Os estudantes de ciências adoram inovação e eu, quando cursava a graduação em Química no final dos anos 1990, não era diferente. Desde o primeiro ano na faculdade, sempre atuei como docente e queria seguir a pós-graduação na área, porém, naquela época, os programas de pós-graduação em Ensino de Ciências eram extremamente raros e não atendiam todos os interessados em pesquisar a educação em ciências.
Como alternativa, fui procurar um orientador na pós-graduação que pudesse acolher as minhas ideias avançadas e inovadoras, pois sempre quis seguir para a pós-graduação.
Foi neste momento que eu me aproximei do grupo de pesquisa em Processos Oxidativos Avançados (POA) para o tratamento de resíduos da UFPR.
Após a seleção no programa de pós-graduação, houve a primeira reunião do grupo para definirmos os problemas de pesquisa. Ao todo, éramos 4 mestrandos e entre eles a minha amiga, Elaine Regina Lopes Tiburtius, mais 4 doutorandos. Na primeira reunião, o professor Patricio Guillermo Peralta-Zamora começou a explicar o que se conhecia, naquela época, sobre o mecanismo de reação do radical hidroxila para degradação de poluentes orgânicos.
O ano era 2002 e essa reunião do grupo de pesquisa definiu quais os resíduos que seriam tratados, dividindo-os pelas equipes. Assim, alguns estudaram processos para tratamento de resíduos contendo corantes, outros os pesticidas ou resíduos da indústria papeleira. Eu acabei pesquisando o percolado de aterro sanitário, chamado cotidianamente de chorume, aquele líquido de cor escura que é formado pela decomposição do lixo. Minha amiga Elaine estudou poluentes oriundos da contaminação por combustíveis fósseis, os chamados BTX (Benzeno, Tolueno e Xileno), encontrados na gasolina e em outros derivados do petróleo.
Quando um estudante chega em um grupo de pesquisa, a primeira etapa é a caracterização da amostra, conhecer tudo que pode estar presente e que precisa ser tratado, e esse é talvez o grande atrativo para estudantes que querem seguir por esta área do conhecimento. Ter a possibilidade de trabalhar com técnicas analíticas, desde as mais clássicas, como titulação, até as mais avançadas usando cromatógrafos, espectrofotômetros e equipamentos para medida da Demanda Química de Oxigênio.
Um cromatógrafo permite a análise de espécies químicas desconhecidas, separando-as pela massa, pela reatividade química, pelo tamanho da molécula ou usando outras propriedades químicas. É um equipamento muito comum na indústria química. Um espectrofotômetro usa a interação de uma molécula com a luz (ultravioleta, visível ou infravermelha),e essa interação é representada por um gráfico que tem picos específicos para moléculas diferentes.
Além disso, são muitos conhecimentos químicos envolvidos, como reações químicas, semicondutores, catalisadores, química orgânica, fotoquímica e até um pouco de química quântica. Realmente, o estudante que passa por esse grupo de pesquisa aprende muito!
Desafios
Ao escrever essa matéria para o Conexão Ciência – C², fiz contato com o professor Patrício e minha amiga Elaine, com quem mantenho amizade até os dias atuais. Eles me ajudaram a mostrar que o estudo dos POAs é instigante e ainda mantém a mesma abrangência.
Segundo o professor Patrício, “em algum momento, o estudante vai ter que passar por várias técnicas diferentes e essa é uma demanda muito grande do mercado. Não há muitos profissionais que tenham o conhecimento analítico necessário para atender essa demanda, o que torna o nosso grupo de pesquisa um diferencial sobre as demais áreas da Química”.
Esse ponto também é destacado pela pesquisadora Elaine, porém, mostrando o impacto negativo na pesquisa universitária, em que ela afirma que “muitas técnicas analíticas ainda são caras e precisam de parcerias para que possam ser executadas. As universidades estão caminhando para melhorar os equipamentos disponíveis, porém, ainda há muito a ser construído”, afirma Elaine.

O ambiente no laboratório de pesquisa do professor Patrício sempre foi muito acolhedor, todos pensando coletivamente sobre o trabalho dos demais colegas, contribuindo com ideias, propondo metodologias, ou seja, um espaço de aprendizagem coletiva. À medida que os estudantes se espalham pelas diferentes universidades, criam-se redes de colaboração com profissionais em diferentes universidades do Paraná e do Brasil.
Neste sentido, Patrício destaca que “o mais importante da pós-graduação é a formação de recursos humanos, com profissionais que saibam colaborar, discutir e ser excelentes professores universitários”. “Este espírito é compartilhado pelos profissionais que já passaram pelo grupo”, reforça Elaine.
Vale destacar que a professora Elaine se consolidou como uma pesquisadora referência na área dos Processos Oxidativos Avançados na UEPG, introduzindo novas metodologias, formando novos pesquisadores. Ela representa o Paraná nas sociedades científicas, como La Red Latinoamericana para el Análisis de la Calidad Ambiental en América Latina (RACAL) e do comitê gestor da Conferência Iberoamericana de Processos Oxidativos Avançados (CIPOA).
A rotina como pesquisadora na Universidade para Elaine não é fácil e, como muitas mulheres, ela enfrenta preconceito pelo fato de se fazer presente em uma área emergente. Mesmo produtivas nas universidades paranaenses, os recursos são divididos desigualmente pelas agências de fomento. Esta questão foi tema de uma matéria aqui no C² para marcar o Dia da Mulher e mostrar a pouca visibilidade delas na academia.
Ainda com relação à colaboração, Patrício destaca que hoje ele não publica mais nenhuma patente derivada dos seus projetos, ou seja, todas as produções são pensadas no modelo de Ciência Aberta, para que pesquisadores de outros locais possam reproduzir seus resultados e permitir o avanço da ciência.
Neste momento, você deve estar se perguntando: o que são Processos Oxidativos Avançados?
Patrício explica que são transformações químicas desencadeadas pelo radical hidroxila (•OH), ou seja, são reações radicalares, que são pouco estudadas durante a educação básica ou mesmo na graduação.
Uma ligação química, nos livros escolares, é representada por um traço (—), o que indica a presença de um par de elétrons. Há vários processos usados para formar radicais, que basicamente consiste em separar esse par de elétrons, ficando um elétron para cada átomo. Na Química, dizemos que esse elétron está desemparelhado. Um radical é, então, uma espécie altamente reativa que irá desencadear uma série de reações, dando origem a outros radicais que irão reagir enquanto houver substrato no meio.

A reatividade do radical hidroxila permite o uso dessa espécie para degradação da matéria orgânica e, esta característica, determina a potencialidade do uso dos POAs para o tratamento de resíduos. O fato é que essa espécie pode reagir com poluentes orgânicos presentes em diversos meios, principalmente o aquoso, degradando esses poluentes orgânicos que não são degradados por processos tradicionais. É quando ocorre a mineralização completa de muitos poluentes, isto é, todo o carbono forma gás carbônico e todo o hidrogênio gera moléculas de água.
Assim, POAs são diferentes processos que permitem gerar o radical hidroxila no meio reacional. O processo mais comum e mais simples é o chamado ultravioleta/peróxido de hidrogênio (ou UV/H2O2, para os íntimos).
Há uma série de diferentes processos que podem ser usados para gerar esse radical no meio, os mais comuns usam catalisadores, enquanto outros usam íons de ferro (que chamamos de Fenton). Há, ainda, processos envolvendo nanopartículas, eletricidade ou com materiais semicondutores, podendo ser irradiados com luz ultravioleta, luz visível ou, também, ocorrer no escuro.
Além disso, os processos podem ser classificados em homogêneos, quando todos os reagentes estão na mesma fase, geralmente aquoso, e não sendo possível identificar seus componentes nem com o auxílio de um microscópio; ou heterogêneos, quando há duas fases, geralmente uma sólida e uma aquosa.

Com relação às aplicação destes processos, vários poluentes são classicamente tratados, e com resultados já bem descritos na literatura, como corantes, fármacos, hormônios, resíduos industriais, áreas contaminadas com hidrocarbonetos e muitos outros. Em alguns países, por exemplo, os POAs já são empregados para o tratamento de água destinada ao consumo humano, na remediação de solos contaminados e nos tratamentos finais.
De acordo com o professor Patrício, as expectativas são as melhores: “Que os processos oxidativos avançados funcionam, nós já sabemos, queremos agora aprimorá-los para uso em escala maior!”
Já a professora Elaine, faz questão de enfatizar: “Esses processos são tão eficazes que muitos países já adotam os POAs em processos associados a outras etapas de tratamento”.
Com resultados tão animadores, esperamos que esses processos possam estar cada vez mais presentes em diferentes indústrias, contribuindo para resolver problemas ambientais.
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Texto: Jailson Rodrigo Pacheco
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão de texto: Silvia Calciolari
Arte: Lucas Romão
Supervisão de arte: Lucas Higashi
Edição Digital: Guilherme Nascimento
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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