Pesquisa e extensão tecem fios de seda sadios e sustentáveis

Única universidade latino-americana integrante do Proyecto SEDA, UEM se destaca na pesquisa e foco na assistência a sericicultores brasileiros

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Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador e México, financiados pela União Europeia, unem-se em torno do bicho-da-seda contra a fome e em favor do desenvolvimento da agricultura familiar na América Latina e Caribe, especialmente das mulheres sericicultoras. Este é o Proyecto SEDA – Sericicultura Sustentável, integrante do Programa Adelante, formado por oito projetos nos quais participam 93 organizações de 22 países latino-americanos. 

Representante do Brasil na iniciativa sericícola iniciada formalmente em 2017 e prevista para encerrar no fim de 2023, a Universidade Estadual de Maringá (UEM), única instituição de ensino vinculada diretamente ao projeto, coube pesquisar alternativas capazes de enfrentar doenças graves que acometem as lagartas e assessorar as associações de sericicultores. Em resumo, pesquisa e extensão unidas em benefício da comunidade. Com o desenvolvimento da pesquisa, as professoras doutoras Lucinéia F. C. Ribeiro e Rose Meire Costa, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), também integram o grupo.

A bióloga celular Maria Aparecida Fernandez, uma das autoridades brasileiras em Bombyx mori, nome científico do bicho-da-seda, ficou encarregada da primeira parte. No laboratório de biotecnologia do bloco B36, a pesquisadora desenvolveu, em conjunto com o professor doutor Flávio A. V. Seixas, que trabalha no campus Umuarama da UEM, um composto eficaz contra o baculovírus responsável pela Poliedrose Nuclear (NPV), chamado BmNPV, conhecida por “amarelidão”. A virose é fatal para as lagartas e para o bolso do sericicultor, que chega a perder 100% da produção dos bichos-da-seda. 

“Quando o vírus infecta a lagarta ele não quer matá-la, mas usar suas células para se replicar e multiplicar o número de vírus. O que nós desenvolvemos é similar a uma vacina, evitando a liberação de vírus pela lagarta contaminada, diminuindo assim a infecção de demais lagartas ao seu redor. O que é muito bom, pois quanto menos contaminação, menos vírus disseminados e menos infecção”, explica Maria Aparecida.

A cientista Maria Aparecida Fernandez com a equipe do Laboratório de Biotecnologia (Foto/Luiza da Costa)

A lagarta infectada não apresenta nenhum sinal de abatimento até o quinto dia da quinta idade. A partir daí começa a comer menos, a apresentar coloração amarelada em sua cutícula (equivalente à pele do ser humano), até escurecer totalmente e romper. O baculovírus produz duas enzimas que degradam a cutícula, liberando os vírus para contaminação das demais lagartas. E o faz em forma de cápsulas proteicas de poliedros, mantendo-se vivo no campo. “O vírus está na terra, nas folhas de amoreira e em diversos locais”, explica a bióloga. Ao alimentar a lagarta com a folha de amoreira contaminada, o produtor está, sem saber, sentenciando sua produção à morte. 

Em fase de experimentação laboratorial, o composto desenvolvido é testado pela pesquisadora sendo adicionado a amostras de folhas de amoreira, após a infecção experimental pelo BmNPV das lagartas. Depois de secas, as amostras, tanto de BmNPV como do composto são oferecidas às famintas lagartas. “Conseguimos diminuir a mortalidade das lagartas, com desenvolvimento normal em torno de 90% da amostra. Isso significa que, mesmo após apresentar teor de infecção muito reduzido, as lagartas são capazes de se desenvolver em pupas e construir casulos que poderão ser vendidos. A produção não será de todo perdida”, comemora a cientista. Veja aqui uma das primeiras reportagens exibidas sobre o tema em março de 2021 pela RIC TV.

A calcinose branca, enfermidade causada por um fungo que afeta gravemente as lagartas, fazendo com que se assemelhem a múmias, também foi estudada pela equipe da professora Maria Aparecida com os recursos do Proyecto SEDA.

Quando constrói o casulo para completar o desenvolvimento (encasulamento), a pupa libera uma substância a partir de glândulas sericígenas localizadas na parte inferior da boca que, em contato com o ar, origina o fio. A seda é fiada ao redor de seu corpo em movimentos geométricos em forma do número 8 até que todo o líquido termine. Em três dias, tempo de duração desse processo, são secretados cerca de 2 mil metros da substância. Em três semanas, nasce uma mariposa branca.

No laboratório e no campo, quem ganha é o produtor

Enquanto a cientista Maria Aparecida Fernandez e sua equipe dedicam-se, com sucesso, aos ganhos em produtividade a partir do enfrentamento de doenças, em campo as conquistas são comemoradas com ações simples e extremamente eficazes. Por exemplo, deu-se a compra de roçadeiras para substituir o facão com o qual os sericicultores de Cândido de Abreu, no centro do Paraná, cortavam as folhas de amora, único alimento do bicho-da-seda.

Alessandra Aparecida Silva, que ministrava a disciplina de sericicultura no curso de Zootecnia da UEM/umuarama quando foi convidada a assumir a coordenação do Fundos de Apoio do Proyecto SEDA, orientou, acompanhou e testemunhou as mudanças no dia-a-dia das famílias de sericicultores organizados nas associações vencedoras do edital de 2022 que premiou iniciativas com apelo social. “Como o grande mote do projeto é a sericicultura no combate à fome, as melhores pontuadas contemplaram mão de obra feminina, pessoas com deficiência ou indígenas e atividades sustentáveis”, explica a zootecnista.

A zootecnista Alessandra Silva com uma família de sericicultores (Arquivo pessoal)

A seleção foi feita pelo Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), organização argentina que coordena o Proyecto SEDA. Todos os países participantes tiveram iniciativas premiadas, concorrentes entre si. As brasileiras foram em maior número, tanto de inscritos – 26 -, quanto de vencedores – 7, além de terem sido as mais criativas e mais bem avaliadas. 

A Associação de Sericicultores de Cândido de Abreu, no Paraná,  viabilizou a compra das roçadeiras e promoveu um evento para os sericicultores com palestra e almoço. A cidade, colonizada na década de 1950 por poloneses, ucranianos, alemães e franceses, localiza-se em umas regiões paranaenses com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 

A Associação Flávia Cristina (AFC), de Londrina, que atende crianças, jovens e adolescentes com necessidades educacionais especiais, e a APAE de Bastos, interior de São Paulo, criaram artesanatos diversos a partir de resíduos e subprodutos da seda.

Em Astorga, a Associação dos Agricultores Futuro Melhor construirá um local para reuniões, treinamentos e atividades de lazer para, posteriormente, desenvolver artesanatos a partir dos substratos da seda. 

A Associação Brasileira da Seda (Abraseda), com sede em Londrina, foi premiada por oferecer treinamentos às mulheres e filhas dos produtores de bicho-da-seda que ensinam a usar a sericicultura como ferramenta de sustentabilidade. “Por ser o público-alvo dos cursos, as mulheres se sentiram fortalecidas e reconhecidas”, diz a coordenadora. O grupo foi presenteado com um lenço de seda, gesto simples, mas de valor simbólico grandioso. “Muitos sericicultores nunca tiveram uma camisa de seda”, revela a zootecnista Alessandra. 

Em Araruna, no noroeste do Estado, o projeto vencedor propôs a utilização de painéis de energia solar nos galpões sericícolas, beneficiando número expressivo de produtores da Associação dos Sericicultores de Araruna (Araseda).

Depois da Argentina e Colômbia, foi a vez do Brasil sediar uma reunião do Comitê do Proyecto SEDA, realizada na UEM em abril. Na ocasião, os representantes das organizações latino-americanas parceiras conheceram e se encantaram com as associações e respectivas ações beneficiadas pelo Fundo de Apoio. 

O coordenador Estadual da Sericicultura do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), José Francisco Lopes Junior, também esteve presente. Segundo ele, a cultura do bicho-da-seda é cultivada em 2,6 mil hectares paranaenses, distribuídos em mais de 160 municípios de todas as regiões. 

Proteína pura

A sericicultura é considerada agricultura e pecuária. Assim temos a Agricultura no campo com as amoreiras, pecuária no barracão com as lagartas. Sensível, delicada, trabalhosa e rentável, a cultura depende dos cuidados de toda a família de pequenos agricultores. Mulheres e filhos encarregam-se de alimentar as lagartas a partir da terceira idade e de colocar os bosques onde elas se alojam a fim de tecer os casulos e adormecer, liberando os homens para dedicar-se a outros cultivos. Se estes falharem, o ganho com a sericicultura estará garantido. 

Pelo menos este é o plano. No Paraná, à deriva de agroquímicos nas lavouras de soja e milho,há grande preocupação de técnicos com o comprometimento de produções inteiras. Aplicar veneno desrespeitando condições ideais de vento e ignorando a tecnologia adequada é permitir o desvio de gotas indevidas e, no caso do bicho-da-seda, sempre mortais – para culturas próximas. Infelizmente, esse é um problema de difícil solução. 

Além disso, as especificidades da própria lida com as lagartas exigem mão de obra especializada e dedicada em tempo integral, motivo pelo qual no Brasil o maior investimento no setor é feito pela iniciativa privada, que vende as lagartas de terceira idade aos produtores e, posteriormente, compra os casulos. “Não tem sentido não ser produção industrial”, reconhece Maria Aparecida. 

O comprimento do fio de seda varia entre 800 e 1,5 mil metros. O bom casulo rende um único fio e um quilo de seda demanda três mil casulos. Por ser proteína pura, os subprodutos também são aproveitados.

Uma das ideias dos pesquisadores do Proyecto SEDA é criar um grande banco de germoplasma e obter híbridos (lagartas) para vender diretamente aos produtores, mas ainda não foi estabelecida essa proposta. O processo todo é muito trabalhoso e precisa de muita gente. 

Embora o Brasil seja o quarto maior produtor de seda do mundo, sai daqui matéria-prima de boa qualidade, obtida a partir do padrão dos casulos feitos por lagartas híbridas, que se alimentam e tecem igualmente. Apesar de que, em se tratando de seda, o valor está intrínseco ao produto. “Seda é 100% proteína. Não importa se o casulo é classificado como de primeira ou de segunda linha, poderão ser utilizados para a confecção de diferentes tecidos e/ou materiais”, diz a professora Alessandra. E está dito.

Quanto maior a padronização dos casulos, mais alta a qualidade da seda (Foto/Luiza da Costa)

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Texto: Juliana Daibert e Luiza da Costa
Revisão: Silvia Calciolari
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Natália Cracco
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS:

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