Perito forense, uma profissão que tem vida longa

Programa em Residência Técnica do governo do Paraná em parceria com universidades estaduais dá fôlego para formação de novos e melhores profissionais

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Se você já assistiu alguns episódios da série norte-americana Crime Scene Investigation-CSI, que ficou no ar por 15 anos até 2015, pode pensar que a coleta de impressões digitais, marcas de mordidas, fios de cabelos ou saliva bastam como material para obter a identidade do criminoso. 

Parece simples, mas não é. E há como provar.

Mesmo que você não tenha assistido o seriado ou outro gênero de investigação criminal, provavelmente já ouviu falar do caso da menina Rachel Genofre que desapareceu no Paraná quando tinha nove anos. 

Ela saía da escola onde estudava, no centro de Curitiba, no fim da tarde de 3 de novembro de 2008. O corpo da menina foi encontrado na rodoferroviária da capital dentro de uma mala com sinais de violência sexual, mordidas e cabelo cortado. Material para análise não faltava e as coletas, inclusive do DNA, foram preservados.

O trabalho da polícia científica foi recompensado. O acusado pelo crime foi identificado onze anos depois, em 2019, com a ajuda de exames de DNA, o que aconteceu após o cruzamento de dados das polícias do Paraná, São Paulo e Distrito Federal. Condenado a 50 anos de prisão por esse crime, Carlos Eduardo dos Santos já tinha sido condenado a 25 anos por outros crimes. Após a definição da autoria, que aconteceu quando estava preso em Sorocaba (SP), ele confessou à polícia que matou Rachel.

Por que demorou tanto para a localização do assassino?

Porque como toda e qualquer área do conhecimento científico, as Ciências Forenses requerem tempo e pessoas para avançar e desenvolver novas ferramentas para solucionar crimes hediondos e complexos como o de Rachel. O mesmo vale para delitos e conflitos registrados no dia a dia. Também é preciso políticas públicas que garantam equipamentos e formação de pessoal qualificado, no caso os peritos forenses, para que a Justiça encontre sua razão de ser.

A morte da menina deixou o Brasil, em especial o Paraná, em transe com a violência e impotência das autoridades para achar o culpado. Havia uma ansiedade e grande pressão para solucionar o caso mais assustador das terras dos pinheirais. Para enfrentar possíveis dificuldades em futuras investigações, uma das primeiras medidas foi instalar câmeras de vigilância na rodoferroviária de Curitiba, que passou a ser monitorada integralmente. O mesmo aconteceu com locais de grande circulação de pessoas.

É missão das Ciências Forenses auxiliar o sistema judiciário em perícias e laudos nos processo criminais e civis (Cottonbro Studio/Pexels)

Mas foi o esforço nacional de órgãos de segurança, especialmente os da polícia científica, pressionados pela opinião pública, que resultou na ampliação dos investimentos no Banco Nacional de Perfis Genéticos, criado em 2013. A partir desta iniciativa, estabeleceu-se a Rede Integrada de Perfis Genéticos, auxiliando investigações em todo o país e até no exterior. 

Como resultado prático, em 2019 o caso de Rachel pode ser solucionado, assim como tantos outros. Isto porque os métodos de identificação científicos requerem que sejam coletados materiais ou vestígios da vítima e do autor do crime, validados como prova quando há compatibilidade. Somente desta forma é possível estabelecer a relação entre os envolvidos e ajudar a Justiça na condução do processo criminal. 

Peritos ou cientistas forenses?

Como bem anotou Aristóteles na sua Ética a Nicômaco (335 a.C. a 323 a.C.), o homem não nasce bom ou justo, mas torna-se bom ou justo à medida que pratica tais atos.

Neste contexto, as Ciências Forenses são tão antigas quanto a própria sociedade. Já em seus primórdios, sempre houve a necessidade de esclarecer demandas através de investigações, sejam criminais ou disputas entre partes divergentes.  

Por Ciências Forenses entendemos o conjunto de conhecimentos e metodologias científicas que fundamentam a busca de evidências na resolução de acidentes de trânsito ou trabalho, ou de crimes, como roubos, homicídios e outros. 

E cabe ao Estado regular as ações humanas, promovendo a Justiça através de normas e leis e fiscalizando o seu cumprimento. Portanto, à medida que a sociedade evolui, aumentam também os motivos para conflitos, disputas de poder e, no limite da civilização, os crimes. 

Exatamente na junção das atividades fins dos órgãos de segurança e sistema judiciário que se pode garantir a lei e ordem. Esse trabalho é feito pelos peritos forenses, que podem atuar nas mais variadas áreas como na Medicina Legal, Odontologia Legal e Forense Digital, as mais conhecidas. Mas existem ainda a Antropologia Forense, Botânica Forense, ou seja, quaisquer segmentos das Ciências Humanas, Biológicas ou Exatas podem contribuir com as investigações e auxiliar a Justiça. 

E aqui está a sutil, e fundamental, diferença entre peritos e cientistas forenses. Para formar os peritos forenses que atuam na sociedade é preciso que docentes e pesquisadores desenvolvam nas universidades o conhecimento científico para embasar essa formação. Esses são os cientistas forenses que sistematizam a teoria e prática do conhecimento e repassam para os futuros profissionais.

Mas não é só de crimes que vive um perito forense.  Ele é um profissional que atua também com a análise de documentos, substâncias e outros que não são necessariamente oriundos de cenas de crime, tanto no serviço público quanto na iniciativa privada, sempre respeitando valores éticos que norteiam as práticas científicas e forenses.

Papel das universidades

Para que a parceria entre Ciência e Justiça dê certo, nada mais estratégico que produzir conhecimento e formar profissionais em laboratórios de alta tecnologia. Se somarmos professores e pesquisadores focados neste processo de desenvolvimento técnico científico, a sociedade só tem a ganhar. 

É a universidade assumindo sua missão que é servir as pessoas. 

“Uma vez que um perito entra na universidade, ele jamais sairá por que é preciso melhorar e desenvolver constantemente os métodos de análise e assim evoluir no atendimento à sociedade”, diz o diretor-geral da Polícia Científica do Paraná, Luiz Rodrigo Grochocki.

Diretor-geral da Polícia Científica do Paraná, Luiz Rodrigo Grochocki, exalta a importância dos peritos forenses para a sociedade (Arquivo pessoal)

Para ele, a missão da polícia científica e seu quadro de servidores é proteger o cidadão no que se refere à Justiça. Afinal, as Ciências Forenses são solicitadas sempre que o meio judicial necessitar de respaldo científico para desvendar e entender determinada ação. 

Servidor concursado da Polícia Científica desde 2007, Grochocki assumiu a direção geral do órgão desde 2019 e tem sido um entusiasta da parceria com as universidades estaduais do Paraná. Um exemplo é o Programa de Residência Técnica (Restec) em Ciências Forenses na Universidade Estadual de Maringá-UEM, organizado pelo governo do Estado do Paraná. 

O diretor da Polícia Científica informa que a cooperação técnica entre universidades estaduais do Paraná e órgãos de segurança possibilitou em 2022 a realização de mais de 140 mil exames em suas 20 unidades, um recorde tanto em termos de quantidade quanto de qualidade.

“Em breve vamos inaugurar uma nova unidade da Polícia Científica vinculada à Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG, o que representará uma ampliação dos nossos serviços prestados à sociedade”, informa Grochocki. Um dos méritos do Restec é proporcionar que os participantes, graduados com até 36 meses de formados, atuem nos laboratórios dos institutos de Criminalística e Médico Legal do Estado do Paraná. 

Como titular da Chefia de Infraestrutura do Grupo de Tecnologia, da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, Grochocki é responsável por atualizar no aparato público do que há de mais avançado em termos de pesquisas científicas, tecnologias e desenvolvimento de novos métodos de análise.

Para ele, o Restec em Ciências Forenses da UEM irá elevar de patamar o nível dos peritos que irão ingressar no serviço público por concurso, uma vez que já estarão familiarizados com a estrutura do Estado. A primeira turma começou em 2022 e se formará em 2024 com profissionais formados nas áreas Forenses da Saúde, Laboratorial, Digital e Gestão.

Caberá à Polícia Científica do Paraná colaborar com a formação prática dos integrantes do Restec em Ciências Forenses da UEM (SESP/PR)

Outras áreas

O Programa Residência Técnica foi instituído em 2019 e já está em pleno funcionamento em várias universidades estaduais no Paraná. Destinado a recém-formados, a proposta é fomentar o aprimoramento profissional e qualificar os servidores e trabalhadores públicos estaduais de diferentes áreas para um conhecimento especializado. 

O Restec em Ciências Forenses consiste em uma iniciativa coordenada pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná-SETI/PR, por meio da Coordenadoria de Ensino Superior, Pesquisa e Extensão, e desenvolvido em parceria com as universidades estaduais. O projeto faz parte do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação – NAPI em Segurança Pública com fomento da Fundação Araucária.

Os cursos vinculados ao programa são gratuitos para os servidores e trabalhadores públicos estaduais, bem como para os residentes técnicos. Os residentes também recebem bolsa-auxílio pelo período de até 24 meses.

Além do Restec em Ciências Forenses na UEM, outros projetos estão em andamento neste ano como, por exemplo, o de Economia Rural na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e de Inovação, Transformação Digital e E-Gov na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). 

Tudo para atender demandas em diferentes áreas do setor público com o aval das instituições estaduais de ensino superior.

Se você é recém-formado, ou conhece alguém, fique atento para os editais de Residência Técnica no site da SETI/PR. É uma grande oportunidade para definir o que poderá ser o seu futuro profissional.

Para o caso de escolher ingressar nas Ciências Forenses, saiba que há muito a ser feito para que no futuro não tenhamos que sofrer 11 anos como foi com Raquel Genofre. 

Claro, uma utopia seria ter um mundo sem crimes, mas como diz a música: mistérios sempre há de pintar por aí!

Se você ficou interessado em saber mais, o C² preparou o podcast sobre Ciências Forenses, que traz um pouco da história e a relação entre Ciência, Justiça e ética profissional.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Silvia Calciolari
Revisão: Juliana Daibert
Arte: Juliana Sandaniel
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS:

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