O Parque do Ingá visto de cima impressiona não só por causa do verde, mas porque ele esta lá: o lago. Esse recurso hídrico é uma paixão dos moradores de Maringá, cidade do norte do Paraná. População que está até meio preocupada com o reservatório de água: o nível está baixíssimo assim como os rios e lagos da maior parte do país. A imponência diminuiu, mas não o espaço dele no coração dos maringaenses e na pauta das pesquisas dos cientistas, especialmente, daqueles que atuam na Universidade Estadual de Maringá (UEM).
O córrego Moscados pertence à sub-bacia do Ribeirão Pinguim, Bacia Hidrográfica do Rio Ivaí. Ele foi represado logo na cabeceira para formar o lago, que é alimentado por um conjunto de nascentes que praticamente não correm a céu aberto. Medindo cerca de dois hectares, o recurso hídrico tem uma profundidade que varia de 1 metro nas partes mais rasas a 6 metros nas mais profundas e é um dos cartões postais da cidade de Maringá, o que torna importante a sua preservação para que se possa oferecer segurança e qualidade de lazer para os visitantes do Parque do Ingá.
Esse trabalho de controle tem que ser permanente. Afinal, ao longo dos anos, o lago foi alvo de assoreamento provocado pelos resíduos despejados pela ação de chuvas e também pelas galerias de águas pluviais, que “deságuam” diretamente no parque, removendo a terra nas margens do reservatório. Sem contar que existem inúmeras ligações clandestinas despejando resíduos domésticos nas galerias que captam a água da chuva na cidade e acabam indo parar dentro do Parque do Ingá junto com resíduos sólidos.
Essas questões vêm sendo foco de preocupação de toda a comunidade e se tornou tema de uma reunião proposta pela vereadora Professora Ana Lúcia, realizada em 29 de setembro, na Câmara Municipal de Maringá. Veja o resumo do que foi discutido.
Os registros de que tem muita gente de olho na preservação do lago não param por aí. O texto “Monitoramento da Qualidade da Água do Reservatório do Parque do Ingá – Maringá”, apresentado no IV Encontro Tecnológico da Engenharia Civil e Arquitetura, conta detalhes de um estudo sobre as características físico-químicas da água do reservatório. Entre março de 2002 a março de 2003, foram coletadas amostras da água de três pontos para avaliar a “saúde” do lago. O pessoal analisou o oxigênio dissolvido, pH, transparência e temperatura.
O estudo ainda levou em consideração outros aspectos: os fenômenos naturais como chuva e temperatura, além de interferência antrópica, isto é, do homem, como as marcas da utilização do solo urbano no entorno do parque. De um modo geral, o estudo percebeu que as águas do Parque do Ingá encontravam-se poluídas embora, naquele momento, o nível ainda não fosse de todo perceptível, já que não houve registro de mau odor das águas, mortandade de peixes etc.
“Mas o simples fato de se encontrar em área urbana já justifica uma alteração considerável na qualidade das águas do lago. Portanto, desde aquele momento, alertamos sobre a necessidade de um gerenciamento das águas pelos órgãos competentes, com a implantação de um programa de monitoramento, afim de que elas continuem proporcionando qualidade de lazer para seus visitantes ”, explicou o texto, assinado pelo professor Edvard Elias, junto com Maurílio Martinez de Souza Filho e Paulo Fernando Soares, todos da UEM.
Plano de manejo
Mais recentemente, outro trabalho em parceria com a prefeitura de Maringá foi realizado. A Secretaria de Meio Ambiente e Bem Estar Animal (Sema) sabe que é preciso lançar mão da expertise das instituições de ensino superior para levantar informações que possam contribuir para a preservação e para o planejamento das ações nas reservas verdes da cidade de Maringá. Por isso, há dois anos assinou uma parceria com o Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupélia), da UEM, para atualização do Plano de Manejo do Parque do Ingá.
Inaugurado em outubro de 1971 e declarado como Área de Proteção Permanente, em 1991, o Parque do Ingá possui 474.300 metros quadrados de mata remanescente da Mata Atlântica. Em janeiro de 2017, a área foi definida como uma Unidade de Conservação na categoria de Área de Relevante Interesse Ecológico. Com isso, se posiciona como uma Unidade de Conservação dentro das categorias de Uso Sustentável no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Esta mudança regula o uso da área, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza, mas mantendo todas atividades histórias constituídas no Parque do Ingá.
Por isso, a importância de se possuir um Plano de Manejo. Esse documento é elaborado a partir de diversos estudos com diagnósticos do meio físico, biológico e social, exatamente para estabelecer normas e restrições de uso, manejo dos recursos naturais, entre outras ações. O Plano é elaborado de forma participativa e acompanhado pela comunidade e por uma equipe multidisciplinar integrada por pesquisadores, professores e técnicos das instituições de ensino superior.
O Nupélia realizou várias análises de comunidades de peixes e de outros organismos presentes no lago do Parque, assim como as características físicas e químicas da água. A parceria permitiu que o Núcleo, reconhecido internacionalmente no meio científico no manejo de águas doces, auxiliasse no documento que estabelece todas as ações para revitalizar o lago do Parque do Ingá.
A vida nas águas
Nos últimos anos, antes do início da pandemia da Convid-19, três trabalhos se destacaram nesta área. Ambos monitoraram a existência de organismos que são marcadores, isto é, a presença deles ou não pode alertar para a qualidade da água de um corpo hídrico.
A bióloga Claudia Costa Bonecker, ligada ao Núpelia, vem desenvolvendo, desde 2018, estudos no reservatório. A ação contou com a participação de vários pesquisadores do Núcleo da UEM, alunos de graduação em Ciências Biológicas e pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA) e Biologia Comparada (PGB), da UEM.
“Os primeiros resultados apontaram que o lago apresenta uma qualidade de água ruim, contaminadas por substâncias que chegam até ele pelas ligações clandestinas das galerias pluviais, o que acarreta o desenvolvimento de algas potencialmente tóxicas para saúde humana. Essas algas podem ser consumidas pelos peixes presentes no lago e também contaminá-los”, explica a doutora em Ecologia.
“Todos esses organismos aquáticos microscópios fazem parte da cadeia de alimentação do lago, servindo de alimento para os peixes e consumindo as algas. Com essa função no ecossistema, esses organismos fazem a energia circular por toda a cadeia alimentar e reciclam a matéria orgânica. Portanto, investigar a presença e a dinâmica dos do zooplâncton do lago fala muito da saúde dele”, destaca a bióloga.
A doutora Claudia ainda lembrou que, nos últimos anos, sob a coordenação da bióloga Susicley Jati, o Nupélia realizou, também, a retirada de espécies de peixes que não favoreciam a qualidade de água do lago e poderiam afetar a saúde humana. Após esse processo, chamado de despesca, a comunidade zooplanctônica mudou, o que certamente já vem interferindo no consumo de algas potencialmente tóxicas no lago e contribuindo para a melhoria da qualidade da água. Esses últimos estudos contaram com a participação de alunos de pós-graduação do PEA e do PGB, e com todo apoio dos biólogos da Prefeitura.
A vida nas águas
Além dos estudos acima, pesquisas com protozoários ciliados, lideradas pelo biólogo Luiz Felipe Machado Velho, também ligado ao Nupélia e ao PEA, foram desenvolvidas com o apoio de alunos de pós-graduação. Essas investigações revelaram, também, a presença de espécies indicadoras da qualidade ruim da água do lago, assim como espécies de zooplâncton, encontradas por Bonecker e seus alunos.
Os ciliados planctônicos são outra estrutura de grande importância para os ecossistemas aquáticos, porque também desempenham papel relevante nos diferentes níveis das cadeias alimentares. Além disso, responde rapidamente a alterações ambientais, sendo considerados potenciais bioindicadores da qualidade ambiental, em outras palavras, são fundamentais para o levantamento de medidas de controle e recuperação de biossistemas aquáticos, afetados por ações humanas.
“Os protozoários apresentam um notável aspecto de adaptação para diferentes condições de ambientes. Desempenham autopurificação de dejetos industriais, devido seus diferentes graus de sensibilidade a impactos ambientais, sendo assim, funcionam como indicadores ecológicos. Um dos grupos de bioindicadores mais conhecidos é o dos ciliados, que apresenta alta sensibilidade a ambientes poluídos, proporcionam repostas significativas em pequenas variações do meio em que se encontra, além de possuírem um ciclo de vida curto que possibilita a verificação de impactos em um curto período de tempo. Assim, nossa pesquisa ofereceu subsídios para a proposição de planos de recuperação do lago Parque do Ingá”, completa o professor Felipe.
O resultado do trabalho foi publicado no texto “Estrutura e Dinâmica da Comunidade de Ciliados Planctônicos (Protista-Ciliophora) de um Lago Urbano, em Distintas Escalas Temporais”, que é assinado por Velho e os pós-graduandos: Loiani Oliveira Santana, Gustavo Boveto Masquetto, Fabiana Maestá dos Santos, Carolina Leite Guimarães Durán, Melissa Progênio da Silva.
Erosão
A saúde do lago ainda depende da contenção de outro problema: as erosões. Este é outro tema de atenção dos pesquisadores da UEM em parceria com a prefeitura de Maringá. Algumas ações estão registradas no artigo “Estudo do manejo das erosões em uma unidade de conservação urbana: Parque do Ingá, Maringá, Estado do Paraná”, assinado por Lídia Maria da Fonseca Maróstica, Elaine Aparecida Merenda, Fernanda Beatriz Maróstica, Rosana Buogo, Luís Ferreira Maciel, Generoso De Angelis Neto e Bruno Luiz Domingos De Angelis.
O grupo descreveu a evolução do processo erosivo que vem degradando o parque e comprometendo seu uso pela população. Além disso, demonstrou os benefícios advindos da instalação de estruturas – calhas a céu aberto, tubulação subterrânea de concreto armado e Túnel Liner – em partes do parque, ações que tiveram impacto positivo no combate à erosão.
O estudo dividiu a área em três setores: uma que recebeu manejo (setor 1) e as outras duas (setores 2 e 3) ainda em processo de degradação contínua. Chegaram a que a área manejada teve o processo erosivo estancado em grande parte, inclusive com recuperação da vegetação, ao passo que os setores não manejados tiveram e têm o processo erosivo em franca evolução.
A pior questão envolve o lago. O volume de água da chuva que entra no parque por causa da incapacidade do solo asfaltado de absorver o fluxo aumenta provoca as erosões, chega ao reservatório prejudicando sua estrutura e a qualidade da água. Sem contar que esse volume traz consigo poluição de esgoto sanitário, lixo e terra, enfim, os pesquisadores alertaram de que era visível o início de um significativo assoreamento no córrego e uma grande quantidade de lixo depositado em suas margens e no interior da mata.
A equipe chamou a atenção para o fato de que as algumas obras implantadas pela prefeitura, apesar de parciais, deveriam ter continuidade. A implantação de calhas a céu aberto e tubulação subterrânea provocaram melhorias consistentes. Com estas construções, a água foi direcionada ao lago, porém sem causar tantos danos ao parque. Até a vegetação respondeu ao que eles chamam de manejo. Percebe-se ainda que existe uma regeneração da mata no entorno da calha. O potencial de recuperação e/ou regeneração da vegetação nessas situações é surpreendente, dada à velocidade em que ocorre.
Segundo Rogério Lima, biólogo da Secretaria de Meio Ambiente e Bem-Estar Animal de Maringá, a última revisão do Plano de Manejo do Parque, feita recentemente, previu que haja o reabastecimento do lago com águas da chuva. Porém, é necessário que se projete essa recanalização da água pluvial tomando os cuidados necessários para não desça junto com o lixo urbano.
Por isso, um projeto está sendo oficializado entre a Prefeitura e a UEM. Os professores da Engenharia Civil Sandro Rogério Lautenschlager e Cristhiane Okawa vão fazer um estudo para saber quais os melhores locais para se construir a estrutura de captação de chuva para utilizar essa água no aumento do volume do lago. Paralelo a isso, os pesquisadores vão apontar como aumentar a percolação; isto é, as áreas permeáveis em torno da bacia. A ideia é recompor as nascentes e os lençóis superficiais do Parque do Ingá.
“Com essas informações, vamos realizar a recanalização que vai ajudar, também, no combate ao processo de erosão. Os contratos já estão assinados e o processo começa em breve”, anuncia o biólogo.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Ana Paula Machado Velho
Roteiro e Edição de Vídeo: Jéssica Cafisso – Câmara de Vereadores de Maringá
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: