Em Londrina, no Paraná, já é comum – e quase obrigatório – passar algumas horinhas do final de semana praticando algum esporte em um parque, dar uma caminhada ao redor de algum lago ou apenas relaxar nas sombras das árvores desses espaços públicos.
Já fui diversas vezes ao Lago Igapó com a minha família para aproveitar um dia ensolarado, saindo um pouco de casa, esticando as pernas e respirando um ar puro. O Lago Igapó é um dos meus lugares favoritos, porque ao redor do lago é um lugar perfeito e fresquinho pra se exercitar e depois, ao lado, no Aterro do Igapó, dá pra estender uma toalha na grama e ficar curtindo com a família.
Esse contato com a natureza é super importante pra mim, porque me ajuda a desestressar de uma semana corrida, fugir das telas – celular, televisão e computador – e permite que eu passe um tempo de qualidade com as pessoas que eu amo.
E, claro, ao ar livre, nunca me esqueço do repelente! Hoje, em espaços como o Lago Igapó, todo cuidado é pouco quando penso em mosquitos e arboviroses, como a dengue, que teve um boom de casos imenso esse ano. Talvez esse seja, infelizmente, um dos únicos pontos negativos da convivência nesses espaços. Afinal, preocupar-se com patógenos transmitidos por mosquitos foge muito de um momento relax no final de semana. E, caso você não saiba o que são as arboviroses, se liga nesse vídeo:
Mas, essa é sim, uma preocupação diária de diversos cientistas paranaenses, o que engloba os serviços ecossistêmicos e o seu papel no cenário de uma saúde pública que funciona.
Serviços ecossistêmicos podem até parecer um termo difícil e novo para muitas pessoas, mas todo ser humano está em contato com eles diariamente. Quando pensamos no próprio Lago Igapó temos uma ótima imagem dessa expressão. As árvores que fazem a fotossíntese e produzem nosso oxigênio são um exemplo dos serviços ecossistêmicos de suporte; o lago, que colabora no controle hídrico, é um tipo de serviço de regulação; os pássaros que vemos fazem parte dos serviços de provisão; e, até mesmo os mosquitos têm grandes papéis nesse grupo, já que eles podem atuar no serviço de suporte, com a polinização, bem como no serviço de regulação, promovendo a decomposição da matéria orgânica.
Assim, serviços ecossistêmicos é o termo utilizado na definição dos recursos naturais disponíveis para as pessoas. E é por isso que eles estão intrinsecamente ligados à saúde pública, porque é nesse grupo que encontramos os recursos necessários para sanar problemas, criar novas técnicas e abordagens de atuação, bem como realizar os monitoramentos fundamentais dos seres vivos e ambientes para entender questões sanitárias
Não é novidade para ninguém que o vírus dengue, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, já é uma questão de saúde pública no Brasil. Todo ano vemos as mesmas matérias nos jornais, ouvimos as mesmas dicas de prevenção e ficamos sabendo de pessoas próximas que se contaminaram com os vírus. E, por mais que os mosquitos tenham seu papel benéfico e essencial no ciclo da vida, sabemos que podem ser os portadores dos vírus que podem causar morte.
Por isso, é fundamental que haja um monitoramento eficaz desses insetos, analisando seus comportamentos, o habitat, os hábitos e, claro, pensando em estratégias inteligentes para o controle populacional dessa espécie, bem como de contenção de arboviroses – que são as doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente, por mosquitos.
Por sorte, já há diversos pesquisadores ligados nessa questão, como os atuantes no NAPI Biodiversidade: Serviços Ecossistêmicos. Eles atuam na Meta 5 – Relação de fragmentos florestais urbanos com a conservação da biodiversidade e a saúde pública. Um deles é o biólogo e professor vinculado ao Departamento de Biologia Animal e Vegetal (BAV), da Universidade Estadual de Londrina (UEL), João Antonio Cyrino Zequi, que realiza pesquisas e estudos que consistem no monitoramento de vetores de patógenos, em especial os culicídeos. Sabe o que são? Os mosquitos, pernilongos, carapanãs e sovelas!
O professor alerta que devemos ter atenção com vários tipos de espécies de mosquitos e arboviroses, não focando apenas no Aedes aegypti, que já está domiciliado em nossas casas e faz parte, infelizmente, do nosso cotidiano. Mas, por exemplo, o Aedes albopictus, vive comumente entre nós, nas áreas urbanas, como o centro de Londrina? Ainda não, mas pode!
Ele se abriga nos fundos de vale, como, por exemplo, do Ribeirão Cambezinho, que é monitorado pelos pesquisadores e que corta a cidade de Londrina. Além disso, mesmo no Lago Igapó, é possível encontrar essa espécie. Por isso, o Aedes albopictus pode não estar dentro das nossas casas, mas está presente em locais de lazer, entrando em contato com as pessoas em um trilha na mata no final de semana ou durante a caminhada diária feita ao redor de um lago.
E como é feito esse monitoramento? Primeiro, os pesquisadores vão até essas áreas selecionadas e lá fazem a coleta dos mosquitos, por meio da técnica de aspiração. Pense como se fosse você utilizando o aspirador de pó da sua casa, mas, nesse caso, os cientistas estão aspirando insetos na mata. Posteriormente, eles analisam a coleta em laboratório e verificam quais mosquitos estão presentes naquela localidade. Em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), eles conseguem fazer a pesquisa de vírus presentes nesses insetos.
Os pesquisadores da UFPR utilizam a tecnologia do kit multiplex para identificar se há vírus Zika, Chikungunya e Dengue nos mosquitos coletados. “Futuramente nós queremos ampliar essa pesquisa por arbovírus, considerando também por exemplo os vírus Oropouche e Mayaro, que estão começando a pipocar por aqui no sul do país, nos estados de Santa Catarina e Paraná. Assim, nós conseguimos detectar precocemente qual tipo de vírus está circulando em áreas que abrigam populações”, explica o professor.
Além disso, os cientistas também fazem uma importante pesquisa com sangue. A partir do sangue dos mosquitos é possível fazer todo um processo genético que permite descobrir quais são os hospedeiros. Dessa forma, os cientistas conseguem saber qual a biodiversidade presente no ambiente, sem precisar ver pessoalmente esses animais. Por exemplo, se há vestígio genético de anta no sangue no mosquito, quer dizer que tem anta no ambiente em que ele se encontrava. E com essa técnica, pode-se inferir sobre qualidade e equilíbrio ambiental do local e, pensando mais além, pode haver traços genéticos de pássaros migratórios e dos patógenos que essas aves podem transmitir por lá.
Algumas aves têm o comportamento de durante o dia se alimentar no campo e voltar para a cidade para se abrigar. Por exemplo, a Zenaida auriculata, popularmente conhecida como pomba-de-bando, é um tipo bem comum de pombinha, e ela tem esse hábito. É também um animal que chamamos de sinantrópico, que é aquele animal que está muito próximo do ser humano e a gente dá, cada vez mais, condições para que ela se aproxime. “Essa espécie faz seu abrigo ali no motorzinho do ar condicionado, que é quente, por exemplo. Então, qual a importância disso? Se eu souber, por exemplo, que o pernilongo Culex está picando essa pomba e se eu detectar no Culex algum vírus ou outro parasita, eu consigo monitorar patógenos e hospedeiros”, explica o professor.
Isso pode se agravar ainda mais quando pensamos em aves migratórias. Aquelas que voam milhares de quilômetros, vindas até mesmo de outro continente e podem ser as hospedeiras e transmissoras de patógenos que não é comum no nosso país, mas que pode passar a ser se não existir o monitoramento da saúde dessas aves.
Um outro exemplo de animal sinantrópico muito comum é o macaco-prego, facilmente encontrado nos parques das cidades. A professora do BAV e pesquisadora do NAPI Biodiversidade: Serviços Ecossistêmicos, doutora Ana Paula Vidotto Magnoni, trabalha com mamíferos de médio e grande porte, em contexto de fragmentos urbanos e periurbanos – áreas que se encontram numa posição de transição entre espaços estritamente rurais e áreas urbanas – e, por isso, possui estudos envolvendo os macacos-prego.
“A gente sabe que várias doenças têm transmissão normal por animais silvestres, como por exemplo, a raiva. Mas existem outras que também podem ser transmitidas e, por isso, a gente precisa saber quais são essas outras doenças possíveis, bem como os impactos que podem causar nas pessoas”, afirma Magnoni.
Esses estudos trazem à tona diversas perguntas importantes e que devem ser respondidas para que tenhamos um ambiente saudável: será que há vírus impactantes nos fundos de vale e que podem entrar para a cidade? Quais espécies de mosquitos estão presentes nesses ambientes mais naturais e nos ambientes urbanizados? Que mosquito pode ser um potencial vetor futuramente?
Considerando que temos visto, anualmente, notícias sobre o impacto da dengue na nossa população, o professor trouxe uma reflexão importante. Atualmente, o mosquito Aedes albopictus está concentrado em ambientes como os fundos de vale, enquanto o Aedes aegypti é comumente encontrado na zona urbana. Por esse motivo, ele é altamente combatido e buscam-se sempre novas técnicas para a redução de sua população, inclusive de sua eliminação.
No entanto, se chegar a existir uma estratégia muito eficaz para esse combate, o comportamento do Aedes albopictus pode se alterar, uma vez que haverá um novo espaço, sem competição, para ele se propagar e, dessa forma, trazendo a transmissão de novos vírus para a população humana. Por isso, o monitoramento desses insetos é muito relevante, ajudando, inclusive, a entender seu comportamento.
E, claro, não cabe apenas aos cientistas encontrar soluções para essas problemáticas, mas também a sociedade, como um todo, agir de forma responsável e sustentável para com o nosso meio ambiente. O professor Zequi aponta três grandes erros cometidos pela população, que colaboram para o aumento e a propagação de arboviroses: aquecimento global, desmatamento e ocupação desorganizada com geração de resíduos que viram criadouros, bem como a descrença na ciência.
Já está mais do que evidente que não podemos ignorar o impacto das temperaturas elevadas e dos eventos climáticos extremos. De acordo com Zequi, levando em consideração o previsto no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), daqui algumas décadas, haverá o aumento significativo do dióxido de carbono (CO2), e que também haverá o aumento da umidade do ar. Esse é o cenário perfeito para a proliferação dos mosquitos.
Os estudos mostram que o mosquito reduzirá em torno de um dia o ciclo de vida dele. E quando a gente pensa em um dia, parece algo muito mínimo e irrelevante, mas não podemos tomar como referencial nossa expectativa de vida e desenvolvimento, mas sim o referencial dos insetos. Um dia a menos no ciclo de vida do mosquito é muita coisa! O ovo vai eclodir um dia antes do previsto, fazendo com que o mosquito tenha um dia a mais no ambiente, sendo capaz de veicular o patógeno para muito mais pessoas e botar muito mais ovos.
O impacto do desmatamento também não é mais uma novidade e é preocupante em relação às arboviroses. Muitos dos locais desmatados são ocupados de forma irresponsável, virando grandes áreas de depósito de lixo e propiciando novos criadouros para os mosquitos vetores de patógenos.
E, um ponto extremamente relevante tem sido a descrença na ciência. Temos presenciado uma onda forte de pessoas que têm duvidado dos avanços científicos, questionado o desenvolvimento de pesquisas e rejeitado novidades científicas, como por exemplo, novas vacinas.
Hoje em dia, os mosquitos vetores de patógenos estão muito mais resistentes a repelentes e inseticidas do que antes e também temos uma abundância de circulação de vírus da dengue maior. É possível existir a circulação de dengue tipo 1, 2, 3 e 4, ao mesmo tempo, acometendo mais facilmente as pessoas. Ainda assim, a aderência à mais recente vacina, que bloqueia os sintomas da dengue, é baixa e é questionada.
Por isso, é fundamental que a ciência não caminhe sozinha, que a sociedade ande junto, buscando a melhora do próprio meio. “A pesquisa nunca está fora da extensão. A extensão que eu levo lá pra sociedade, ela é o que melhor de pesquisa eu fiz e que pretende resolver problemas do nosso dia a dia. E isso envolve os alunos da universidade, que terão o melhor aprendizado no curso dele nesse aspecto, professores, que vão se envolver ainda mais e integrar com a sociedade no geral . Vamos todos receber os frutos da pesquisa e da ciência”, afirma o professor Zequi.
Ainda, para o professor, o monitoramento desses mosquitos não pode se limitar a apenas algumas regiões e localidades. Ele explica que os pesquisadores possuem o desejo de ampliar os impactos do projeto para a cidade de Porecatu, em uma área de assentamento. “Vamos trabalhar com monitoramento do Aedes com armadilhas e fazer pesquisa de vírus, além de também fazer a aspiração de mosquitos nessas áreas periurbanas. São áreas importantes, pois são de colonização urbana inicial, estando exatamente na fronteira entre a área urbana e o ambiente de mata”, conclui o biólogo.
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Mariana Manieri Pires Cardoso
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
Gostou do nosso conteúdo? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.