Desde pequena, sempre vi a minha mãe acompanhando gráficos no computador, discutindo termos complexos com os colegas e, de tempos em tempos, viajando para outras cidades para participar das atividades dos mestrados e especializações que ela já concluiu. Nossas estantes sempre foram cheias de livros científicos, e eu, curiosa, costumava perguntar: “Mãe, esse livro sobre patologia fala sobre patos?”. Assim, cresci rodeada pela ciência, e minha principal referência sempre foi, e é, a minha mãe.
A influência de uma pessoa inspiradora é muito maior do que imaginamos. Digo isso porque muitas meninas e mulheres não têm a chance de crescer em um ambiente como o que descrevi. Não estou falando necessariamente de ter uma cientista na família, mas de ter, durante o desenvolvimento e a educação básica, referências suficientes de mulheres na ciência para entender que, sim, uma menina pode ser cientista.
“Quando escolhemos a área em que queremos atuar, é inevitável: sempre nos inspiramos em alguém. Mas aqui surge uma grande questão. Como as meninas podem sequer considerar uma carreira nas ciências, em especial na tecnologia, se não sabem que existem mulheres atuando nessa área? É claro que a maioria de nós conhece nomes como Mark Zuckerberg e Bill Gates, mas poucos sabem que a primeira programadora foi uma mulher, a Ada Lovelace”, explica a professora do Departamento de Informática (DIN) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Josiane Melchiori Pinheiro.

A professora coordena o projeto de extensão Conectadas, em parceria com o Programa Meninas Digitais, da Sociedade Brasileira de Computação. A iniciativa, que surgiu em 2017, é formada por voluntárias dos cursos de Ciência da Computação e Informática da UEM.

Nos últimos 20 anos, algumas professoras notaram uma queda nas matrículas de meninas e mulheres nos cursos do Departamento. Isso motivou a criação do Conectadas, que se organiza em comissões para realizar diversas atividades, como receber e integrar as calouras e estudantes, divulgação no Instagram do projeto com histórias inspiradoras de mulheres cientistas, projetos de pesquisa e ações em escolas.
“Quanto mais cedo as meninas conhecem referências femininas na ciência, maior a chance de se verem na área”, destaca Josiane. Por isso, o Conectadas atua nas escolas, compartilhando histórias de mulheres cientistas que inspiram e promovendo cursos como o Brincadeira tem Lógica (BTL), que visa inspirar meninas do ensino fundamental II a desenvolverem pensamento lógico computacional e se interessarem pela Tecnologia da Informação.

Em 2024, houve um recorde de mulheres matriculadas nos cursos de Ciência da Computação e Informática na UEM. Embora a professora destaque que essa conquista não é exclusiva do Conectadas, a estudante Rebeca Marini, que conheceu o projeto durante o período da escola, conta que foi um curso ofertado pelo Conectadas (e as camisetas das participantes) que a inspirou. ‘Eu ainda estava na escola, já tinha interesse pela área, mas naquela hora, pensei: nossa, uma mulher da tecnologia usando rosa. Normalmente, existe o estereótipo de que mulheres cientistas abandonam a feminilidade’, diz Rebeca, que, motivada por essa experiência, ingressou no curso de Ciência da Computação e logo se juntou ao projeto.
Sophia Freire conta que o Conectadas foi essencial para sua permanência no curso de Ciência da Computação. Na primeira semana, ela se sentiu assustada por ser a única mulher na turma. Mas, ao compartilhar sua experiência no Conectadas, recebeu apoio das professoras, o que a incentivou a continuar e a inspirar outras mulheres. Eduarda Barragan, também estudante de Ciência da Computação, destaca o acolhimento das veteranas do Conectadas, que foi fundamental para se sentir bem-vinda em uma área ainda dominada por homens.
Apresentação do Conectadas para as estudantes (Foto/Reprodução) Equipe de mulheres que compõem o Conectadas (Foto/Reprodução) Apresentação do Conectadas para as estudantes (Foto/Reprodução) Palestra sobre direitos das mulheres promovida pelo Conectadas (Foto/Reprodução) Conectadas durante a Semana da Computação (Foto/Reprodução)
Em Curitiba, o Meninas e Mulheres na Ciência (MMC) também soma, há anos, forças à causa. Oficializado em 2020 (e no mês dedicado às Mulheres e Meninas na Ciência) como um projeto de extensão universitária da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o MMC desenvolve uma ampla gama de atividades, desde a criação de materiais lúdico-educativos e oficinas nas escolas até a produção de conteúdos para redes sociais e exposições sobre mulheres cientistas.
Além disso, promove pesquisas acadêmicas, articula ensino, pesquisa e extensão, dialoga com a mídia, e procura caminhar junto na formulação de políticas públicas voltadas à presença feminina na ciência. Assim, as ações alcançam escolas, comunidades e instituições não só em Curitiba mas em todo o Brasil, sempre com o compromisso de ampliar a visibilidade e o impacto das mulheres na ciência.
MMC presente na 15ª SIEPE da UFPR (Foto/Reprodução) Atividades promovidas pelo MMC nas escolas (Foto/Reprodução) Atividades promovidas pelo MMC nas escolas (Foto/Reprodução) Palestra do MMC no Simpósio sobre Diversidades, em Telêmaco Borba (Foto/Reprodução) Materiais desenvolvidos pelo projeto MMC (Foto/Reprodução)
A professora Camila Silveira da Silva, do Departamento de Química da UFPR e coordenadora do MMC, destaca que o projeto também busca empoderar mulheres já inseridas na carreira científica, mas que ainda não ocupam posições de decisão. Esses espaços incluem reitorias, pró-reitorias, coordenações de pós-graduação, chefias de departamentos, sociedades científicas e até mesmo cargos políticos fora do ambiente universitário.

