Nas últimas décadas, fomos bombardeados por programas de televisão e séries sobre alimentação saudável, em vários formatos e gêneros, para nos ensinar como ter uma vida saudável e viver mais e melhor. Dos programas de variedades que ensinam receitas tradicionais ou gourmets, aos reality shows de culinária de salgados e confeitaria, passando pelas séries sobre emagrecimento a partir de uma dieta que alia atividade física e um consumo balanceado, passamos a nos defrontar com o conceito ‘você é o que come’.
E quando o assunto é alimentação saudável para uma vida igualmente saudável, impossível não vir à mente uma pergunta que virou meme e resume bem o tema desta matéria: Que tal substituir os alimentos convencionais por orgânicos?
Vale lembrar que esse era o bordão da apresentadora e orientadora alimentar, Bela Gil, no programa Bela Cozinha, iniciado em 2013, na TV a cabo, que priorizava os benefícios que uma alimentação orgânica e vegetariana traz à saúde. Para além do meme, a filha de Gilberto Gil também inovou no formato a introduzir na televisão a importância da agroecologia na produção orgânica como alternativa aos alimentos convencionais, transgênicos ou ultraprocessados.

De acordo com a legislação brasileira, um produto orgânico, seja ele in natura ou processado, é aquele que é obtido em um sistema orgânico de produção agropecuária ou por meio de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local. Ou seja, é cultivado de maneira natural e responsável, livre de agrotóxicos e fertilizantes químicos, bem como de alterações genéticas presentes em transgênicos. O Conexão Ciência já tratou do tema na matéria ‘Produção agrícola segura e sustentável’.
O objetivo é garantir um produto mais saudável, livre de contaminantes e que respeite a diversidade ecológica. Para ser considerado orgânico, o processo produtivo deve contemplar o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando relações sociais e culturais.
Paraná Mais Orgânico
E é exatamente este o espírito que mantém, desde 2009, o programa Paraná Mais Orgânico (PMO), instituído pelo governo do estado para orientar e certificar os agricultores familiares interessados em produzir alimentos de maneira orgânica. Os produtores aprendem a converter as lavouras tradicionais para o modelo orgânico livres de agrotóxicos, de sementes transgênicas e de outras substâncias tóxicas ou sintéticas, dentro das normas da legislação brasileira para produtos e sistemas de produção orgânica.
As orientações são dadas pelos profissionais dos Núcleos de Certificação Orgânica, sediados nas sete Universidades Estaduais, no Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR), no Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA) e em Ivaiporã, além do Instituto Tecnológico do Paraná (Tecpar). O programa atua também na viabilização da certificação daqueles que já seguem as técnicas de manejo orgânico, facilitando o acesso ao selo que garante a qualidade do produto.
Sob a coordenação estadual do professor do Departamento de Agronomia (DAG), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Ednaldo Michellon, o PMO auxilia produtores rurais paranaenses a obterem a certificação orgânica e mudar, em muitos casos, radicalmente a forma de cultivo, bem como a relação com a natureza.
Além de professor do DAG e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da UEM (PCE), Michellon também é responsável pelo núcleo UEM do programa e coordena o Centro de Referência de Agricultura Urbana e Periurbana (CerAUP/UEM), que apoia a criação bem como trabalha com Assistência Técnica e Extensão Rural nas hortas comunitárias urbanas na Região Metropolitana de Maringá (RMM).
Referência nas áreas de extensão rural, agricultura urbana e cultivos orgânicos, o coordenador participou desde a concepção do Paraná Mais Orgânico que se transformou em parte integrante da sua trajetória como professor, tornando-o uma referência quando o assunto é produção orgânica.
Jornada rumo aos orgânicos
O professor Michellon relembra que a partir de 2003, houve, no Brasil, um forte incentivo do governo federal para os cursos de extensão. Ao mesmo tempo no Paraná, foi criado o programa Universidade Sem Fronteiras, que, naquela época, foi algo totalmente inédito e chegou a ter aproximadamente 5.500 bolsistas. Em 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, ouvindo as várias conferências de segurança alimentar e nutricional (SAN) criou o Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana – CerAUP/UEM.
“Ganhamos um edital e com o apoio da prefeitura municipal, implantamos o nosso projeto de extensão com onze bolsistas de diferentes áreas, para atender as hortas comunitárias de Maringá, até então cinco unidades”, conta Michellon.

Filho de agricultores familiares, ‘nascido na roça com parteira’, Michellon sempre foi interessado e um apaixonado pelas coisas da terra. Da faculdade em Agronomia na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), passando pela chefia do Departamento de Economia Rural, da Secretaria do Estado de Abastecimento (DERAL/Maringá), até ser efetivado como professor da UEM, no começo de 1990, foram vários anos de dedicação aos estudos,, sempre no caminho do que, à época, chamavam de ‘agricultura alternativa’ para se referir a uma produção sem contaminantes.
“Nesse meio de campo, os movimentos ambientalistas estavam crescendo e o nome agricultura alternativa acabou ficando, hoje em dia, mais capitaneado pela palavra agroecologia ou agricultura orgânica ou ecológica. Desde então, minha vida na disciplina Extensão Rural tem sido dedicada a promover o desenvolvimento sustentável ensinando meus alunos a prepararem os agricultores para essa virada de consciência”, reflete.
Por sua contribuição e luta para desmistificar e consolidar os orgânicos como alternativa sustentável do ponto de vista econômico, ambiental e sociológico, Ednaldo Michellon recebeu, em junho deste ano, o Título de Cidadão Benemérito de Maringá.
“É uma recompensa muito grande pelo trabalho em ensino, pesquisa e extensão, principalmente, a extensão rural, sempre envolvido com algum tipo de desenvolvimento, sobretudo o desenvolvimento sustentável”, comemorou o professor, na solenidade realizada na Câmara Municipal de Maringá.
Daquele começo com cinco hortas comunitárias, hoje, são 42 unidades, só em Maringá. Graças à parceria com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a SETI, o grupo vai conseguiu retomar o trabalho para acompanhar com ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) mais 10, em Sarandi, uma em Marialva e colabora com uma em Paiçandu, municípios da Região Metropolitana de Maringá.

A estimativa é que o programa de hortas comunitárias atinja diretamente, nos dias de hoje, 1.500 famílias e, no total, 20 mil pessoas, se somarmos quem vai comprar a produção diretamente nas unidades. “Esses números são gigantescos, se você levar em consideração que 90% dos municípios paranaense têm menos de 20 mil habitantes”, ressalta.
Para entender como funciona o programa de hortas comunitárias de Maringá, o Conexão Ciência publicou, em 2023, uma matéria sobre os benefícios para as famílias que plantam e consomem os produtos orgânicos cultivados com apoio do CerAUP.
Juventude na roça
Antônio Felipe Cardoso Florio tem 25 anos e é filho da Dona Rosa, uma agricultora familiar que, atualmente, vive em Sarandi, cidade colada à Maringá, região Noroeste do Paraná. A família sempre viveu na área rural, mas optou por vir para uma cidade maior para garantir educação para os três filhos.
“Quando a gente cresceu, ela quis voltar para o sítio e eu acompanhei. Já tinha 18 anos, trabalhava na construção civil, mas, nos finais de semana, ia lá ajudar na lida. Peguei gosto e deixei tudo de lado, inclusive a faculdade de Educação Física”, conta.
Na contramão da juventude conectada, Antonio está focado na produção orgânica e na paz que a vida simples na terra lhe proporciona. “Meus amigos falaram que eu era louco, mas no meu pensamento eu já tenho tudo o que preciso para viver bem, produzindo sem agredir o meio ambiente e ganhando meu sustento de forma natural”, reforça o produtor.
Há seis anos, Dona Rosa e Antônio procuraram a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), de Sarandi, para iniciar o processo de certificação para produção e comercialização de produtos orgânicos.
“Era um sonho da minha mãe voltar a produzir como antigamente, sem veneno. Conversamos com o engenheiro e ele nos orientou a realizar modificações e fomos certificados”, relembra. Com a ajuda da mãe e da sobrinha Jenny, os três fazem parte do grupo que todos os domingos vende seus produtos na Feira de Produtores Orgânicos de Maringá, que existe desde 2016 e reúne, atualmente, de 15 a 20 produtores por domingo.
Filiado à Associação de Produtores Rurais de Maringá (POMAR), Antônio está conversando constantemente com outros produtores e já pensa em dar novos passos na produção. “Meu plano é ter uma agrofloresta, num espaço maior, para viabilizar uma safra. Ainda estou conversando com as pessoas e estudando sobre o assunto para seguir nesse campo dos orgânicos”, completa.
Mercado de orgânicos
Pesquisas desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) apontam que, na década passada (2011 a 2020), as vendas de produtos orgânicos no varejo aumentaram à média de 11%, entre 2000 e 2017. Isso demonstra o dinamismo dessa atividade em todo o mundo. Nesse mesmo período, a área dedicada a esse tipo de cultivo cresceu a uma média anual de 10% no planeta.
O Brasil situava-se em 12º lugar entre os 20 países com as maiores áreas de produção orgânica, em 2017. É o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com mais de 27 mil toneladas anuais, lidera a produção mundial de açúcar orgânico e é o país com mais colmeias, em torno de aproximadamente 900 mil. Na década atual, as estimativas apontam para um crescimento em torno de 20% no país, segundo o Ipea.
Com o programa Paraná Mais Orgânico vigente há 16 anos, mais agricultores familiares puderam ter a certificação e entrar no mercado que ainda é dominado pelos alimentos convencionais. Com certeza, é um negócio em expansão à medida que os preços diminuem e a qualidade aumenta, tornando-se uma alternativa viável para o consumidor em termos econômicos e que trazem vários benefícios para a saúde, além de serem sustentáveis para o planeta.
“O produto orgânico em si, além de ser um produto mais duradouro em questão de conservação dentro da própria casa da pessoa, é um remédio nos dias atuais. Todo o alimento é remédio e, sendo orgânico, passa a ser o remédio 100%”, afirma Gelmo Eduardo Volpato, que foi certificado como produtor orgânico há oito anos e é feirante há cinco, em Maringá. Neste contexto, ele é taxativo em relação aos benefícios: “quem consome orgânico, vai menos ao hospital e toma menos remédio”.
Com a experiência de quem planta e colhe há 40 anos, uma prática que começou como um passatempo, Gelmo faz questão de explicar que, como tudo na vida, este segmento requer muita dedicação.
“A questão dos orgânicos é uma questão de perseverança, tem que ter amor no que você está fazendo, ter uma opção de vida diferente dos demais. E, para nós, é gratificante saber que, cresce, a cada ano, o consumo de orgânicos. Isto mostra que as pessoas estão vendo essa diferença que tem do produto convencional para o produto orgânico”, complementa.
Num típico negócio familiar, Gelmo e a esposa Rosy Lady vivem o dia a dia do cultivo na área e o filho Bruno Rafael ajuda, aos domingos, nas atividades da feira. Nos últimos anos, a marca Recanto das Águas ganhou novos produtos como geleias e diversos alimentos higienizados e já preparados para o consumo, facilitando a vida de quem trabalha e não tem muito tempo, mas prefere os orgânicos.
“Conseguimos gerar mais renda ao agregar novos produtos de qualidade e praticidade. E mais: como são orgânicos, duram mais que os convencionais na geladeira. Pode comprar e testar”, garante Gelmo.
Certificação em números
O caminho percorrido por Antônio e Gelmo para a produção orgânica é o mesmo que outros agricultores familiares certificados já trilharam. Os números de 2024 ainda estão sendo consolidados, mas, pela performance do programa em 2023, espera-se um resultado positivo e próximo ao do ano passado.

Há três modalidades de Certificação: por Auditoria, foram 249 certificações no Paraná Mais Orgânico com 572 agricultores; a Participativa, um coletivo onde o agricultor acompanha outra propriedade com assessoria do programa, totalizou 211 autorizações para produção orgânica a 484 agricultores; e Declaração de Organização de Controle Social (OCS), que é um sistema de produção mais simples para vender no local, em que o agricultor pode vender local, foram 6 certificações a 28 agricultores. No total, o número de acreditações, em 2023, chegou a 466 propriedades e 1.084 agricultores.
Além das certificações, o programa ainda prevê atividades como visita a propriedades, reuniões com agricultores, apoio e acompanhamento à comercialização. Foram mais de 6 mil ações, em 2023, com a parceria das universidades estaduais, mais o Instituto de Desenvolvimento Rural, de Ivaiporã, e o CPRA, de Curitiba. Só de visitas técnicas foram mais de 2 mil, segundo a coordenação do programa.
Para arrematar, o professor Ednaldo Michellon faz questão de enfatizar que, para além dos números, há outro aspecto importante a ser considerado.
“Não devemos nos ater aos números, tão somente. É preciso entender que, atrás de cada indicador, há uma sinergia gerada pelo programa ‘através’ da Assistência Técnica e Extensão Rural, desde a presença na propriedade, da conversa e da confiança entre as partes para mudar o modo de produção e de vida das pessoas. É disso que é feito o Paraná Mais Orgânico e é assim que eu vivo”, finaliza.
Nós do Conexão Ciência queremos saber: que tal mudar seu estilo de vida em 2025 e consumir mais orgânicos?
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Silvia Calciolari
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Guille Cordeiro
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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