A pandemia do coronavírus foi um breve momento da história em que os humanos tiveram que se recolher para enfrentar e sobreviver a uma ameaça desconhecida e letal. Neste processo de isolamento social, as pessoas tiveram que criar estratégias para se manter distantes do espaço coletivo e de um possível contágio.
Muitos indivíduos passaram a fazer as refeições em casa e até exercícios, desenvolvendo novos hábitos alimentares e cuidando da saúde física e mental. Por ter que passar mais tempo nas suas residências, algumas famílias reformaram os espaços, adotaram pets ou adquiriram plantas, inclusive as medicinais.
Porém, esse cenário não se aplica a tudo, todos e todas. Teve gente que trabalhou muito na pandemia no esquema home office e surpreendeu.
Na Universidade Estadual de Maringá (UEM), um grupo de professores pesquisadores finalizou, em plena pandemia, a quarta edição, atualizada e ampliada, do livro “Plantas medicinais utilização e noções sobre o organismo humano”, organizado pelos professores Irenice Silva e Marcílio Hubner de Miranda Neto.
Editado em 2021, só agora a publicação está sendo lançada pela Associação dos Amigos do MUDI, o Museu Dinâmico Interdisciplinar, localizado no campus da UEM, no Norte do Paraná, responsável pela obra de divulgação científica que é amplamente aceita pela comunidade em geral.
Além de listar 48 tipos de plantas medicinais utilizadas no Estado, a publicação também traz o emprego, cuidados e compostos químicos presentes nas drogas vegetais, bem como as devidas formas farmacêuticas, uso dos fitoterápicos e benefícios para o organismo humano. Muitas das plantas você encontra nos espaços públicos e nem se dá conta do poder curativo de algumas espécies.
A primeira edição saiu em 1995, a partir da demanda gerada pelo “Novo Currículo Básico para as Escolas Públicas do Paraná”, que ofereceu aos professores do ensino básico e superior de diversas áreas da ciência o convívio em atividades interdisciplinares. Assim, nasceu o projeto do livro organizado pelo MUDI e, até hoje, segue na sua missão de ampliar o conhecimento científico produzido na universidade.
O MUDI tem 35 anos de experiência no ensino de Ciências da Natureza e suas novas abordagens de propostas curriculares mostra a sua relevância para a sociedade com essa nova edição do livro sobre plantas medicinais.
Modismo que sempre volta
O interesse pelas espécies medicinais também foi sentido por quem está diretamente envolvido com o seu cultivo, especialmente nos momentos de crise.
Noemi Pelisson é agrônoma formada pela UEM, com mestrado em Genética e, atualmente, trabalha como viveirista, produzindo mudas e cultivando várias plantas medicinais, além de ser voluntária no MUDI no cuidado dos canteiros com várias dessas espécies na sede do museu.
Noemi conta que a utilização de plantas medicinais caiu no gosto da população durante a pandemia, quando muitas pessoas passaram a buscar na fitoterapia formas de combater não só os sintomas da Covid-19, como também para cuidar da saúde mental.
“No começo, quando não sabíamos quase nada sobre o coronavírus, as pessoas procuraram muito capim cidreira nas hortas comunitárias para acalmar os nervos”, lembra Noemi. Outras plantas também estiveram no radar da população como o boldo e erva de santa maria, especialmente, das pessoas mais idosas, que ainda mantêm o hábito de cultivo e consumo.
Há mais de uma década que Noemi está envolvida com o cultivo de plantas medicinais. Filha e neta de pequenos agricultores rurais que cultivavam canteiros de várias espécies, ela cursou Agronomia para aprender como cuidar de plantas ornamentais, sua paixão desde criança. “Foi através da influência de uma professora que pude perceber, na verdade, a importância que as plantas medicinais teriam no meu futuro profissional”, rememora.
Foi a então professora de Agronomia da UEM, Maria Eugênia da Silva Cruz, renomada especialista em plantas medicinais e no controle fitossanitário alternativo por meio da sua utilização, quem reorientou o caminho de Noemi. Pioneira das hortas comunitárias em Maringá, Maria Eugênia mostrou para Noemi nesse universo em que até hoje ela coloca em prática toda a experiência adquirida ao longo dos anos.
“Com a internet, há muito conteúdo explicando como cultivar e consumir com segurança os derivados das plantas medicinais, o que revela um interesse cada vez maior por essa cultura que é a busca da cura por meio das plantas”, enfatiza Noemi.
Com o avanço das pesquisas para a aplicação das fitoterapia como forma de tratamento alternativo à alopatia e homeopatia para diversas doenças, mais pessoas, muitos jovens, começam a se dar conta que é um bom negócio para a saúde do corpo, mente e do bolso. Investir no cultivo doméstico de algumas espécies para fazer infusões, chás e emplastros como os antigos nos ensinaram abre nossas possibilidades de cura.
“As mudas podem ser adquiridas nos viveiros ou hortas comunitárias e cultivadas nos quintais, nas sacadas dos apartamentos, nas calçadas ecológicas e, até, num jardim vertical”, explica Noemi. Algumas são mais fáceis de cultivar, outras exigem maior cuidado e atenção, mas sempre é bom ter algumas à mão para uma emergência.
Plantas Medicinais x Tecnologia
Poucas pessoas sabem, mas o Paraná é o maior produtor da América Latina de camomila, erva anual que é produzida com temperaturas médias abaixo dos 30ºC e umidade relativa do ar elevada. Poderoso anti-inflamatório e calmante suave, a camomila exportada é cultivada nos arredores de Mandirituba, região metropolitana de Curitiba.
Na época de floração, entre a primavera e verão, as lavouras da erva atraem turistas de várias partes do país. É o Caminho das Camomilas, que, a cada ano, leva milhares de pessoas que se encantam com o festival de cores e aromas. Além das propriedades terapêuticas, a cultura também estimula o desenvolvimento territorial sustentável, o turismo local, a prática de atividade física, a inclusão social, bem como valoriza a agricultura familiar e seu modo de vida.
Ainda nesse segmento, o Paraná é o maior produtor nacional de plantas medicinais. Segundo os dados de 2021, do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, são 154 municípios paranaenses envolvidos na produção das espécies potenciais, medicinais, aromáticas e condimentares, atendidos com assistência técnica do IDR-Paraná.
Apesar de todo o conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico, por que as plantas medicinais ainda não estão sendo ofertadas em sua variedade pela atenção básica na Saúde Pública?
A professora aposentada de Farmácia da UEM, Adriana Meyer Albiero, responde essa questão. “O grande desafio do SUS {Sistema Único de Saúde] é ter matéria prima suficiente para a produção em escala industrial para atendermos a demanda dos medicamentos fitoterápicos”. O xarope de guaco, com eficácia comprovada como expectorante e broncodilatador, conseguiu furar essa bolha. Tornou-se economicamente viável e, hoje, é receitado e distribuído gratuitamente nas farmácias das Unidades Básicas de Saúde (UBS).
E não é por falta de opções. São muitos os produtos desenvolvidos por pesquisadores paranaenses que foram patenteados e estão sendo produzidos em escala industrial. Um exemplo vem da UEM, onde o fruto da árvore da romã, chamada Punica granatun, resulta num fitoterápico indicado para estomatites e serve como alternativa para contornar problemas com toxicidade e custo dos agentes disponíveis para o tratamento.
Há outra hipótese para a ausência das plantas medicinais no SUS. Na década de 70, em plena ditadura militar, o lobby da indústria farmacêutica venceu a disputa com as drogas vegetais. Quanto mais as políticas públicas priorizavam investimentos em tecnologia, mais as plantas medicinais eram deixadas de lado.
Mesmo com a aplicação comprovada pelos pesquisadores, a lista de espécies que são aprovadas pelas autoridades sanitárias é ínfima perto da variedade que a natureza nos oferece. São 64 espécies de plantas naturais e exóticas adaptadas que não precisam de registro como medicamento. E mesmo as que integram a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), ainda não encontraram respaldo do mercado de medicamentos e cosméticos.
Mas como elas ainda resistem no tempo como alternativa aos fármacos sintéticos?
Adriana relembra uma tese de um antigo professor da Universidade Federal do Ceará, Francisco José de Abreu Matos, que dizia que “a população de baixa renda sobrevive e cura seus males e doenças com as plantas medicinais. E esta é a maior prova de que elas funcionam”. Na década de 80, Matos foi o idealizador e pioneiro nos projetos Farmácia Viva, que, até hoje, manipula e oferta fitoterápicos aos usuários dos serviços de saúde em algumas regiões do país.
Não deixa de ser uma dura verdade a tese do professor Francisco. Em muitos estados brasileiros, o uso para curar enfermidades e doenças, além de rituais de religiões de matriz africana, persiste desde tempos imemoriais na cultura popular, ignorando qualquer intervenção contrária, ou seja, a vontade do mercado.
É preciso entender que o uso de plantas medicinais atravessa séculos, desde o começo da colonização no Brasil. Os portugueses chegaram trazendo na mala as ervas que usavam para as doenças comuns nas viagens de navio, como vômito, diarreia, o que somado ao conhecimento dos indígenas sobre as plantas nativas resultou em novos cultivos e práticas de cura.
“E foi assim que aconteceu essa integração quando os africanos chegaram, depois os europeus, os asiáticos, resultando numa miscigenação de técnicas e adaptação de cultivo para as espécies exóticas”, assinala Adriana. A arruda, por exemplo, veio com os negros e foi completamente incorporada aos processos de cura e tratamento no Brasil.
Por tudo isso, é bem interessante perceber que ainda há interesse pelas plantas medicinais, mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico e digital que vivenciamos. Tudo graças à obstinação de pesquisadores, docentes e viveiristas, que insistem em perpetuar a cultura da cura pelas plantas.
E a quarta edição do livro Planta Medicinais vem em boa hora para consolidar uma tradição em nosso país e manter os canteiros de plantas medicinais no MUDI à disposição para visitação.
Estamos esperando você!
Para saber mais sobre os usos das plantas medicinais, ouça o podcast com diversas espécies produzido pelo Conexão Ciência, o C².
Glossário
Alopatia – Medicina tradicional que consiste em utilizar medicamentos que vão produzir no organismo do doente reação contrária aos sintomas que ele apresenta, a fim de diminuí-los ou neutralizá-los.
Fitoterapia – Estudo das plantas medicinais e suas aplicações na cura das doenças. Os medicamentos fitoterápicos são preparações elaboradas por técnicas de farmácia, além de serem produtos industrializados.
Homeopatia – Sistema de tratamento clínico-terapêutico que consiste em tratar doenças por doses muito pequenas (infinitesimais) de drogas capazes de produzir efeitos semelhantes aos sintomas das doenças que se pretende combater.
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Texto: Silvia Calciolari
Revisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Isadora Monteiro
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: