Paula Natali: das brincadeiras ao Brincadeiras

Mulher, educadora social, militante, pesquisadora, professora e extensionista, com muito orgulho

compartilhe

Quando criança, Paula Natali já passava boa parte de seu tempo dentro e ao redor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná. Além de ter nascido e crescido na Zona 7, bairro em que se encontra o campus sede da universidade, ela também acompanhava a mãe, professora da UEM, durante o trabalho, jogava basquete nas “quadras de cima” e andava de patins dentro do campus. Ainda menina, a vida universitária já fazia parte de seu mundo, mas talvez ela não imaginasse o quanto essa influência seria determinante para sua carreira profissional. 

Atualmente, Paula é professora do curso de Educação Física, na UEM, no Câmpus Regional do Vale do Ivaí, em Ivaiporã; coordenadora e educadora social do Projeto Brincadeiras com Meninos e Meninas de e nas Ruas; e coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (PCA – PEC/UEM) e do Grupo de Estudo Educação Social, Infância e Ludicidade.

Paula Natali (ASC/UEM)

No momento de prestar vestibular e escolher os primeiros passos profissionais, a carreira de professora já era algo certo, nunca teve outra opção que não a Educação Física. Isso veio de forma natural, guiado pelo encanto que tinha pelos professores de dança e de natação, que praticou durante 19 e 15 anos. Quando formada, fez mestrado em Educação, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), também no Paraná, e, ao retornar, foi Técnica Desportiva da Prefeitura de Maringá, dando aula de natação, e professora temporária no Departamento de Educação Física, na UEM. O doutorado, também na UEM, foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE). Durante a produção de sua tese, Paula foi efetivada como professora adjunta da universidade.

Mas é claro que o processo de formação como pesquisadora não veio de um dia para outro. Iniciou quando menina, convivendo com a mãe e colegas de trabalho. “Isso sempre foi uma constante na minha vida e eu sempre tive vontade de ser desse jeito também, sempre achei interessante e importante esse grupo de mulheres com as quais eu tive o privilégio de conviver”, relata Paula  

Muitas pessoas diziam para ela escolher uma profissão que lhe trouxesse uma maior remuneração, mas ela seguiu os conselhos dos pais, que sempre a orientaram a fazer o que gosta. “Eu sou muito feliz com o que eu faço, principalmente hoje, que sou coordenadora do projeto e do programa que acompanho e participo desde o primeiro ano da graduação, aos 17 anos de idade, o Projeto Brincadeiras e o PCA”.

O desenvolvimento de Paula, como mulher e militante, sempre caminhou lado a lado à sua formação como pesquisadora, professora e extensionista. Ela diz ter muito orgulho de ser uma mulher pesquisadora e militante. E também conta ter muita sorte de conviver, no PCA, com pessoas que superam qualquer tipo de preconceito em relação às mulheres. Por onde ela passou na universidade, esses problemas não foram muito dolorosos e sofridos. E se foram, ela estava preocupada com outras coisas e foi passando, como ela mesmo declara, confiante e realizada.

Mas isso não quer dizer que ela não reconheça os obstáculos que ela e todas as mulheres precisam superar durante a carreira acadêmica. “A ciência ainda é um grupo muito masculino, então, a gente sempre precisa provar e divulgar as nossas competências. A gente precisa se impor e pedir a palavra várias vezes para sermos escutadas”, afirma Paula.

E assim, com a força e dedicação de Paula e de todos os outros integrantes, o Brincadeiras com Meninos e Meninas de e nas Ruas completa 25 anos em 2022. Ligado ao PCA, eles trabalham com crianças e adolescentes com direitos violados, identificando e denunciando as violações e realizando discussões sobre o assunto, amparados por algumas legislações, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

A coordenadora ressalta que a linguagem da educação não é a única trabalhada dentro do projeto. Todas as atividades são realizadas com foco nos direitos humanos, em diferentes perspectivas. Por isso, o Brincadeiras é composto por alunos de vários cursos: direito, enfermagem, artes cênicas, psicologia, além de professores da história, do serviço social, da pedagogia, da educação física etc. “O que nos liga é a busca pela garantia de direitos e ensinar sobre isso”, finaliza.

Pandemia

Sustentado pela pesquisa, pelo olhar crítico para o problema e pela formação dos acadêmicos, o Brincadeiras atua nas ruas, nos espaços da cidade e em conselhos, reuniões e discussões relacionadas aos direitos dos jovens. E assim era feito até março de 2020, quando aconteceu o lockdown e o fechamento de toda a cidade, e o direito à brincadeira foi praticamente negado às crianças e à comunidade, impossibilitando as atividades que o projeto realiza nas ruas, diretamente com as crianças e os adolescentes.

A única saída seria, portanto, adaptar para o remoto. Mas mesmo assim, as atividades continuaram prejudicadas e impossíveis a muitos jovens, que não tinham acesso a celulares, internet ou computadores. Alguns adolescentes, que já tinham acesso a essas ferramentas e participavam de um grupo de WhatsApp com os alunos e professores do Brincadeiras, continuaram os “encontros” pelo aplicativo, com atividades e assistindo filmes e documentários. 

Mas com o tempo, outro problema surgiu: muitos deles deixaram de participar, porque se viram obrigados a entrar no mercado de trabalho, por causa da crise que atingiu o país e o mundo. Com os mais novos, a alternativa foi retomar contato com quem já participava e anunciar o projeto nas redes sociais e carros de som, que circulavam pelas ruas de alguns bairros.

Já para os educadores e graduandos, a dificuldade maior foi se adequar ao virtual, especialmente ao trabalho com os direitos humanos. Mas o Brincadeiras de forma remota também trouxe alguns benefícios: foi possível realizar eventos e cursos de formação para professores e educadores sociais com especialistas de outros estados e até de outros países. Também foram realizados cursos sobre pandemia, direitos humanos e a educação na pandemia. Além disso, o projeto proporcionou uma nova experiência: eles puderam “entrar” na casa das pessoas, ao mesmo tempo em que as crianças e suas famílias entravam na casa de cada um dos integrantes.

A adequação dentro de casa, precisando modificar todo um cômodo para que se criasse um ambiente de trabalho, também não foi nada fácil. Para Paula, no início da pandemia, com dois filhos pequenos, um com três meses e o outro com dois anos, a função como docente e extensionista foi ainda mais complexa, porque foi preciso lidar com os dois brincando e passando de um lado para o outro durante as aulas e reuniões. Mas por outro lado, existe também o impacto para os filhos, que ficaram todo esse tempo dentro de casa, crescendo longe da comunidade e da escola. A dinâmica familiar é completamente modificada, ao ponto do filho mais novo de Paula, agora com 2 anos, dizer que o trabalho da mamãe é no…. computador. E não na UEM.

Para que tudo voltasse a funcionar da melhor maneira possível, as atividades do grupo aconteceram antes mesmo do encontro presencial, realizando contato com a prefeitura, com pessoas de bairros que já participavam do projeto e com o mapeamento do entorno da UEM, feito pelos alunos. O Brincadeiras, neste ano, retorna com atividades no bairro Vila Esperança.

A volta às atividades presenciais também não é fácil, assim como os direitos e o reconhecimento do trabalho feminino, ainda mais no período em que vivemos. Mas isso continua não abalando a professora e pesquisadora Paula Natali, que acrescenta: “A constância e seriedade do trabalho vão compondo um cenário em que as pessoas ficam com o pé atrás de serem desrespeitosas. Ainda mais com uma pessoa que trabalha com direitos humanos”.

Paula Natali quando criança (Arquivo pessoal)

Confira a terceira temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Paula contada por ela mesma

Conexão Dia da Consciência Negra – Episódio 4 Conexão Ciência C²

No último episódio deste podcast, a psicóloga Fernanda Moreira nos conta como os estereótipos presentes na mídia interferem negativamente na formação das crianças negras. Ficou interessado? Então não deixe de nos acompanhar!

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


Receba nossa newsletter

Edição desta semana

Artigos em alta

Descubra o mundo ao seu redor com o C²

Conheça quem somos e nossa rede de parceiros