Os 60 anos são os novos… 60, 70, 80, 90, 100+

Censo 2022 mostrou que estamos vivendo mais e a turma da Universidade Aberta à Terceira Idade quer conquistar tudo o que é seu por direito

Nesta semana, o Conexão Ciência – C² traz duas notícias que podem impactar o futuro de muita gente. 

Como reza a lenda, primeiro, a gente dá a boa.

Que tal entrar numa universidade livre do vestibular, sem ter que comprovar escolaridade e nem pagar mensalidade? Você tem um sonho de aprender inglês sem ter que fazer prova? Ou Filosofia, Química, sapateado, flauta? Quer aprender a mexer no Photoshop? Acredite, tudo isso e muito mais é possível e está mais próximo do que você imagina.

Agora vamos a outra notícia, que é melhor ainda.

Para quem já completou ou tem mais de 60 anos, essa é a oportunidade de investir seu tempo e energia num novo projeto de vida. É preciso apenas acreditar na premissa básica que devemos nos preparar para um envelhecimento saudável, cercado de muito conhecimento e em um espaço onde o coletivo é prioridade.

Estamos tratando da Universidade Aberta para a Terceira Idade – Unati, implantada de forma pioneira em 2010, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), e que reúne docentes e técnicos da própria instituição na condução de cursos das mais variadas áreas do conhecimento. A proposta é estimular a saúde mental e corporal de todos os envolvidos, promovendo a longevidade e a conscientização política de pessoas com mais de 60 anos. Logo, a finalidade de sua existência é estimular e promover o espírito de cidadania, de dignidade e de responsabilidade entre todos os participantes.

Estudantes da Unati/UEM participam das comemorações dos 76 anos de Maringá (Foto/Unati/UEM)

A educação é um dos quatro pilares do envelhecimento ativo, ao lado da saúde, segurança e participação, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), em relatório divulgado em 2002. Para a organização, a ideia central é pensar o envelhecimento como uma questão coletiva e não individual, indicando que as sociedades devem se estruturar para atender às pessoas para que possam viver mais e melhor.

Desde 2019, a Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU) vem alertando para um crescente envelhecimento da população mundial. No Brasil, a recente divulgação do Censo 2022 chamou atenção para um aceleramento da taxa do envelhecimento da população acima da mundial. São diversos os fatores que interferem, mas esse cenário se deve muito em função da relação entre a queda da taxa de fecundidade e o fato de as pessoas estarem vivendo mais. 

As estimativas apontam que a população brasileira, já em 2030, terá cerca de 30% de idosos com mais de 60 anos. Considerando os idosos na categoria 65 anos e mais, passará a ter uma estrutura envelhecida, em 2038. E o mais impressionante é que, considerando as pessoas da ‘quarta idade’, ou seja, com mais de 80 anos, o índice de envelhecimento global ultrapassará 100, no ano de 2077, quando o Brasil terá mais idosos de 80 anos e representará uma população maior do que jovens de 0 a 14 anos. A mesma divisão da ONU prevê que, em 2050, o Brasil deverá estar preparado para atender cerca de 90 milhões de idosos.

E é aí que reside um grande e iminente problema.

“É preciso comemorar o fato de que a expectativa de vida está aumentando e estamos vivendo mais. O problema está em como vamos atender essas pessoas, que chegam aos 60, 65, 70 anos ativas e com muito a oferecer à sociedade”. Esta questão perturbadora é colocada pela coordenadora pedagógica na Unati/UEM, a professora de Filosofia Patrícia Coradim Sita, para quem esse problema ainda não recebeu a devida atenção das autoridades e gestores públicos.

Patrícia pondera que é preciso, desde já, começar a elaborar diretrizes e implantar políticas que consolidem redes de acolhimento e fortalecimento dos direitos das pessoas com mais de 60 anos, sob pena de termos milhares de pessoas adoecidas.

Motivos para frequentar a Unati

O que fazer para evitar que uma parcela significativa da sociedade possa estar integrada nos equipamentos públicos? 

Dos mil motivos que podemos argumentar para os idosos ingressarem na Unati/UEM, listamos apenas três que servem para demonstrar a importância das atividades elaboradas e desenvolvidas pelos professores. O primeiro de todos é a socialização. 

“A rotina de muitas pessoas que chegam à terceira idade é o isolamento. A nossa proposta é ir além da visão acadêmica da universidade, gerando um ambiente que permita pessoas das mais diversas origens e histórias se encontrem e troquem experiências”, explica a professora Patrícia. 

Outro motivo é a oportunidade de se reconhecer em novos papéis. “Alguns alunos nossos chegam sem ter noção dos seus direitos como cidadãos da terceira idade e podemos ajudá-los a encontrar uma nova perspectiva a partir de um curso teórico, uma atividade prática, através de uma rede de acolhimento”, ressalta a coordenadora.

Já o terceiro motivo, o mais importante deles, é o fato de que na Unati, o idoso adquire novos conhecimentos e expande sua capacidade de entendimento de si e do mundo. “Assim como temos uma pedagogia para adultos, a Andragogia, já se começa a esboçar uma pedagogia que oriente e facilite o aprendizado para as pessoas 60 ou mais, como acontece com crianças e jovens”, informa Patrícia.

A professora de Filosofia Patrícia Coradim Sita é coordenadora pedagógica da Unati/UEM (Foto/Bruna Mendonça)

“Nosso objetivo sempre foi, e será, fazer aflorar o desejo de pertencer ao mundo que o cerca, transformando o idoso, na medida do possível, em protagonista da sua própria história futura”, acrescenta a professora. 

Vale ressaltar que a Unati/UEM é um projeto de ensino, pesquisa e extensão, um exemplo para outras universidades estaduais que também possuem a mesma iniciativa e atendem centenas de pessoas com mais de 60 anos em suas regiões. São elas: Unicentro, Unioeste, UEL, UEPG e Unespar

Tinha uma Unati no meio do caminho

Ana Abrunhosa, 68 anos, é natural de Angola e chegou ao Brasil em 1975. Depois de uma breve passagem pelo Rio de Janeiro, veio para o interior do Paraná e fixou residência em Maringá. Naturalizada brasileira, participa da Unati/UEM desde os primórdios.

“Comecei na Unati em 2010, quando ainda aceitavam pessoas com mais de 55 anos. Já passei por diversos cursos e, nestes 13 anos, mesmo na pandemia, tenho me mantido vinculada como estratégia para sempre adquirir aprendizados. Sou uma unatiana com muito orgulho”, enfatiza a mulher, que já foi professora de francês, atleta e que, hoje, se dedica de corpo e alma ao Photoshop.

Ana Abrunhosa está na Unati/UEM desde 2010 e continua frequentando cursos de seu interesse (Foto/Bruna Mendonça)

No início, depois de frequentar cursos sobre Anatomia, Nutrição e até sobre cuidados de idosos, tudo para ajudar no dia a dia com a própria mãe idosa e enferma, Ana foi atraída para a Fotografia e de lá para o Photoshop, uma ferramenta de tratamento de imagens. 

Primeiro foi um hobby, agora é sério. “Hoje eu consigo recuperar e colorir fotografias antigas e, de quebra, adquiri uma forma de remuneração a partir de uma aptidão que descobri na Unati. É fantástico!”

Agitadora e sempre disposta a participar das lutas que envolvam pessoas de diversas personalidades em defesa da causa dos idosos, Ana Abrunhosa afirma que não quer morrer antes de deixar a sua marca por onde passa. 

“Abrimos um concurso para a letra do nosso hino e vários unatianos concorreram, pois eu sempre sonhei com uma música feita pelos próprios alunos. E uma aluna, recém-chegada à Unati, ganhou e eu fiquei muito feliz”, conta. 

E ficou tudo lindo: letra, arranjo e vocal. Confira aqui.

Para Ana, a Unati não é o absurdo que costumam propagar, como ‘um armazém de idosos, um peso para a sociedade’.  “Aqui estamos conectados, ativos, sempre conscientes do nosso potencial e na busca da valorização do idoso”, afirma, ao rebater o preconceito que ainda sobrevive nas estruturas sociais.

“Há muito que fazer. E temos pressa”.

Quando se pensa e falamos sobre envelhecimento, a questão do tempo aflora. ‘Por que querer mudar uma situação ou enfrentar preconceitos, quando não se vai desfrutar de nenhuma conquista?’ 

Graças à resiliência de muitas e muitos, o correto é pensar: ‘Por que não lutar?’ 

Mario Toshio Yatsugafu, 76 anos, é uma daquelas pessoas que não se dobram às adversidades. Formado em História (1973) e Direito (1992), pela UEM, ele volta às cadeiras da universidade na Unati, segundo ele, “movido pelo interesse em ampliar e adquirir novos conhecimentos”. 

Obstinado e movido pelas Ciências Humanas, tornou-se unatiano atraído pela Filosofia e disposto a interagir com outras pessoas. Na época, já frequentava o Conselho Municipal dos Direitos do Idoso (CMDI) de Maringá e foi lá que soube da existência de uma porta para as pessoas com mais de 60 anos na sua universidade de origem. Hoje, junto com a mulher, Takeo, frequenta aulas de Inglês e tem consciência de que nunca é tarde para adquirir novas habilidades.

Mario Toshio Yatsugafu voltou à universidade em busca de novos (Foto/Bruna Mendonça)

Embora seja um iniciante na nova língua, Mário tem vasta experiência na luta pela valorização do idoso e contra o preconceito. Há oito está como presidente do CMDI e conhece os pormenores dessa batalha. 

“É comum na sociedade somente vermos os idosos quando há casos de violência. Mas precisamos agir na prevenção desses casos, junto aos órgãos públicos e, principalmente, no contexto da família”, argumenta Mário. 

Segundo ele, mais de 75% dos idosos brasileiros recebem o Benefício de Prestação Continuada, da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC -Loas). Destes, 51% sofrem violência familiar por não conhecerem seus direitos e estão completamente desprotegidos.

“A prevenção está num diálogo intergeracional, em que pais, filhos e netos possam entender que todos merecem ter uma vida digna, sem exploração e violência”, acredita. As estimativas apontam que Maringá, cidade com 409 mil habitantes, segundo o Censo 2022, possui uma população de aproximadamente 88 mil idosos.

Mas como promover essa mudança permeada de empatia, respeito e cidadania? Através da Educação.

“O trabalho da Unati na propagação dos direitos dos idosos é maravilhoso e muito importante, tanto que temos uma parceria com o Conselho e estamos organizando outras futuras. Mas o principal é fazermos ampla divulgação deste projeto para a sociedade em geral, pois temos pressa em mudar essa situação”, alerta Mario Yatsugafu.

Para isso é preciso conhecer o perfil das pessoas com 60 anos ou mais para a elaboração de políticas públicas que promovam o acolhimento e o fortalecimento da rede de apoio. “Assim como já acontece na Saúde, temos que conhecer as aspirações e anseios para orientar os idosos em seus direitos e como usufruí-los”, completa o unatiano.

Nunca é tarde para sonhar

Como vimos acima, as estimativas apontam que os idosos devem representar quase 1/3 da população geral. E, desde já, há alertas para que as cidades se preparem para atender, bem como o mercado de trabalho. 

“Não é utopia pensar que, em um curto tempo, seremos protagonistas da nossa própria história, porque, juntos, podemos fazer muitas transformações. Eu não tenho dúvidas sobre isso”, garante Mário, que já lança um desafio: “Precisamos de uma Secretaria Municipal do Idoso para gerenciar as demandas e preparar a cidade, seja em equipamentos públicos, seja em garantia de direitos”.

Portanto, se você está prestes a completar ou já tem 60 anos, ou convive e conhece alguém, está chegando a hora de colaborar para construir uma nova realidade para esta parcela significativa da sociedade. E as Unatis espalhadas pelas universidades estaduais estão de portas abertas para ajudar nessa empreitada. 

Que tal, como Ana e Mário, deixar a sua marca nesse futuro com educação, saúde, segurança e participação social que todos podemos alcançar?

Vamos juntos fazer acontecer os novos 60?

Para saber como funcionam as Universidades Abertas da Terceira Idade, o C² preparou a série Conexão Unati, podcast que contou com a participação de coordenadores de diversas universidades estaduais. Confira!

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Texto: Silvia Calciolari
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Leonardo Rasmussen
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: