O “Feliz dia do professor” está em risco?

Desafios em se tornar e se manter professor estão por toda parte

compartilhe

Em 1994, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) instituiu o Dia Mundial do Professor em 5 de outubro. Mas alguns países já celebravam essa profissão, escolhendo suas próprias datas. O Brasil, por exemplo, desde 1947 comemora o dia do professor em 15 de outubro, e a data foi declarada como feriado escolar em 1963. 

O que você fez (faz) nesse dia? Mandou mensagem de WhatsApp para algum professor? Um e-mail? Fez um story parabenizando de modo geral a todos? Comprou um presente? Diferentemente de outras datas comemorativas, não há uma etiqueta a ser seguida no dia do professor. Isso revela como esses gestos de reconhecimento podem ser bastante genuínos. 

Talvez você não se lembre, mas é comum, no ensino infantil, os pais comprarem presentes para seus filhos entregarem aos seus professores, com declarações de confiança e gratidão, ou seja, mais do que o reconhecimento pela profissão, os pais querem também agradecer o carinho e os cuidados com seus filhos. Ainda vemos manifestações de afeição no ensino fundamental, médio e superior. Quando a demonstração de reconhecimento parte exclusivamente do aluno, geralmente é feita a algum professor escolhido por ele. O que esse professor tem de especial? Por que e como ele é “escolhido”? 

Jovanna Sarah Furrier Pinto, 21 anos, revela que no Ensino Fundamental costumava presentear uma professora específica: “Ela fazia eu me sentir ouvida, dentro e fora da sala de aula, porque geralmente ninguém queria muito saber o que eu tinha para falar; se eu levantava a mão para discutir o argumento não havia muito interesse de alguns professores, então aqueles que me escutavam eu tinha uma vontade maior de demonstrar meu reconhecimento.” 

Giovanna Sarah Ferreira Pinto (Foto/Arquivo Pessoal)

Essa e muitas outras histórias demonstram o quanto as relações interpessoais são importantes para o processo de aprendizagem intelectual e social (humano) do aluno. Por esses e outros motivos que Giovanna escolheu ser professora. “Quando eu tinha 13 anos fui auxiliar de sala na minha escola e as crianças vinham e me davam flor, docinho, pão de mel… eu comecei a gostar bastante das crianças me chamando de professora, eu acho mais bonito, mais do que se me chamassem de doutora, mas minha família sempre quis que eu fizesse curso de Direito, então aos 17 anos eu fiz um sorteio para decidir”, conta ela.

Ao sortear o papelzinho escrito “Direito” (curso tão sonhado pela família) e perceber que ficou triste pois queria ter tirado o papelzinho escrito “Letras”, Jovanna entendeu que não deveria mais ignorar sua vontade de ser professora, mas sim segui-la. A graduanda do quarto ano do curso de Letras-Português da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Apucarana, é um exemplo dentre muitos jovens que escolhem a profissão de professor contrariamente ao desejo da família. A relação conflituosa e até desrespeitosa que se estabelece hoje entre professor e aluno é um dos motivos da desvalorização. Jovanna, que também é auxiliar de coordenação de um colégio particular do município de Apucarana-PR, relatou: 

“Na minha época, eu ouvia do meu pai ‘o quê que você fez para tirar essa nota baixa?’ Hoje, já mudou o cenário. Vejo os pais questionarem os professores ‘o que que você está fazendo que o meu filho não está indo bem?’. É realmente muito desmotivador sim por causa da forma como o professor é tratado. No meu trabalho, tenho medo de como me direcionar aos alunos porque tudo pode ser um problema para os pais.”

Há ainda a questão salarial e as condições de trabalho dentro da sala de aula, como a quantidade grande de alunos por sala, carga horária de trabalho, etc. E todos esses elementos são percebidos até mesmo pelas crianças. “Ainda hoje mesmo, eu entrei na sala do primeiro ano e ouvi de um aluno: ‘ô, Jô, quantos anos você tem?’ Eu falei: ‘eu tenho 21’. Ele falou: ‘meu, e você tem certeza que pensa em ser professora? Você ainda tem tempo de mudar de ideia, né?’”, contou Jovanna. Todo esse cenário pode estar contribuindo para a diminuição da procura em ser professor do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, ou seja, professor do ensino básico de áreas especializadas.

Jovanna Sarah Furrier Pinto, graduanda em Letras Português pela Universidade Estadual do Paraná, campus de Apucarana, na Mostra de Profissões de 2023 da Unespar (Foto/Arquivo Pessoal)

Ninguém mais quer ser professor?

O artigo “Crise nos programas de licenciatura” da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) deste mês (edição 332) aponta para a falta de professores do Ensino Fundamental (séries finais) e Ensino Médio de todas as áreas: o “apagão das licenciaturas”. E, para que os alunos possam se formar, professores “improvisados” ajudam a cobrir as aulas vagas, mas ao oferecerem aulas inevitavelmente enviesadas para suas próprias áreas, geram uma aprendizagem incompleta, com lacunas.

Para ser professor do Ensino Fundamental (sexto ao nono ano) e do Ensino Médio, é preciso fazer um curso de licenciatura na área específica. Em 2010, 123 mil estudantes se formaram, contra 111 mil, em 2021, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). E ainda temos que considerar que muitos licenciados estão trabalhando em outras áreas, ou seja, nem todos os formandos escolhem a docência. Mesmo nas Universidade Públicas, na modalidade presencial, há diminuição na procura e permanência, chegando a 33% o número de vagas ociosas em 2021 (INEP). Essa diminuição de professores vem sendo discutida pelo governo federal há algum tempo. Ações como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) surgem em 2007 para oferecer bolsas para os alunos terem uma experiência na docência ainda cursando suas licenciaturas. 

Falta de alinhamento curricular

Outro motivo para a crise do quadro de professores, também levantado pela Fapesp em “Crise nos programas de licenciatura”, é que uma vez que o aluno não tenha um bom desempenho na escola, ele não encontrará motivação para ser um professor no futuro. E por que o aluno não está ‘indo bem’ na escola? Uma das causas é o trabalho insatisfatório do professor, resultante, dentre outras coisas, das deficiências na sua formação universitária. Muitas instituições oferecem um ensino não atualizado com documentos educacionais norteadores, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e as mudanças quando não acompanhadas (descompasso entre conteúdo aprofundado e estratégias sociointeracionistas de ensino) vão prejudicar o processo de ensino aprendizagem do professor da escola e por sua vez o desempenho do seu aluno que, desmotivado, não procurará ser professor um dia

Então um robô vai ser meu professor?

Além de vivermos em um momento de incertezas e mudanças de valores, vem pairando no contexto educacional há algum tempo a questão da Inteligência Artificial (IA) como, por exemplo, o ChatGPT. Os pesquisadores do Observatório de Populações e Políticas Públicas, Ronaldo Baltar e Cláudia Siqueira Baltar, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no artigo “Professores serão substituídos pela inteligência artificial?” (2023) entendem que: “A IA tende a evoluir bastante no aspecto da relação humano-máquina. O ChatGPT e os demais programas similares são protótipos funcionais que anunciam o potencial para o trabalho docente. São tecnologias que devem ser conhecidas e apropriadas por alunos, professores e escolas.” Ou seja, se soubermos aproveitar as novas tecnologias a nosso favor, as inovações virão para somar e não para substituir, como o que aconteceu com o surgimento das calculadoras, bem lembrado pelos pesquisadores.

O pessimismo talvez esteja no fato de as pessoas não conhecerem as potencialidades das novas tecnologias. “Do ponto de vista do uso de um sistema como o ChatGPT, o grande potencial para o ensino está na possibilidade de professores poderem construir ações dialógicas com os alunos em sala de aula. O potencial do uso de um chatbot avançado, que simule de fato uma conversa contextualizada como um humano, está em poder criar formas de construção de caminhos de diálogos, o que é fundamental para o pensamento inovador e crítico, ou seja, aquela capacidade de poder explorar todos os ângulos possíveis de uma determinada questão até a busca de uma síntese, com uma nova perspectiva explicativa para o tema”, afirmam os pesquisadores.

Apesar dos elementos que desvalorizam a profissão do professor, sempre haverá muitas manifestações de carinho e reconhecimento não só no dia 15 de outubro mas em todos os dias do ano, algo que nenhuma máquina poderá receber, porque compartilhar conhecimento (humano) de mundo, com dialogicidade, toque, olhar, e escuta, acontecem apenas entre seres humanos.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Débora de Mello Gonçales Sant´Ana e Patricia Ormastroni Iagallo
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Leonardo Rasmussen
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Gostou do nosso conteúdo? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Edição desta semana

Artigos em alta

Descubra o mundo ao seu redor com o C²

Conheça quem somos e nossa rede de parceiros