Que tal viver num mundo zero-carbono e, pasmem, inteligente?

Esta é a proposta do NAPI Energia Zero Carbono ao desenvolver tecnologias baseadas em fontes limpas e renováveis para a autogeração

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Não deve demorar muito para que tenhamos condições de usufruir de inovações tecnológicas para a geração de energia sem emissão de gases de efeito estufa, que os cientistas definem como Energia Zero Carbono (EZC).

Mas o que é o conceito zero-carbono?

É o princípio em que na geração de energia elétrica não há emissão de nenhum gás de efeito estufa como, por exemplo, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), ou outro gás que possa atacar a camada de ozônio da atmosfera. Neste conceito, há fontes de energia para a produção em escala, como a fotovoltaica (ou solar como é conhecida), eólica, hidrelétrica, biomassa, energia das marés, energia geológica, entre outras.

É claro que, pela nossa vontade, a transição dos combustíveis fósseis teria que ser para ontem, ou até anteontem. Ainda mais num contexto de emergência climática e seus dramáticos impactos. Mas o tempo da ciência é outro. E a boa notícia é que a cada dia as pesquisas avançam e inovam nas várias fontes sustentáveis para promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental em bases sustentáveis.

É preciso abrir um parênteses aqui, antes de continuar. 

A energia nuclear também não emite carbono na geração, mas os riscos na sua produção e os perigos para o meio ambiente não compensam. Isso porque a ideia central desse conceito é neutralizar as emissões e compensar possíveis impactos ambientais. 

Parênteses devidamente fechado. Em frente.

Inovação e Pesquisa

O Paraná sempre esteve na vanguarda quando o assunto é energia renovável. Tanto que um grupo de pesquisadores está reunido numa rede multifacetada e multidimensional, que busca soluções tecnológicas para resolver a questão da geração de energia sustentável, inteligente e chamar atenção para o seu uso racional. 

A rede está vinculada ao Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) que conta com fomento da Fundação Araucária e apoio da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). 

“O NAPI Energia Zero Carbono reúne os interesses de pesquisadores paranaenses que trabalham com o tema energia, mais especificamente as energias inteligentes”, explica o coordenador da rede, professor de Física, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Ivair Aparecido dos Santos

Energias inteligentes, no inglês smart energy,  são aquelas que pensam todo o processo de geração, transmissão e distribuição de energia de forma que ele seja ambientalmente amigável e economicamente sustentável. O objetivo é melhorar a eficiência no setor energético, principalmente por meio do uso de fontes de energia renováveis, seja pela indústria, consumo residencial ou mesmo individual.

“E quando a gente fala nas tecnologias de geração zero-carbono, entra um conceito interessante que é você gerar a sua própria energia. Então, a autogeração de energia é algo que pode ser explorado e, hoje, você já tem muitos dispositivos, muitos gadgets, que os jovens usam que geram sua própria energia”, complementa Santos.

O coordenador do NAPI Energia Zero Carbono é o professor da UEM, Ivair Aparecido dos Santos (Foto/Arquivo Pessoal)
🎙️ O professor Ivair, que  há 20 anos faz pesquisa aplicada no viés da sustentabilidade, reforça a importância da responsabilidade do cientista no desenvolvimento de projetos tecnológicos e inovadores

A ideia de autogeração de energia é antiga e um exemplo é o relógio automático. O professor traz o exemplo do relógio do ‘vovô’: uma vez que você usa o relógio, não precisa de bateria. “Ele [o relógio] não pode ficar parado, que aí não funciona. Enquanto você está usando, ele está se autocarregando, digamos assim, de uma maneira muito simples”, detalha. 

A proposta do NAPI é levar esse conceito para outros dispositivos, que geram energia enquanto a pessoa está se movimentando ou fazendo barulho, por exemplo. “São diferentes fontes que você tem na natureza e que permitem o reuso dessa energia, ou seja, usar a energia da maneira mais inteligente possível”, completa. 

Empreendedorismo

Outra inovação é que o NAPI EZC não se resume apenas a resolver questões do tema sustentabilidade e uso racional de energia. Seus articuladores pretendem incorporar a cultura do empreendedorismo ao trabalho dos pesquisadores. 

“Nossa ideia é dar suporte, criar novas maneiras de ofertar uma formação diferenciada aos nossos alunos para que eles pensem a tecnologia de dentro para fora da universidade. Esse é um dos eixos principais do NAPI, além daqueles tradicionais de produzir conhecimento científico, de fazer desenvolvimento tecnológico”, ressalta Santos. 

Quem participa do NAPI Energia Zero Carbono? Um dos principais requisitos é ter a vocação para a inovação tecnológica aliada à sustentabilidade. 

São grupos de alunos, professores e pesquisadores da Física, Química, das Engenharias, como Mecânica, Civil e de Produção. “Nós temos também economistas trabalhando, porque uma vez que a gente trabalha com empreendedorismo, isso também é importante”, salienta o coordenador. 

Atualmente, integram a equipe do Novo Arranjo pesquisadores da UEM, Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). Como entidades parceiras do sistema federal de Ensino Superior, participam a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Instituto Federal do Paraná (IFPR).

São 35 doutores nessas áreas que trabalham em 16 programas de pós-graduação distintos espalhados pelo Paraná. O NAPI é responsável por orientar 48 bolsistas de Iniciação Tecnológica, com mais 20 bolsas entre Mestrado, Apoio Técnico e Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT2).

Muitos dos pesquisadores, alguns com mais de 20 anos de estudos como o coordenador Ivair Aparecido dos Santos, já fizeram ou fazem parte das incubadoras tecnológicas universitárias. Além disso, a rede também trabalha com o Terceiro Setor, promovendo a integração de empresas de base tecnológica, as chamadas startups, com viés similar. 

Assim, o NAPI espera difundir a cultura empreendedora e ser uma alternativa de geração de novos negócios, empregos e renda para todos os envolvidos. 

Filme fino e transparente

São várias frentes de pesquisa que integram o NAPI Energia Zero Carbono, sempre com o apoio dos parceiros. De todos os produtos que compõem o seu portfólio, uma patente em especial, de um material que pode ser empregado na construção de painéis solares, chamou atenção do Conexão Ciência – C². 

Fomos conversar com o professor e pesquisador da Unicentro, Valdirlei Fernandes Freitas, que deu detalhes do projeto de uma nova geração de célula fotovoltaica, desenvolvido em parceria com a UEM. 

“Comecei a trabalhar com um composto a base de ferro, é um óxido de ferro e bismuto. Isso no meu segundo ano da graduação, por volta de 2004, 2005, quando investigávamos esse material em busca de uma outra solução tecnológica voltada para o armazenamento de informações”, relembra Freitas. No mestrado e doutorado, ele continuou a buscar uma espécie de ‘fator de memórias’ para compor o projeto. 

Valdirlei Fernandes Freitas é professor de Física da Unicentro (Foto/Arquivo Pessoal)
🎙️Como cada um de nós pode ser uma pessoa zero-carbono? O professor Valdirlei Fernandes Freitas nos responde a essa questão mostrando como os cientistas podem ajudar nessa missão possível

Foi quando, em 2013, surgiu uma nova vertente de aplicação desse material a partir da emergência das células solares de perovskita, um mineral de óxido de cálcio e titânio descoberto em 1839. O professor explica que essa tecnologia chamou a atenção porque demonstrou uma elevação da eficiência muito rápida, em pouquíssimo tempo. Em apenas cinco anos de pesquisa, o índice passou de 14% para 23%.

Freitas relembra que, coincidentemente, os óxidos que ele trabalhava tinham a mesma estrutura da perovskita. “Isso nos chamou a atenção e tivemos a curiosidade de investigar se os nossos materiais também não teriam respostas fotovoltaicas”.  E o que parece mágica, mas na verdade é pura ciência, foi comprovado que, de fato, havia uma resposta fotovoltaica associada a esse material desenvolvido. Foram necessários quase sete anos para sintetizar o produto e transformar num filme fino para poder montar os dispositivos com as ‘Células Fotovoltaicas e Ferroelétricas’ desenvolvidas no Paraná.

Para se ter uma ideia da espessura do material, os filmes finos são depositados sob um substrato numa camada muito, muito fina, algo em torno de 100 a 200 nanômetros, ou um bilionésimo de um metro. Ou seja, extremamente fino. “Ele é tão fino que fica transparente”, alerta.

Segundo Freitas, as respostas fotovoltaicas satisfatórias renderam aos grupos de pesquisa da Unicentro e UEM a carta patente em 2022: “Foram quase 20 anos de pesquisa para chegar nesse momento”. 

Com o avanço dos estudos, a ideia dos pesquisadores é integrar tecnologias EZC a de pequenos dispositivos do nosso dia a dia, das empresas, das soluções tecnológicas em hospitais, para que esses aparelhos contemplem uma ‘inteligência’ para autogeração e uso racional de energia.

O mineral ‘perovskita’ foi descoberto nos Montes Urais localizado na Cordilheira de montanhas da Rússia, na divisa com o Cazaquistão, pelo mineralista alemão Gustav Rose em 1839. Deve o seu nome ao renomado mineralogista russo Lev Perovski (1792-1856), à época uma personalidade do Império Russo (Fonte/Wikipédia)

Afinal, como assinala o professor da Unicentro, ao invés de você carregar uma bateria ou trocar uma pilha, é possível ter uma tecnologia agregada a esse dispositivo que vai carregá-lo quase que constantemente. “Essa é a ideia fundamental por trás do NAPI, pois não buscamos somente fontes de alta potência, mas sim fontes que possam ser empregadas para a autogeração”.

Foco na sustentabilidade

Outro projeto que merece destaque no NAPI Energia Zero Carbono, entre tantos, é o de reciclagem de baterias desenvolvido por pesquisadores da UEL, sob a coordenação do professor Alexandre Urbano

O grupo de Londrina encontrou uma solução para um potencial problema ambiental no futuro que é o acúmulo de baterias usadas. A proposta é o desenvolvimento de novas baterias, recarregáveis e ambientalmente amigáveis com emissão zero-carbono desde a produção, utilização e posteriormente descarte e reciclagem. 

Toda pesquisa acontece numa empresa na Incubadora Internacional de Empresas de Base Tecnológica da UEL (INTUEL), a BRTech, que tem o  professor Urbano como co-fundador. 

Sempre amparados no conceito da sustentabilidade, são várias as soluções para a geração zero-carbono e o uso racional de energia. De geladeira ao ar condicionado, passando pelas áreas da Saúde e Recursos Humanos, tudo está sendo desenvolvido dentro do conceito ESG, do inglês Environmental, Social and Governance, ou seja, a governança ambiental, social e corporativa.

Para acelerar este processo, com este viés forte de devolver para a economia paranaense novos negócios, o NAPI EZC proporciona construir estratégias para a inovação e o empreendedorismo. “É um caminho que está sendo aberto com muita chance de sucesso de alavancar esta conexão com o resultado da pesquisa básica, o desenvolvimento tecnológico e a geração de negócios, inovação e empreendedorismo”, finaliza o coordenador do Novo Arranjo, Ivair Aparecido dos Santos. 

Como vemos, a ciência tem dado a sua contribuição ao longo do tempo para combater os impactos das mudanças climáticas. A eficiência energética é a chave para a sustentabilidade e o uso racional de energia. 

Sabemos que a mesma mão que polui o planeta, é a que pode salvar. Cada um pode ser um agente de mudança. 

Nesse sentido, o C² preparou o podcast Conexão Eficiência Energética em que o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), James Alexandre Baraniuk, fala do projeto de extensão junto às crianças e adolescentes de escolas públicas do Paraná. O objetivo é despertar a consciência para o consumo responsável e o desperdício zero, seja em energia, água ou mesmo resíduos. Dê um play e saiba como você pode ser um cidadão com hábitos sustentáveis.

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Texto:
Silvia Calciolari
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Maysa Ribeiro
Arte: Any Veronezi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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