Num aeroporto, no meio da confusão da sala de desembarque, um homem pergunta o nome de uma das passageiras ao lado dele. Ela conversa com a mãe, que veio lhe buscar. Mal ouviu a resposta, diz que já sabia, porque “a voz e a forma convincente de falar que ele ouve no programa de radiojornalismo, todos os dias pela manhã, são inconfundíveis”.
Experiências como estas marcam a vida profissional de uma radiojornalista. Estas situações nos põem a pensar sobre o poder da fala, a capacidade das pessoas envolverem outras emocionalmente, mesmo em situações como um programa de rádio, em que se pretende apresentar, discutir e analisar fatos pelo viés jornalístico.
Poucos se atêm ao fato de que a voz tem personalidade e é ela que provoca a interação entre as “mentes” de comunicadores, jornalistas e ouvinte. Sem ela, a peça radiofônica, a reportagem e todas as outras possibilidades de organização de mensagens no rádio não existem de fato, resta apenas a música, mas esta é outra forma de expressão.
Na história da tecnologia radiofônica, temos três fases. A da radiotelegrafia, quando os sinais sonoros, em código Morse, eram disseminados por ondas eletromagnéticas, sem a utilização de fios, entre dois pontos; a radiotelefonia, na qual sons eram transmitidos em ondas eletromagnéticas entre dois pontos, em duas vias; e a radiodifusão, por meio da qual emite-se e recebe-se sons de diversas naturezas. O emissor produz ondas eletromagnéticas e as “lança” de um ponto para todos os outros onde houver ouvintes equipados com receptores destes sinais elétricos.
Esta última tecnologia é que interessa discutir aqui. Porque é ela que vai viabilizar o surgimento do rádio como veículo de comunicação de massa. Oficialmente, foi só em 1906 que se deu a primeira transmissão radiofônica de voz no mundo, realizada pelo americano Lee De Forest. Diz-se oficial, porque a história do rádio no Brasil conta que, no final do século XIX, o gaúcho Padre Roberto Landell de Moura começou as próprias pesquisas sobre as ondas de rádio, transmitindo, em 1892, pela primeira vez, a voz humana, em Campinas. É… aqui no Brasil.
Mas em nenhum destes dois momentos se dá, ainda, o surgimento da radiodifusão sonora. Isso só vai acontecer em 1920, quando é criada a primeira rádio no molde como conhecemos hoje. A emissora é fruto de uma experiência de Frank Conrad que, a partir da sua casa, na Pensilvânia (EUA), começou a fazer transmissões experimentais.
Muito habilidoso, Frank desenvolveu o microfone e, em pouco tempo, suas conversas ganharam repercussão. Ele começou a receber cartas de ouvintes que o sintonizavam, ainda com rádios galena (veja definição no final do texto), elogiando sua atuação e as músicas que ele colocava no ar com a ajuda do dono de uma loja de discos da sua cidade, que emprestava as obras em troca de ter a empresa citada no ar. O sucesso foi tanto que, em pouco tempo, a Westinghouse Eletric and Manufacturing Company criou, nos mesmos moldes, a primeira rádio americana, a KDKA, que entra no ar em 2 de novembro de 1920.
Esta história reforça a importância da voz e da existência de alguém que fala para o surgimento do rádio como veículo, como meio de comunicação utilizado com diversos objetivos, inclusive, para a atividade jornalística e divulgação da ciência, foco das discussões deste artigo.
Voz e vínculo
A voz é um meio sonoro que desperta a capacidade evocativa da palavra, ela é um “gesto sonoro”, como propõem as considerações do teórico do rádio e produtor alemão Werner Klippert, no livro traduzido por George Bernard Sperber, em 1980, Introdução à peça radiofônica.
No universo jornalístico do rádio, a palavra ganha expressão com a fonação, o “jeito” como ela é dita. O comunicador não apenas lê, ele interpreta o conteúdo das mensagens escritas, comenta, faz entrevista, analisa, enfim, fala (in)formalmente ao microfone. Esse processo gera em quem ouve a sensação de que está participando de um diálogo, apesar de não poder responder diretamente a quem lhe fala. Essa incompletude provoca o ouvinte a se tornar ativo, ele vai complementar o diálogo com sua imaginação. A partir da palavra, o receptor cria imagens em sua mente – imagens interiores.
As imagens mentais vão comportar sensações, emoções, relações afetivas. Neste movimento de interação é que se dão os vínculos que vão explicar aquele encontro de jornalista e ouvinte no aeroporto. Ela torna íntimas pessoas que nunca se viram. Constrói a palavra imaginada, fonte evocadora de uma experiência sensorial mais completa.
O veículo
A reestruturação do rádio no Brasil, depois da decadência provocada pela chegada da televisão, nos anos 50, se deu exatamente sobre relações afetivas entre profissionais e radiouvintes. Com as propostas de entretenimento transferidas para a televisão, o rádio adota uma programação que reúne música, esporte (entretenimento) e jornalismo (notícias e prestação de serviços).
Ajudado pela miniaturização e a portabilidade, o rádio ficou pequeno e se transformou no companheiro de todas as horas, por meio do qual alguém conta alguma coisa ou canta. Essa característica estimulou o governo militar a utilizá-lo como instrumento de integração nacional, levando sua ideologia às mais longínquas regiões do País. E foi por esta característica, também, que o rádio venceu a derrocada comercial, passando pela ditadura com a exploração do filão da música de qualidade, trazida pela tecnologia da Frequência Modulada (FM), e chegou firme aos anos 80, para se fortalecer, novamente, com o novo período de valorização da informação jornalística e dos movimentos populares. Inúmeros novos políticos vão surgir destas mobilizações, ocorridas pós abertura política no Brasil. Pessoas que colocaram suas vozes em rádios, muitas ditas comunitárias, transformaram-se em representantes do povo. E todo este processo vai abrir caminho para o surgimento de rádios exclusivamente de notícias, nos anos 90.
Hoje, pesquisas mostram que os jovens, ou a geração da televisão, vêm redescobrindo o rádio. Comunicadores populares falam das coisas do cotidiano, utilizando o humor e entrevistas informais com “celebridades”, abrindo espaço, ainda, para a participação do ouvinte. A vida urbana, que exige que o indivíduo passe quase o dia todo fora de casa, leva-o a procurar informação e entretenimento. Ele procura contato com o mundo de uma forma que não precise utilizar as mãos, ocupadas com as tarefas profissionais ou com o volante; quer ouvir o outro, além dos barulhos da paisagem sonora da cidade. Ligando-se ao veículo, liga-se à vida.
Com isso, se vislumbra uma nova era para o rádio, que ganha até novos produtos, como os comentados podcasts (definição no fim do texto). Há uma nova postura da mensagem radiofônica, que resgata a fala, propõe uma relação mais estreita com o público atual, que está ávido por ouvir o outro, procura a conversa, o diálogo, a interação. E estes detalhes surgem quando a voz que emerge do rádio, se enche de personalidade, por meio de jornalistas/comunicadores envolventes, mas que conseguem demonstrar sua capacidade profissional e humana no momento de conduzir a interlocução com as pessoas que entrevista, de ler os textos pré-produzidos, de traduzir as notícias para quem ouve. Voltamos à voz, ao diálogo, à elocução, aos vínculos. Nestes elementos é que está o diferencial do rádio.
O C² tem várias propostas sonoras que ilustram esse tipo de produção. Temos séries que reúnem episódios pequenos, como as temporadas sobre a Covid-19 e sobre Saúde. Temos produções de spots dirigidas a crianças, com o Porque sim não é reposta! Ainda apresentamos séries como novelas, basta ver o podcast Um prato de Quê, e marcamos momentos bem conturbados, como com o Conexão Covid. Tudo ligado à divulgação da ciência.
A dinâmica da palavra dita, da declaração e opinião das fontes, inseridas como estruturas sonoras construídas pelo próprio entrevistado, no caso o cientista, pode não ser, por si só, eficaz. Mas, a utilização da construção oral do próprio cientista, traduzida com a ajuda do jornalista, por meio de intervenções (diálogo) e de elaboração de textos em estruturas pré-produzidas, pode ser mais precisa na tradução dos conteúdos da ciência.
A eficiência aumenta quando tudo isso é combinado com os signos sonoros – música e ruídos -, que vão dar emoção e ambientar as mensagens verbais, fazendo com que se criem as tão discutidas imagens mentais.
UEM-FM
O coordenador da rádio educativa da Universidade Estadual de Maringá, Marcelo Galdioli, lembra que a ciência desenvolvida na Instituição é objeto da programação da emissora. Com o slogan “Em sintonia com a comunidade!”, a UEM-FM procura garantir uma grade democrática com a participação de vozes de todas as áreas do conhecimento, tanto no sentido cultural como no sentido participativo.
“Isto significa contar com a participação da comunidade externa e interna para divulgar as pesquisas e os resultados da produção acadêmico-científica realizada pela nossa Instituição. A programação, dia e noite, é representada por músicas e informações, organizadas em programas específicos e, também, entrevistas com pesquisadores, colaboradores, docentes e acadêmicos, que de forma didática socializam os conhecimentos sobre ciência”, explica o comunicador.
Além do noticiário com entrevistas, de 30 em 30 minutos, de segunda a sexta-feira, a UEM-FM conta com programas semanais e lives em parcerias com diferentes departamentos e setores, que falam de pesquisa, ensino e extensão. Entre eles estão o Café na Reitoria; Justiça, Negócios, Finanças e Cidadania; Socializando o Conhecimento; E a saúde Mental, como vai?; Momento Agro UEM; BR Cidades em Pauta; Conversa PENsada; Diálogos sobre política; Conversas Cotidianas; O que tem na sua Xícara?
“Qualquer pessoa pode ouvir nossa programação, sintonizando no rádio a frequência FM 106,9, na internet em www.uemfm.uem.br e, também, vários programas/lives no YouTube da UEM TV. Quero aproveitar este espaço para convidar você para sugerir temas que gostaria de ouvir aqui na nossa rádio, por que estamos sempre “em sintonia com a comunidade”, acrescenta Galdioli.
Nova era do rádio
Marcelo chama atenção para mais um detalhe do atual cenário: o rádio “hospedado” no ambiente multimídia do computador, que permite mensagens não só pela fala e vem ganhando representações por meio de material visual como fotos, infografias (veja definição no final do texto), animações etc.; além da escrita (legendas, títulos), o que atende às demandas dos mais diferentes tipos de receptores da atualidade.
O novo público pode escolher ser leitor, priorizando a “leitura” da informação verbal escrita; ser ouvinte, optando pelo acesso aos arquivos sonoros; e espectador, valorizando a informação visual. Ou mesmo percorrer as três propostas de codificação, absorvendo detalhes diferentes em cada uma delas, o que poderia contribuir significativamente para compreender os conteúdos da ciência, que nem sempre são facilmente “traduzidos” por meio de uma só codificação.
Podemos ver que o desafio de uma nova era para o conteúdo informativo do rádio está aí para ser enfrentado. O rádio no ambiente multimídia do computador é um meio que pode dar suporte ao jornalismo científico e à promoção da ciência em arquivos sonoros, visuais e verbais, no espaço quase infinito oferecido pelo meio digital.
Enfim, essa alquimia de emoções que se dá na radiodifusão sonora pode ser vista como a arma daqueles que dedicam a vida profissional ao diálogo no radiojornalismo científico e se entregam ao encontro diário com o ouvinte. Por outro lado, se apresenta como ferramenta para aqueles que, mesmo distantes fisicamente, confiam ao comunicador suas dúvidas, seus anseios, suas alegrias e suas lutas.
Eu, como radialista e divulgadora científica, não tenho dúvidas de que as pessoas são capazes de identificar, em qualquer circunstância, a voz de quem lhes fala e a qual dedicam profunda confiança, com a qual selaram o mais profundo dos vínculos: a cumplicidade. Essa voz, que é dita, que é reconhecida em qualquer lugar e momento, mesmo no barulhento saguão de desembarque de um aeroporto, pode ser instrumento de disseminação de informações que constroem pontes com o conhecimento e podem até salvar vidas.
Glossário
Rádio de galena – é um rádio que não necessita de nenhuma fonte de energia, utilizando apenas as próprias ondas de rádio que são recebidas da antena que fornece o sinal. É um dos equipamentos mais simples existentes. Foi um dos primeiros rádios utilizados no mundo.
Podcast – Basicamente, é um programa de rádio que pode ser ouvido pela internet a qualquer hora, por meio do celular ou do computador. Com temas e duração variadas, o ouvinte pode acessar conteúdos em áudio para se informar, para estudar ou para passar o tempo.
Infografia ou infográficos são textos visuais explicativos e informativos associados a elementos não verbais, tais como imagens, sons, gráficos, hiperlinks etc. São utilizados com frequência na mídia impressa e digital, tendo como principal função informar o leitor.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Maria Eduarda Oliveira
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior