O Paraná abriga uma grande diversidade de ecossistemas, desde as florestas subtropicais da Mata Atlântica até os campos naturais e áreas de transição para o Cerrado. Esses ambientes são essenciais para a manutenção da biodiversidade, o equilíbrio climático e a qualidade de vida da população. No entanto, desafios como o desmatamento, a urbanização acelerada e as mudanças climáticas exigem estratégias baseadas em ciência para garantir a conservação dessas paisagens.
Diante dessa necessidade, surge o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) em Biodiversidade, uma iniciativa que reúne especialistas de diferentes áreas para aprofundar o conhecimento sobre os ecossistemas do estado e propor soluções para sua proteção e recuperação. O projeto é composto por três frentes de estudo interligadas:
NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia – investiga materiais genéticos e suas aplicações na conservação e no desenvolvimento sustentável.
NAPI Biodiversidade: Serviços Ecossistêmicos – estuda os benefícios que os ecossistemas oferecem, como regulação do clima, qualidade da água e suporte à agricultura.
NAPI Biodiversidade: RESTORE – focado na restauração de áreas degradadas e na recuperação de habitats naturais.
Além da produção científica, o projeto busca a valorização da biodiversidade, incentivando práticas de conservação e restauração ecológica. A cooperação entre pesquisadores e instituições fortalece o compromisso com a sustentabilidade e abre caminho para soluções inovadoras, que garantam um futuro mais equilibrado para o meio ambiente paranaense.
NAPI RESTORE – O futuro é logo ali!
Inovação e tecnologias são parceiras no processo de reflorestamento e restauração de áreas degradadas, é assim que surge o NAPI RESTORE, com o objetivo de desenvolver soluções que favoreçam a restauração e conservação dessas áreas.
O RESTORE se organiza em torno de pesquisas na modificação de sementes de espécies que ocorrem na Mata Atlântica, considerada uma das áreas mais ricas em biodiversidade do mundo. No entanto, a ocupação desse bioma brasileiro e exploração intensiva e desordenada da floresta resultou em sua devastação. Hoje, restam aproximadamente 29% da sua cobertura original.
A modificação dessas sementes visa, sobretudo, o reflorestamento apesar das mudanças climáticas, tornando-as resistentes a climas extremos. “Qualquer reflorestamento é uma estratégia para mitigação das mudanças climáticas”, afirma o professor doutor em Fisiologia Vegetal, da Universidade Estadual de Londrina, Halley Caixeta. Aliás, ele é pós doutor na área, pela Universidade Estadual de Campinas, articulador do NAPI Biodiversidade e coordenador do NAPI RESTORE.

Este Arranjo pode ser intitulado como o “irmão mais velho”, pois é o primeiro a compor o grande guarda-chuva da Biodiversidade, completando, este ano, 4 anos de atuação. No decorrer desse período, o NAPI buscou entender o desenvolvimento de espécies em um ambiente hostil, a fim de criar soluções para que essas espécies se tornem resistentes e se desenvolvam apesar de eventos climáticos extremos, como estiagem e seca.
“A ideia é pensar soluções a partir da própria natureza, pensando no reflorestamento, para que as mudas cresçam melhor, acumulem mais carbono e aguentem mais a seca”, explica o professor Halley.
Ainda que as tecnologias desenvolvidas pelo RESTORE estejam na fase de teste e o processo para sua validação seja longo, os resultados obtidos até o momento são promissores. Uma das soluções em experimentação se trata de uma nanopartícula gerada a partir da quitosana, um biopolímero em abundância na natureza, com o propósito de entregar um produto capaz de potencializar o crescimento de mudas e torná-las resistentes em meio à seca. Até o momento, a Mata Atlântica apresenta respostas positivas ao incremento do biopolímero, aumentando as expectativas no que tange à conservação do bioma.
O projeto também tem o objetivo de fazer chegar à comunidade os avanços obtidos. Neste sentido,ainda este ano, o NAPI vai organizar um evento com viveiros de espécies arbóreas nativas. O objetivo é experimentar a nano e outras tecnologias desenvolvidas no projeto, e, dessa forma, conferir a viabilidade de sua utilização em larga escala.
Cabe destacar que as tecnologias desenvolvidas pelo Arranjo são produzidas a partir da própria natureza. Trata-se de produtos naturais e biodegradáveis que favorecem a restauração e conservação. Afinal, essa é a essência do RESTORE, marcada em seu nome, cujo acrônimo significa “natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation”, ou seja, “soluções baseadas na natureza para melhorar o reflorestamento”.
Caixeta reforça que o projeto tem atuado em diversas regiões do Paraná, sempre com cooperação de outras instituições, ampliando e difundindo os conhecimentos entre vários pesquisadores do Paraná.
O professor também foi responsável por viabilizar a parceria com pesquisadores australianos. Organizou a primeira missão no Estado, em abril de 2024. Representantes da Universidade de Licungo (Moçambique), do Botanic Gardens of Sydney, da Macquarie University, do Hawkesbury Institute for the Environment e do RNA Institute (Austrália) participaram da iniciativa, explorando áreas naturais e estabelecendo conexões com grupos de pesquisa de instituições paranaenses.
Cooperação internacional à vista!
Em dezembro de 2024, os pesquisadores alemães Cornelia Sattler e Julian Schrader, que atuam na Macquarie University, na Austrália, voltaram ao Paraná para fortalecer a parceria com as instituições locais.
O doutor Julian Schrader é ecologista vegetal e professor na Universidade de Macquarie, com expertise em ecologia funcional de plantas, biogeografia e conservação da biodiversidade. A pesquisa atual dele investiga como as espécies se renovam e se deslocam ao longo do tempo e do espaço em resposta às mudanças globais. Para isso, utiliza um novo conjunto de dados sobre a distribuição de espécies em ilhas australianas, buscando compreender os impactos ambientais nesses ecossistemas.

A doutora Cornelia Sattler é comunicadora científica e cinegrafista, com formação em agroecologia e Manejo Integrado de Pragas (MIP). Atualmente, trabalha como pesquisadora e cinegrafista na Universidade de Macquarie, onde colabora com apicultores para entender os desafios relacionados ao uso de tecnologias de sensores em colmeias e à gestão do ácaro varroa. Além disso, Cornelia apoia pesquisadores ao promover divulgação de seus trabalhos por meio do canal do YouTube, EcolClips, impulsionando a comunicação científica de forma acessível e engajante. Inclusive, durante a expedição, Cornelia e Julian gravaram quatro vídeos com os pesquisadores da Biodiversidade.

A viagem teve um significado especial para Cornelia, já que foi sua primeira vez no Brasil. Durante a estadia, ambos ampliaram a colaboração com os grupos de pesquisa paranaenses e conheceram pontos de biodiversidade não explorados na última expedição.
O roteiro foi elaborado pelo professor Halley em parceria com pesquisadores da UFPR. Os australianos iniciaram a viagem em Curitiba e seguiram para Ponta Grossa, onde visitaram o Parque Estadual de Vila Velha.
Em Tibagi, exploraram o Parque Estadual do Guartelá, conhecido por sua diversidade de vegetação.
Na sequência, passaram por Ortigueira, onde conheceram uma produção de mel, e seguiram para áreas de grande interesse ecológico, como o Morro da Pedra Branca. Depois, foram ao Campo das Pedras, no distrito de Lerroville.
O percurso terminou com visitas ao Parque Estadual Mata dos Godoy e ao Parque Municipal Arthur Thomas, em Londrina, o que proporcionou uma visão ampla dos diferentes ecossistemas do Paraná.
Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck) Trilha no Parque Estadual Mata dos Godoy (Foto/Sabrina Heck)
Gostou do conteúdo e quer ficar por dentro de tudo? O C² preparou um mini doc sobre a expedição dos pesquisadores ao Brasil. Vem conhecer com a gente cada detalhe dessa aventura!
Novidades e novas fronteiras na pesquisa
Com o avanço das pesquisas do NAPI Biodiversidade, o Paraná se firma como referência na integração entre ciência e conservação, promovendo conhecimento e ações concretas para a preservação das florestas e da riqueza natural do estado.
Esse ano, o RESTORE se prepara para uma nova etapa, em parceria com pesquisadores da Universidade de Macquarie, incluindo Schrader, que consiste na aplicação da nanotecnologia na araucária (Araucaria angustifolia) e espécies relacionadas.
Por enquanto, o Arranjo estuda apenas espécies da região norte do Paraná, denominada Floresta Estacional Semidecidual, região com pouquíssimas araucárias nativas. Em razão disso, o grupo pretende expandir para a área da Floresta Ombrófila Mista, popularmente conhecida como Floresta de Araucária.
Mas de que forma acontecerá essa parceria entre Paraná e Austrália?
A conexão com os pesquisadores de Macquarie surge a partir da araucária, cujo gênero botânico também apresenta espécies em território australiano, e assim como a espécie brasileira, com fisiologia pouquíssimo estudada.
Focados no reflorestamento, os pesquisadores vão pensar estratégias, padronizar a manipulação dessas espécies, e comparar os resultados encontrados, a fim de identificar se existem padrões.
Juntos, brasileiros e australianos irão desenvolver a mesma pesquisa, mas sob condições diferentes, uma vez que o solo, clima e outros fatores são aspectos distintos de cada área. Mas a ideia é justamente essa! Verificar se os resultados obtidos se assemelham, bem como possíveis falhas na pesquisa.
Já os pesquisadores Marcos Carlucci e Victor Zwiener, da Universidade Federal do Paraná, juntamente com os australianos, vão fazer estudos de modelagem de como a distribuição de espécies de araucária devem ser afetadas diante de diferentes cenários de mudanças climáticas.
E como diz o ditado: “duas cabeças pensam melhor que uma”, ou devo dizer, dois países pensam melhor que um? A união de diferentes perspectivas científicas pode acelerar o desenvolvimento de soluções. “É muito bom porque você tem experiências diferentes, né? Por mais que sejam áreas parecidas. Cada um tem formação diferente, tem uma visão diferente. Isso pode ajudar muito”, ressalta Caixeta.
O coordenador destacou uma troca de conhecimento que ocorreu entre os pesquisadores. Enquanto os pesquisadores brasileiros aprenderam técnicas de hidráulica de plantas com a Austrália, o Brasil compartilhou a pesquisa sobre nanotecnologia. “É uma via de mão dupla. A gente tem o que contribuir com eles, eles tem o que contribuir com a gente, e com isso todo mundo sai ganhando”, comenta Halley Caixeta.
De cooperação internacional o RESTORE entende. Você sabia que o projeto nasceu através da colaboração de três países? O início se deu com a união do Brasil, Alemanha e França, com o intuito de estudar de que forma microbiotas são afetadas pela seca. Empolgado, Caixeta declara que “esse tipo de trabalho em parceria é importante pra gente poder ampliar o impacto do que se está descobrindo. Você consegue ver se isso tem uma validade para além de Londrina, nesse caso consegue validar isso a nível internacional”.
Desafios para Conservação no Paraná
O Paraná enfrenta desafios significativos na conservação de sua biodiversidade. A alta diversidade de espécies é um dos principais obstáculos. Embora seja uma vantagem, também torna a conservação mais difícil. Cada espécie reage de maneira única ao ambiente, o que exige uma compreensão detalhada de suas necessidades para formular estratégias eficazes.
Além disso, a fragmentação do ambiente é um grande problema. O professor Halley Caixeta explica que a expansão de áreas de soja e agricultura criou “pequenos fragmentos de florestas, distantes uns dos outros”. Isso dificulta processos essenciais, como a dispersão de sementes, prejudicando o reflorestamento e a regeneração natural.
As mudanças climáticas também agravam essa situação, dificultando ainda mais a adaptação das espécies. A fragmentação, portanto, é um desafio crucial para a conservação no Paraná.
Apesar de essenciais, os fragmentos florestais poderiam ser mais conectados. O professor Halley enfatiza a necessidade de “corredores ecológicos” para ligar essas áreas. Ele sugere que a mata ciliar poderia ser usada como esses corredores, facilitando o movimento das espécies e promovendo a troca genética, vital para a manutenção da biodiversidade.
Impercepção botânica
O biólogo Cristiano Medri, professor do Departamento de Biologia Animal e Vegetal da Universidade Estadual de Londrina, destaca um fenômeno interessante: a “impercepção botânica”. Ele explica que as pessoas têm muita facilidade para identificar e distinguir espécies de animais, como coelhos e gatos, ou até marcas de carro, mas, quando se trata de plantas, há uma grande dificuldade. “As pessoas percebem as plantas apenas como uma massa vegetal indistinta”, diz Medri.

Esse problema, segundo o professor, é um reflexo da falta de educação sobre a natureza. Se não conseguimos reconhecer as plantas ao nosso redor, como podemos entender sua importância para a conservação? Sem essa percepção, fica difícil criar uma conscientização ambiental verdadeira e, consequentemente, escolher líderes comprometidos com a preservação.
Medri ressalta que essa “impercepção” começa com pequenos detalhes, como uma plantinha que cresce sobre a pedra, muitas vezes ignorada. No entanto, esse problema aparentemente pequeno tem um impacto grande, refletindo questões maiores sobre a conservação do meio ambiente e a sustentabilidade do nosso planeta.
Ainda, o professor ressalta a beleza das florestas paranaenses: “de grande exuberância e biodiversidade”, e destaca o encanto de estrangeiros ao perceberam a nossa biodiversidade, “eles realmente ficam impactados com a biodiversidade que a gente tem, né?”.
Para se ter uma ideia, apenas no Parque Estadual Mata dos Godoy (PEMG), localizado em Londrina, existem aproximadamente 120 espécies de árvores por hectare. A nível comparativo, um campo de futebol tem aproximadamente a mesma metragem de um hectare. Em países de clima temperado, em grandes áreas como a Mata dos Godoy, “encontramos cinco, seis espécies de árvores num parque completo, uma grande unidade de conservação, enquanto que aqui a gente caminha poucos metros e a gente percebe muitas espécies numa complexidade muito grande”, salienta Medri.
Ameaça a biodiversidade paranaense
Infelizmente, a Mata dos Godoy, assim como tantas outras áreas que apresentam grande riqueza em biodiversidade são negligenciadas pelo Estado. Inclusive, existem áreas como o Campo das Pedras, que possuem uma biodiversidade única, mas não estão delimitadas como unidades de conservação, então há um risco iminente de ameaça à vida dessas espécies.
Medri ressalta a urgência de um olhar mais cuidadoso para locais como o PEMG, “porque, além da sua importância ecológica e ambiental, poderia ser um grande instrumento de educação histórica e ambiental para a população de Londrina.”
É imprescindível o apoio de governantes e de toda a população para a efetiva conservação da nossa floresta, redução do desmatamento, e restauração de áreas degradadas, proporcionando maior harmonia entre a natureza e a existência humana.
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Texto: Sabrina Heck e Yumi Aoki
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Yumi Aoki
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Henrique
Glossário
Biopolímeros – São compostos químicos produzidos por meio de processos químicos realizados por seres vivos ou a partir de matérias primas de fontes renováveis de energia, como milho, cana de açúcar, celulose e outras.
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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