Maria Gelir cresceu com o cheiro do leite fresco misturado ao calor da cozinha. Na infância, o ofício do queijo não era apenas um trabalho, mas um elo entre gerações. Aprendeu com a mãe, repetindo seus gestos pacientes, moldando a massa branca com as mãos firmes e dedicadas. Mas o que era tradição tornou-se também profissão, e Maria decidiu ir além. Buscou conhecimento, aprimorou técnicas, lapidou sua arte. Hoje, à frente da Queijaria Vila Belli, em Toledo, seus queijos atravessam fronteiras e são reconhecidos mundialmente, frutos de uma paixão que se transformou em sustento e orgulho.

Já Cirlei encontrou no queijo um caminho para resgatar suas memórias mais doces. Dona da Queijaria Átani, também em Toledo, cada pedaço produzido carrega um pedacinho de sua história. O aroma do porão de sua avó, onde os queijos repousavam em maturidade silenciosa, ainda vive em sua lembrança. O legado que constrói hoje é um tributo à infância, ao amor incondicional que envolve sua família.

Para Márcia Terezinha, a jornada do queijo começou por necessidade — o leite, por si só, parecia insuficiente, era preciso agregar valor, transformar, reinventar. Foi assim que ela mergulhou no mundo dos queijos finos e, logo no primeiro ano de produção, recebeu uma medalha, um símbolo de reconhecimento que acendeu em seu coração o desejo de aprender mais, de aperfeiçoar-se. No Biopark Educação, assim como Maria Gelir e Cirlei, encontrou apoio para expandir seus conhecimentos e seu negócio, mas o queijo lhe trouxe algo ainda mais valioso: reuniu sua família, na Ludwig Queijaria, em Cascavel. Seus filhos voltaram para perto e, juntos, deram forma a um sonho compartilhado.
Três mulheres, três histórias e um mesmo elo: o queijo. Mas o caminho para a excelência não foi trilhado sozinho. A gerente de PD&I do Biopark Educação, Carolina Trombini, explica que o Projeto de Queijos Finos do Biopark estrutura a transferência de tecnologia de maneira individualizada, considerando a realidade de cada produtor. “O processo abrange etapas, como análises da qualidade do leite e da água, orientações sobre adequações necessárias na queijaria e apoio técnico para as documentações regulatórias”, detalha Carolina. Além disso, há um cuidado especial na escolha da tecnologia de queijo fino que melhor se adapta à composição do leite de cada produtor, mas a jornada não acaba por aqui.

O Projeto de Queijos Finos do Biopark
A equipe do Biopark Educação acompanha a produção dos três primeiros lotes, garantindo que os produtores se sintam seguros para replicar o processo de forma autônoma. “Nosso suporte contínuo assegura que as melhores práticas sejam seguidas e que os padrões de qualidade se mantenham”, afirma Carolina. Cada lote passa por análise laboratorial no Biopark, e os queijos que atendem aos rigorosos critérios recebem o Selo de Excelência do Biopark, um diferencial valioso no mercado.
Para participar do projeto, os produtores precisam estar na região Oeste do Paraná e demonstrar interesse em agregar valor ao leite de suas propriedades. “O compromisso com a execução do plano de ação desenvolvido em conjunto é essencial”, ressalta Carolina. Além disso, é necessário ter ou viabilizar a infraestrutura necessária para a produção de queijos finos. Embora o suporte técnico seja oferecido em todas as etapas, o sucesso do projeto depende do engajamento e da dedicação de cada produtor.

Os produtores que fazem parte do projeto vêm, em sua maioria, da agricultura familiar. Muitos nunca haviam fabricado queijos para comercialização antes de ingressarem no programa, encontrando na iniciativa uma oportunidade de diversificação econômica. “Esse modelo de negócios requer um menor investimento inicial e permite que os produtores agreguem valor ao leite que já produzem. Alguns, depois de adquirirem experiência, ampliam suas agroindústrias e passam a transformar toda a produção de leite em queijo”, destaca Carolina.
Essa evolução trouxe impactos que vão além das queijarias: famílias foram reunidas, filhos que estavam longe retornaram para ajudar no negócio da família, e comunidades inteiras se beneficiaram com o crescimento econômico impulsionado pelo projeto.
Reconhecimento mundial
O Paraná, historicamente forte na pecuária leiteira, tem assistido a uma revolução na produção de queijos finos. “Somos o segundo maior produtor de leite do Brasil, com mais de 12 milhões de litros por dia. O leite daqui tem uma qualidade excepcional, ideal para queijos finos, mas até 2020 poucos pequenos e médios produtores tinham condições de estruturar suas queijarias”, explica Carolina. Para ela, a regulamentação do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (SUSAF) foi um divisor de águas, permitindo que pequenas agroindústrias certificassem seus produtos e os comercializassem em todo o estado.
Desde então, a produção de queijos finos no Paraná deu um salto, impulsionada pelo Biopark. Em pouco tempo, o projeto agregou 23 produtores, desenvolveu 26 tipos de queijo e conquistou 46 medalhas em concursos nacionais e internacionais. Entre os destaques, o queijo Passionata, que figura entre os nove melhores do mundo e o melhor da América Latina, segundo a World Cheese Awards. Também produzidos no parque tecnológico, o queijo Láurea foi contemplado com uma medalha de prata e o queijo Entardecer d’Oeste, com um bronze.