“Nossa equipe de aproximadamente 90 pessoas é completamente multidisciplinar. Muitas se interessaram pelo projeto e foram se juntando a nós: estudantes de graduação, pesquisadoras, professoras universitárias, estudantes e professoras da educação básica, além de pessoas da comunidade externa”, explica Camila.
Ela destaca que as participantes do meio acadêmico vêm de diversas áreas, como engenharias, letras, medicina, pedagogia, ciências biológicas, direito e muitas outras. Essa diversidade reflete um objetivo comum que une todas as participantes, independentemente de áreas de estudo diferentes: garantir que as mulheres ocupem o espaço que merecem, tanto na universidade quanto na sociedade.
O Conectadas e o MMC são provas excelentes de como as mulheres, com muita persistência e luta, vão reescrever a história da participação feminina no meio acadêmico. Como consequência, vão se tornar, cada vez mais, figuras inspiradoras na área. Camila relata, orgulhosamente, que estudantes que participaram das atividades do MMC na escola, anos depois, ingressaram em cursos de ciências na UFPR. Isso só reforça que as meninas e mulheres têm de tudo para se tornarem grandes cientistas, mas, muitas vezes, o que falta é o encorajamento, aquele incentivo que acende a chama de uma carreira promissora.
A professora Josiane destaca que essa falta de incentivo pode estar enraizada na nossa construção social. Ela explica que é comum, por exemplo, que meninos joguem bola ou videogame no contraturno escolar, enquanto as meninas, muitas vezes, ficam em casa para ajudar com os irmãos ou nas tarefas domésticas. “A nossa sociedade sobrecarrega as meninas, o que impacta na construção dos interesses delas e contribui para o fato de que muitos meninos se interessem pela ciência desde a infância e recebam incentivo para continuar com essa curiosidade, enquanto, para as meninas, o cenário é diferente”, diz a professora.
Apesar de todos os resultados promissores do MMC, Camila também nos lembra como é desafiador estar na linha de frente da luta pelo espaço das mulheres na ciência: lidar com ataques frequentes, ter seu trabalho constantemente questionado e ouvir que projetos como esses não são científicos ou essenciais. Ainda assim, ela reforça a importância de continuar, especialmente dentro das instituições de ensino, pois o impacto vai além da academia. A ideia é, ainda que aos poucos, promover mudanças na sociedade para valorizar a diversidade e repensar os papeis de gênero, começando pela educação básica, como a professora Josiane mencionou.
Posso dizer, com toda sinceridade, que essa foi uma matéria muito marcante que escrevi para o C². Cada conversa com a equipe do Conectadas e do MMC encheu meu coração de esperança por um futuro onde nós, mulheres, possamos ser quem quisermos, sem limitações ou intimidações. Projetos como esses são o fundamento de mudanças reais e necessárias. É mais do que nossa responsabilidade abraçá-los com entusiasmo e fazer parte dessa transformação.
Curtiu o tema? Então, não deixe de seguir o Conectadas e o MMC nas redes sociais para acompanhar tudo de perto! E aproveite para conferir nosso podcast especial sobre Mulheres e Meninas na Ciência, com a participação de Gabriela Ferreira, mestre em Educação em Ciências e Matemática, que compartilha sua experiência e engajamento com a causa das mulheres na ciência. Não perca!
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Texto: Luiza da Costa
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Gutembergue Junior
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