Usar máscaras, lavar as mãos, limpar tudo com álcool 70%, evitar aglomerações, praticar o distanciamento social, tomar vacina… Essas ações te despertam alguma memória?
As medidas escritas acima, foram algumas das práticas adotadas durante o enfrentamento da pandemia da Covid-19, a doença causada pelo coronavírus, o SARS-CoV-2, que parou o mundo em 2020.
Logo no início da adoção dessas medidas no nosso dia a dia, algumas delas trouxeram bastante controvérsias, como a higienização das compras dos supermercados e a limpeza das superfícies. Alguns diziam que não era necessário, pois a chance do vírus ficar vivo por muito tempo nesses lugares era mínima, enquanto outros falavam que essas ações eram fundamentais para combater a disseminação da doença.
No meio de tantas dúvidas, algumas pessoas – como eu, por exemplo – acabaram optando por realizar essas tarefas, que não eram nem um pouco prazerosas de se fazer. Porém, naquele momento, eu me sentia muito mais segura sabendo que todos os itens da minha despensa e geladeira estavam descontaminados do vírus e de outros resíduos.
Agora, em 2024, com boa parte do mundo vacinada contra a Covid-19, essas preocupações não são mais o foco da população. Embora, muitos hábitos adquiridos nesse momento permanecerem presentes nas casas de muitas pessoas. Afinal, não existe só o coronavírus. Muitos outros vírus e bactérias continuam soltos por aí e precisamos nos proteger deles.
É por isso que pesquisadores paranaenses estão estudando materiais com ação biocida, ou seja, produtos com capacidade de combater organismos prejudiciais à saúde, como bactérias, fungos, e mais.
Pesquisa
Uma destas pesquisas é coordenada pelo professor do Departamento de Química e do Programa de Pós-Graduação em Processos Químicos e Biotecnológicos (PPGQB), da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – Campus Toledo, Ricardo Schneider. A bióloga e pós-doutoranda do PPGQB, Gabrielle Caroline Peiter, também integra a equipe do estudo.

O professor conta que, inicialmente, a ideia era obter vidros com ação biocida pela adição de íons – partículas químicas carregadas eletricamente – de prata e/ou cobre, algo comum para vidros silicatos. Estes possuem sílica em sua composição, mas não tão presentes para vidro fosfatos ou borofosfatos, aqueles que contêm os elementos químicos boro ou fósforo em sua estrutura.
A grande aplicabilidade surgiu quando os vidros de borofosfato, obtidos pelos pesquisadores, se mostraram solúveis em água, além de poderem ser produzidos em baixas temperaturas, se comparado com a síntese de vidros convencionais. Isso não apenas viabiliza a ampliação da escala de produção, mas reduz o consumo energético do processo e o custo financeiro, tornando o vidro solúvel muito mais interessante para algumas aplicações.
Nessa hora você deve estar se perguntando: ‘como assim, vidro solúvel em água?’. É isso mesmo! De acordo com o professor, os vidros são líquidos apesar da impressão sólida que temos. Ricardo Schneider explica que, “em termos técnicos, os vidros são materiais com ausência de ordenamento a longa distância e possuem temperatura de transição vítrea”. A característica de estrutura desordenada permite o material se tornar mais rígido ou flexível, dependendo dos processos aplicados.
De acordo com os pesquisadores, o diferencial dos materiais desenvolvidos por eles está na ausência de íons metálicos, como ferro, zinco, magnésio etc…, em sua composição. Esses são agentes comuns em materiais antimicrobianos, porém, trazem preocupações ambientais e de segurança em em longo prazo.
Além disso, a pós-doutoranda Gabrielle Peiter destaca que “a capacidade do material de ser dissolvido em água, permite a produção de géis antimicrobianos com desempenho superior ao álcool em gel, apresentando uma alternativa para higienização em diversas aplicações”, acrescenta ela.

A pesquisa envolve as áreas de química de materiais, microbiologia, biotecnologia, e aplicações práticas em agropecuária e saúde pública. Além da UTFPR, a equipe trabalhou em parceria com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e a Universidade de Brasília (UnB), em diversos estágios do desenvolvimento dos vidros.
Combatendo infecções bacterianas
Segundo Ricardo Schneider, a motivação inicial do estudo foi desenvolver um material antimicrobiano eficaz, que pudesse ser aplicado na área da saúde, especificamente em hidrogéis para aplicações médicas, como curativos e produtos de sanitização para controle de infecções bacterianas. “A ideia era criar uma alternativa aos compostos antimicrobianos convencionais, como os que utilizam metais pesados, oferecendo uma solução mais segura e ecologicamente correta”, explica ele.
E como esse material age? Embora o mecanismo de ação exato ainda não seja totalmente conhecido, o professor acredita que o vidro de borofosfato atue por meio do tamanho das cadeias, que interagem com a membrana bacteriana, causando danos a ela. “Esse material parece atuar em múltiplos alvos celulares, como proteínas, ácidos nucleicos e membranas. Essa interação múltipla dificulta a adaptação e resistência das bactérias, tornando o material eficaz contra uma ampla gama de patógenos1”, acrescenta.
O material no setor avícola
Mais adiante, os pesquisadores tiveram a ideia de aplicar o material no setor avícola. A pesquisa surgiu como uma extensão do estudo sobre os hidrogéis e visa combater infecções bacterianas em ambientes de produção de aves, como as causadas por Salmonella, com o objetivo de melhorar a segurança alimentar.
Nesse estudo, a ideia é aplicar o material a seco em maravalhas, que são aparas de madeira usadas para forrar o espaço que os animais ficam, evitando o contato deles com o solo e absorvendo os resíduos produzidos por eles.

Até o momento, os testes realizados in vitro demonstraram eficácia significativa do vidro de borofosfato em combater uma variedade de microrganismos, incluindo Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Salmonella spp., Candida albicans – bactérias e fungos que podem causar infecções simples ou graves -, entre outros. “O material superou produtos comerciais em testes comparativos, mostrando maior eficiência bactericida e fungicida”, afirma o professor.
Além do setor avícola, o material pode ser aplicado em diversas áreas, incluindo o controle de infecções em hospitais, sanitização de superfícies, produção de curativos antimicrobianos e, também, como um agente antifúngico em produtos médicos e sanitários.
Essa pesquisa impacta diretamente a população, que poderá consumir produtos mais seguros e eficazes para controle de infecções, como desinfetantes e curativos antimicrobianos. Além disso, na avicultura, o material ajudará a melhorar a segurança alimentar, diminuindo a incidência de contaminações bacterianas em alimentos.
Atualmente, o material vítreo é patenteado e os pesquisadores estão na busca de parceiros para o aumento da escala de produção, bem como validação dos vidros em novas aplicações, como controle de fungos em frutas e fertilizantes.
A aplicação de vidros como agentes antimicrobianos ainda é pouco explorada e a pesquisa realizada pela equipe abre novos caminhos para a indústria, oferecendo uma solução para o combate de várias infecções prejudiciais aos seres vivos. É a ciência, tecnologia e inovação paranaense a serviço da saúde da população!
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Milena Massako Ito
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Patógenos – Organismos que podem causar doenças em hospedeiros, como bactérias, vírus, fungos etc… ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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