O reconhecimento internacional do Passionata colocou o Biopark e o Brasil no mapa da alta queijaria mundial, evidenciando o potencial criativo do Oeste paranaense. Para Carolina, essa premiação foi uma validação do trabalho desenvolvido nos últimos anos: “Conquistar essa premiação inédita para nosso país foi muito além do que esperávamos. Sabíamos da qualidade e diferenciação do que desenvolvemos, mas competir em um cenário internacional e sermos selecionados entre os quatorze melhores queijos do mundo foi surpreendente. Esse reconhecimento destaca o vasto potencial criativo da região e, por extensão, do Brasil, na produção de queijos finos.
Para o pesquisador de PD&I do Biopark Educação, Kennidy Bortoli, a experiência de participar do World Cheese Awards foi incrível: “estar presente na premiação e vivenciar esse reconhecimento de perto tornou tudo ainda mais especial. Esse prêmio reafirma a eficácia dos altos padrões de qualidade aplicados em nosso laboratório e confirma que estamos no caminho certo para a excelência na produção de queijos finos”, relata.

Os queijos autorais
A inovação sensorial e a conexão com a comunidade local fazem parte do desenvolvimento desses queijos autorais. O desenvolvimento do Passionata teve início a partir de uma demanda do concurso de Melhor Queijeiro do Brasil, que exigia a criação de um queijo único, capaz de expressar características tipicamente brasileiras, tanto em sabor quanto em aparência.
A infusão de maracujá é a grande responsável pela identidade sensorial do Passionata, trazendo um equilíbrio entre a acidez e o dulçor1 da fruta, que se revela gradativamente no paladar. Já a textura do queijo não depende apenas da infusão, mas é resultado do cuidadoso uso de cepas selecionadas e de um processo produtivo específico, que garantem a consistência e a estrutura ideais para que o sabor seja liberado de forma controlada e surpreendente.
Kennidy diz que um dos pesquisadores do laboratório do Biopark iniciou os testes em casa, explorando combinações de cores e aromas inspiradas na diversidade do país. “Após obter um resultado promissor, ele levou o desenvolvimento para o laboratório, onde a equipe aprimorou o produto, refinando suas características visuais e sensoriais até chegar à versão final”, completa.

O Passionata foi concebido para surpreender os sentidos. “Inicialmente, apresenta-se como um queijo sofisticado e equilibrado, mas, em poucos segundos, inunda o paladar com um marcante sabor de maracujá, graças a uma liberação controlada de seus aromas e compostos. Essa característica faz do Passionata uma verdadeira experiência sensorial, estimulando visão, paladar e textura de maneira inesperada e envolvente”, Kennidy destaca.
Os outros dois queijos que também foram destaque na premiação seguem os mesmos princípios. O Láurea foi criado para ser memorável, marcante e versátil, ideal para diversas aplicações gastronômicas. Sua textura expressiva e seus aromas intensos se destacam ao entrar em contato com o paladar, proporcionando uma experiência sensorial única.
Já o Entardecer d’Oeste é uma homenagem ao pôr do sol da região onde foi desenvolvido, especialmente no inverno, quando o céu adquire tons avermelhados vibrantes. Seu visual é notavelmente distinto, apresentando raios de coloração laranja intensa que transmitem uma sensação acolhedora. Além disso, sua formulação inclui uma especiaria que remete ao sabor de carne maturada, proporcionando profundidade tanto no paladar quanto na aparência.

Negócios promissores
O diretor de PD&I do Biopark Educação, Tiago Mendes, enfatiza o impacto do prêmio para a cadeia produtiva do queijo no Brasil: “Esse reconhecimento internacional é uma validação da excelência e dos impactos positivos do projeto. A combinação da pesquisa científica com a valorização da matéria-prima regional resultou em uma tecnologia inovadora que superou décadas de desenvolvimento em um tempo muito curto”.
Tiago destaca o apoio essencial do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), que auxilia na identificação e capacitação de novos produtores. Além disso, entidades como o Sebrae/PR e o Sistema Faep/Senar oferecem suporte na estruturação dos negócios. “Durante o último Show Rural Copavel, o Governo do Estado do Paraná demonstrou interesse em expandir o projeto para outras regiões, motivado pelos resultados positivos já alcançados”, comenta. Segundo Tiago, essa ampliação está em fase de negociação para garantir que a qualidade e a eficiência do projeto sejam mantidas.

Com o reconhecimento nacional e internacional, a exportação dos queijos finos do Biopark surge como um objetivo de longo prazo. No Brasil, a comercialização exige certificações rigorosas, desde o Sistema de Inspeção Municipal de Produtos de Origem Animal (SIM/POA) até certificações estaduais (SUSAF) e nacionais (SISBI). “A maioria dos produtores do projeto já possui certificações no SIM/POA e no SUSAF”, explica Carolina Trombini. “Além disso, um deles obteve recentemente aprovação no Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI), o que representa um grande avanço.”
Para alcançar o mercado internacional, no entanto, é necessário obter o Serviço de Inspeção Federal (SIF), um desafio que demanda tempo e investimentos. “É um caminho longo a ser percorrido, mas já faz parte do nosso horizonte de futuras conquistas”, afirma Carolina. Enquanto isso, os produtores seguem fortalecendo sua presença em competições e conquistando prêmios, elevando a reputação do queijo fino do Oeste paranaense.
Enquanto isso, os produtores seguem fortalecendo sua presença em competições e conquistando prêmios, elevando a reputação do queijo fino no estado. Cada medalha obtida reafirma o potencial da região e abre novas portas para o futuro do setor. Com um caminho promissor pela frente, o Biopark segue impulsionando uma revolução na queijaria artesanal, unindo produtores e provando que a tradição pode se reinventar sem perder a paixão por queijos.
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Texto: Guilherme de Souza Oliveira
Revisão de texto: Silvia Calciolari
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de Arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Nascimento
Glossário
- Dulçor – sabor adocicado; doçura. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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