Praia Acessível: verões ainda melhores virão

Paraná trabalha para atender pessoas com necessidades especiais conscientizando a população

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Rampas de acesso, banheiros adaptados, sinalização tátil, elevadores e plataformas de acesso, atendentes fluentes em Libras, Braille em cardápios, assentos prioritários, vagas de estacionamento reservadas, altura apropriada de balcões e mesas, iluminação adequada, sites que podem ser também ouvidos, aplicações e tecnologias assistivas. Mas de todos os possíveis exemplos de iniciativas que auxiliam na promoção da acessibilidade algumas são fundamentais antes, durante e depois disso tudo: treinamento de sensibilidade, para que não só os ambientes estejam preparados, mas as pessoas estejam de fato aptas para garantir um ambiente acolhedor e inclusivo para todos; e políticas de acessibilidade, que garantam um trabalho contínuo de inclusão e acessibilidade em todas as áreas possíveis. 

E, muitas vezes, a vida cotidiana nos parece de uma logística tão simples de ser vivida que não paramos para pensar no impacto disso tudo na vida de uma pessoa com deficiência, por exemplo. Você já parou para pensar em todas as coisas que uma pessoa com mobilidade reduzida precisa levar em conta antes de ir à praia? Eu tentei fazer esse exercício e imaginei alguns desses passos: primeiro, a questão do acesso: se é fácil ou não, se possui rampas adequadas ou outros tipos de estruturas que permitam seu trânsito naturalmente e, ainda, de forma segura e confortável. Depois, estacionamento, que também seja acessível, com vagas reservadas (e que, com “sorte”, não terá alguém usando aquela vaga porque era mais próxima e “ninguém ia usar”). Equipamentos: toalha, bolsa, protetor, cadeira de descanso, cadeiras de rodas especiais para a areia, guarda-sol adaptado…

Então lembrei de quantas vezes eu, sem problema nenhum de mobilidade, andei com dificuldades na areia porque ela é tão fofa que fica mais difícil mesmo. Logo, é fundamental que se tenha acessibilidade na areia, pois alguém com mobilidade reduzida pode enfrentar obstáculos significativos nessa missão. 

Depois temos ainda o acesso ao mar: sem acesso adequado, rampas, esteiras ou cadeiras de acesso ao mar é um fator que, sem dúvidas, limita a capacidade de pessoas com deficiência desfrutarem plenamente dessa experiência. Vencidas todas essas etapas, é preciso considerar, ainda, que dependendo do grau de mobilidade reduzida, algumas pessoas podem precisar de assistência adicional para realmente aproveitar o seu dia de praia, então temos aqui mais um item nessas necessidades específicas: assistência necessária. 

Números

Informações sobre o Censo de 2022, com os resultados sobre a população com deficiência, têm divulgação prevista somente para o último trimestre de 2024,  de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, nos últimos anos, as estatísticas a respeito da população com deficiência no Brasil sofreram várias alterações, inclusive com alguns equívocos nas quantificações (como no Censo de 2010, por exemplo). Mas os dados mais recentes indicam que, em 2021, o Brasil contabilizou 17 milhões de pessoas com deficiência (Pesquisa Nacional de Saúde – PNS, coordenada pelo IBGE) e, mais recentemente, em 2022, na ‘Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD: Pessoas com Deficiência’, foi levantado que o Brasil tinha 18,6 milhões de pessoas com deficiência.

Independente de termos um número exato sobre quantas são essas pessoas, hoje, no Brasil, uma coisa é certa: é uma parte numerosa e relevante da população que tem algum grau de dificuldade, seja física, intelectual ou sensorial, e que encontra inúmeros desafios diariamente para viver uma vida de efetiva participação na sociedade. Ou você nunca viu por aí uma rampa, que parecia mais uma ação em prol da acessibilidade, mas quando você se deu conta ela estava em companhia de um poste, uma placa de sinalização, uma calçada sem a menor condição de transitar? Por isso, eu gosto muito de uma frase da Vernã Myers que diz “diversidade é chamar pra festa. Inclusão é chamar pra dançar”. 

Essa frase ilustra muito bem a ideia de que acessibilidade é a transformação dos ambientes físico e digital para a autonomia e liberdade de qualquer pessoa com deficiência. Já a inclusão é um conjunto de atitudes e artifícios utilizados para garantir que diferenças de classe social, idade, educação, gênero, raça e, também, condições físicas e mentais não sejam barreiras para o acesso a bens, serviços e oportunidades que são de direito a todos. É como se a Inclusão fosse um guarda-chuvas e a acessibilidade é uma das hastes que a compõem. Uma não se sustenta sem a outra.

Aqui no Paraná, o programa “Praia Acessível” disponibiliza cadeiras anfíbias para que pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida possam aproveitar o seu banho de mar. A iniciativa é do Governo do Estado, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Social e Família (Sedef), em parceria com a Fundação Araucária, a partir da ação do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Tecnologia Assistiva, do Laboratório de Ergonomia e Usabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Sanepar. Este ano, o programa obteve um número recorde de atendimento, com 763 atendimentos durante os 38 dias de atividades no litoral. No ano anterior, foram 385 usuários atendidos e, em 2017, quando as atividades tiveram início no Estado, foram 57 atendimentos prestados.   

O Programa Praia Acessível torna possível um banho de mar com segurança para pessoas com deficiência (Foto/Leonardo Sguarezi – SECOM)

De acordo com informações da Agência Estadual de Notícias, as cadeiras estavam disponíveis em seis pontos do Litoral, em Caiobá, Matinhos, Guaratuba, Praia de Leste, Ipanema e Shangri-lá. As praias com maior fluxo de atendimento foram Shangri-lá e Caiobá, com 202 e 174, respectivamente. Foram 363 atendimentos entre mulheres e 400 atendimentos foram para homens. Dos 763 atendimentos, 730 foram realizados para pessoas com deficiência e 33 para pessoas com baixa mobilidade, inclusive para idosos com mais de 100 anos.

A principal função das cadeiras anfíbias é levar acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, garantindo conforto e segurança para essas pessoas na hora de entrarem no mar. E essa não é uma tarefa simples. E é aqui que se evidencia a importância da pesquisa acontecendo antes, durante e depois das ações, com pesquisas e avaliações para compreender todas as complexidades, necessidades de adequações, aprimoramento dos equipamentos e também no atendimento a esses usuários. 

O programa atendeu 763 pessoas durante a temporada de 2024 (Foto/Gabriel Rosa – AEN)

Uma praia acessível começa na Pesquisa

A participação do NAPI – Tecnologia Assistiva e do Laboratório de Ergonomia está em todas as etapas do processo. Desde pensar os requisitos necessários aos equipamentos no momento em que está sendo construído o processo licitatório até o acompanhamento das ações para analisar o que está sendo ofertado para as pessoas com deficiência. Além disso, indicar possíveis problemas ergonômicos e de segurança na cadeira. 

De acordo com a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Lúcia Okimoto, e coordenadora do NAPI, responsável pelo projeto, os trabalhos sempre têm como foco o “design centrado no usuário”. E, por isso, a importância dos questionários, de ouvir os usuários, buscar o feedback de como estão sendo avaliadas as ações desenvolvidas para a implementação de possíveis melhorias. 

O trabalho acontece sempre de forma bastante integrada com a Secretaria do Desenvolvimento Social e Família, que fornece as informações aos usuários para que sejam contactados para responder aos questionários e avaliações posteriores. Disso, surgem novos requisitos para os próximos trabalhos e, enquanto não são atendidos esses requisitos, as empresas que fornecem as cadeiras precisam fazer as modificações necessárias para que atendam a todos os requisitos, principalmente, em questão de segurança e ergonomia. 

“E é justamente com um projeto novo de cadeira que nós estamos trabalhando. Estamos com o doutorando, que é o André Lima, e toda uma equipe para trazer esses requisitos de melhoria, de acessibilidade para o projeto Verão. Nós também descemos para o litoral para avaliar lá in loco o uso da cadeira, dessa que havia sido proposta essas pequenas melhorias para uma melhor adequação de segurança. Novamente, a gente aplicou os questionários. Nesse momento, a gente está ainda avaliando esses questionários, então, está fazendo essa tabulação de dados para levantar, em termos das melhorias de segurança que já foram apontadas, quais outras melhorias podem ser implementadas”, ressalta a professora Maria Lúcia.  

Esse acréscimo gradativo do uso das cadeiras é de suma importância para os estudos uma vez que, quanto maior esse número, maiores as possibilidades de visualizar as necessidades e particularidades. E essas necessidades podem ser muito diferentes de pessoa para pessoa e isso é crucial porque o uso da cadeira pressupõe a acomodação dessa diversidade de público. A professora indica o desafio que é pensar a respeito de tudo isso.

Davina Bueno de Oliveira, de 101 anos, que tem baixa mobilidade, há muito tempo não entrava na água e desta vez aproveitou o mar com segurança (Foto/Sedef-PR)

“Às vezes peso, às vezes idade, às vezes não tem as duas pernas, às vezes não tem os dois braços, ou às vezes tem uma perna e um braço. Então tudo isso traz o quê? Um peso, que não está no mesmo centro de gravidade e ocorre diferenças de segurança, devido, inclusive, ao tipo de deficiência que a pessoa tem”. É um universo muito grande de pessoas que podem vir a usar as cadeiras e, por isso, como pontuou a professora, “é uma tarefa que não é muito fácil. Por isso a gente está avaliando vários aspectos: estrutural, simulação, tipos de roda, tipo de material, a questão que a cadeira tem que ser tanto boa para o terreno que tem terra, que tem a rampa, ir para água, então, são multimeios que essa cadeira tem que fazer”. 

Acessibilidade e o papel fundamental da Legislação

As leis desempenham um papel crucial na garantia dos direitos sociais e individuais das pessoas com deficiência, buscando promover a inclusão nas organizações. Além da Constituição Brasileira de 1988, diversas outras legislações e normas específicas foram estabelecidas, fortalecendo os princípios da inclusão e acessibilidade. A Norma Brasileira Regulamentadora (NBR9050), elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), estabelece uma série de requisitos para a construção de edifícios urbanos e públicos, enquanto a Lei de Cotas visa integrar profissionais com deficiência ao mercado de trabalho. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, também conhecido como LBI – Lei Brasileira de Inclusão, também é bastante representativa, com uma legislação abrangente sobre acessibilidade no país.

Além disso, órgãos reguladores como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) asseguram que as mudanças nos planos de saúde sejam comunicadas de forma acessível e clara, enquanto o Ministério da Educação (MEC) exige que tanto os ambientes físicos quanto digitais das universidades sejam acessíveis a todos. O não cumprimento dessas regulamentações pode resultar na proibição de cadastramento ou renovação de cursos por parte das instituições de ensino, por exemplo.

A legislação brasileira é considerada uma das mais avançadas na garantia da defesa dos direitos das pessoas com deficiência, mas não podemos fechar os olhos para o fato de que, ainda assim, a falta de acessibilidade em diversos setores, infelizmente, é muito comum, infringindo o direito de ir e vir das pessoas com deficiência. A verdadeira inclusão só é alcançada quando todos têm autonomia e independência, sem dependerem constantemente da assistência de terceiros. 

E o artigo 8º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que: É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico. 

E como diria Lulu Santos, que a vida realmente venha em ondas, como um mar num indo e vindo infinito. Mas que esse ir e vir seja de todos, por todos e para todos. 

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Texto:
Andressa Deflon Rickli
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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