mas, nesse contexto, a gente ainda tem uma prevalência muito grande de estigmas e de dúvidas vindas das famílias sobre as deficiências e o potencial dessas crianças no esporte”, comenta.

É a partir desse apoio que o esporte ganha outra dimensão: ele se torna não apenas um espaço de inclusão, mas de aceitação, autoconfiança e de interação social. Quando uma criança com deficiência participa de uma atividade esportiva, ela não está apenas trabalhando seu corpo, mas se inserindo em uma comunidade que a reconhece e valoriza, independentemente das limitações impostas pela sua condição.

Outra história que exemplifica o impacto transformador do esporte é a de Anderson Ferreira, de 45 anos, atleta de basquete e handebol em cadeira de rodas. Natural de Recife (PE), ele convive com as sequelas da poliomielite desde os dois meses de idade, mas foi aos 20, ao conhecer uma associação para pessoas com deficiência, que sua vida mudou.

Anderson, que atualmente joga pelo Kings em Maringá e é veterano da seleção brasileira de basquete em cadeira de rodas, reflete acerca de como o esporte não só o ajudou fisicamente, mas, também, socialmente. 

“Depois que eu comecei a praticar esporte, tudo mudou na minha vida. Eu me redescobri, comecei a conquistar vários campeonatos, viajar, ter essa vivência como atleta mesmo. Então, eu me interessei ainda mais para participar desse segmento. E sou muito feliz no que faço”, conta.

O atleta está no terceiro ano de sua graduação em Educação Física e tem contato com as crianças e adolescentes que são atendidos no Centro, onde percebe a relevância que o projeto tem na vida deles. Ele é testemunha da mudança de visão que alguns familiares possuem sobre as oportunidades e possibilidades geradas para os participantes por meio do esporte.

A imagem mostra um jogo de basquete em cadeira de rodas. Um jogador da seleção brasileira, usando a camisa número 10, está arremessando a bola em direção à cesta. Ele usa uma camiseta branca com o nome "Brasil" em azul. O jogador está em uma cadeira de rodas e parece estar concentrado no arremesso. Em primeiro plano, há um jogador adversário com a camisa preta número 6, de costas. O fundo da quadra é amarelo, com alguns detalhes em branco, e há outras pessoas ao redor, incluindo uma mulher com um uniforme verde e amarelo, provavelmente uma assistente ou treinadora. A cena captura um momento de intensa ação e foco no jogo.
O atleta Anderson em quadra durante um jogo do Brasil (Foto/Comitê Paralímpico Brasileiro)

Sem dúvidas, o esporte adaptado é uma ferramenta poderosa de transformação social. Para pessoas com deficiência, ele vai além do aspecto físico, ao promover aceitação pessoal e maior inclusão na sociedade. 

“A deficiência deve ser o plano de fundo, e não o foco”, enfatiza Aryelle. A prática paradesportiva permite que cada indivíduo, com sua história e vivências, construa sua própria jornada, superando barreiras e redescobrindo suas capacidades.

Iniciativas como o Centro de Referência Paralímpico de Maringá são a evidência de que o esporte pode mudar vidas, abrindo portas para muitos, igual vimos nas histórias de Anderson e Arthur. E, assim como o Brasil brilhou nos Jogos Paralímpicos de 2024, o futuro brilha para esses atletas que, dia após dia, fazem com que os desafios se tornem conquistas.

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Texto:
Maria Eduarda de Souza Oliveira
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Yumi Santos Aoki
Arte: Any Veronezi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

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