Quem são os pesquisadores do Brasil?

A imagem é uma colagem digital de uma mulher negra com expressão séria, usando uma blusa de textura laranja. Ele faz gestos com as mãos, segurando letras, com fundo abstrato em tons de laranja, verde e amarelo. Elementos texturizados e formas geométricas completam a composição artística.
Promover e celebrar a pluralidade na Academia é uma urgência

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Você já se perguntou qual é o processo para uma data tornar-se um feriado? 

Para que isso aconteça, é necessário que exista um procedimento legislativo. No Brasil, os feriados de ordem nacional são instituídos por leis federais sancionadas pelo chefe do Executivo, nesse caso, o Presidente da República. Já os feriados estaduais ou municipais são definidos por assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais, respectivamente. 

De maneira geral, quem apresenta a proposta de um feriado são deputados, vereadores ou, ainda, a demanda popular. Essa proposição tem como objetivo destacar a importância histórica, religiosa, ou cultural de uma determinada data. 

Foi este o caminho para que o Dia 20 de Novembro se transformasse no Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A data marca e rememora a morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola brasileiro. 

A proposição desse dia partiu, originalmente, há mais de 50 anos através do grupo porto-alegrense Palmares. A ideia foi concebida por Antônio Carlos Côrtes, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes e Ilmo da Silva, fundadores do grupo Palmares.

A imagem em preto e branco mostra cinco pessoas negras – quatro mulheres e um homem – reunidas em torno de uma pequena mesa, em um ambiente fechado, possivelmente uma sala de reunião ou café. As expressões sérias e concentradas indicam que estão em uma conversa importante, provavelmente sobre questões sociais ou políticas. Uma das mulheres faz anotações em um bloco, enquanto as outras escutam e observam atentamente.
Reunião do Grupo Palmares realizada em 1972 (Foto/Galeno Rodrigues – Agencia RBS)

Entretanto, somente no fim do ano de 2023, o feriado foi sancionado a nível nacional pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando-se a Lei Federal 14.759/2023, válida em todo o território nacional.

Quando uma data torna-se feriado, ela tem sua importância tanto simbólica quanto social reforçada. Isso porque ela reflete acontecimentos históricos, culturais ou religiosos que são significativos para um país, promovendo a reflexão sobre determinados temas e mobilizando celebrações, atos comemorativos ou mobilizações sociais. Ela reforça a identidade e a memória coletiva de um país. Nesse caso, promove a valorização da cultura afro-brasileira, os debates sobre racismo e justiça social, além da formação da identidade do povo brasileiro. 

Pesquisadores paranaenses 

A marcação de uma data, como um feriado, embora tenha um valor simbólico, não pode restringir-se aquele dia. Os debates e a luta por políticas de igualdade racial devem ser pautas de todos, ao longo de todo o ano. 

Dentro da Academia não poderia ser diferente. A beleza da pluralidade das salas de aula e espaços de pesquisa precisa ser celebrada. Pesquisadores, cientistas, docentes e acadêmicos negros e negras enriquecem dia após dia os ambientes das nossas universidades. E, por isso, também é uma urgência que essas pessoas ocupem cada vez mais espaços como esse. O número ainda é muito pequeno comparado quando pensamos em um cenário de igualdade.

Esse trabalho de excelência vem sendo realizado por profissionais como os pesquisadores: Claudemira Vieira Gusmão Lopes, Dejair Dionísio e Rita de Cássia dos Anjos.

A imagem apresenta um infográfico com três pesquisadores negros de universidades do Paraná e breves descrições sobre suas formações, atuações acadêmicas e áreas de pesquisa.
Dra. Claudemira Vieira Gusmão Lopes: Graduada em Biologia, mestre em Ciências do Solo e doutora em Agronomia. Docente da UFPR, integra grupos de pesquisa sobre genética, ancestralidade africana e popularização da ciência. Participa de projetos voltados à inclusão de mulheres nas ciências.
Dr. Dejair Dionisio: Mestre e doutor em Letras, com foco em literatura afro-brasileira. Docente na Unicentro, colabora com estudos afro-brasileiros e indígenas. Recebeu prêmios em reconhecimento à sua atuação.
Dra. Rita de Cássia dos Anjos: Graduada e doutora em Física, com pós-doutorado em Ciências Exatas. Docente da UFPR, coordena projetos de pesquisa em física de altas energias. Premiada em iniciativas de mulheres na ciência.

Claudemira Vieira Gusmão Lopes

Claudemira Vieira Gusmão Lopes é pesquisadora e docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e leciona em Licenciatura em Educação do Campo Ciências da Natureza. Além disso, integra o Grupo de Pesquisa ErêYá, no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná (NEAB) e o Projeto Meninas e Mulheres nas Ciências (MMC). Claudemira também integra o Programa Interinstitucional Ciência Cidadã na Escola (PICCE), do NAPI Paraná Faz Ciência.

Dentre os principais enfoques do seu trabalho, estão a divulgação científica e popularização da ciência, divulgando o trabalho de cientistas negras e produzindo materiais (livros, artigos, oficinas e palestras) problematizando o racismo estrutural, institucional e científico, e também o preconceito, a discriminação e o machismo. A professora explica que um de seus principais objetivos é promover uma educação antirracista. 

Além disso, Claudemira se dedica a pesquisar o papel da Ciência Cidadã na formação de professores da Rede Pública. Para isso, ela elabora materiais didáticos que possam ser usados por crianças do Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio.

Claudemira atua ainda na pesquisa e divulgação científica de pesquisas sobre o  DNA de populações afrodescendentes e outras populações negligenciadas para entender a relação entre alguns genes e determinadas doenças como diabetes e hipertensão. De acordo com a professora, “a raça ainda é usada politicamente para naturalizar e legitimar as desigualdades sociais em que vive a população negra no Brasil, inclusive no campo da saúde. Por isso, produzo livros, cartilhas, folders e outros para divulgar as pesquisas que interessam à população negra”.

A professora argumenta que a academia é eurocêntrica e ainda perpetua valores coloniais, não reconhecendo outros saberes produzidos por populações não europeias.  “Penso que quando a academia inserir em seu escopo as propostas decoloniais ou anticoloniais, em suas diversas expressões teremos um pensamento crítico que nos permita entender a especificidade de nossas sociedades”, destaca.

Dejair Dionisio

O pesquisador Dejair Dionisio é docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), onde atua nos cursos de Letras. Recebeu o prêmio de honra ao mérito Zumbi dos Palmares do Núcleo de Estudos Afro Asiáticos/NEAA e do Movimento de Estudos da Cultura Afro-brasileira/MECAB em 1995. Além disso, foi um dos brasileiros honrados com o Prêmio Zumbi dos Palmares, edição 2011 e da Homenagem de Honra ao Mérito de 13 lideranças negras da Cidade de Londrina/PR, em 2021. 

As pesquisas e produções de Dionisio abraçam, principalmente, a literatura afro-brasileira – essa, que o professor explica como sendo um ‘devir’. “A literatura afro-brasileira ainda é um devir, porque ela está na Universidade por força de lei 10.639 de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história de África e dos valores civilizatórios, da diáspora africana, compreendendo o Brasil e compreendendo os demais países onde nós tivemos a escravidão negra, pensando nos 54 países africanos”, explica.

O professor ressalta que a motivação das suas pesquisas é, para ele, uma recomendação espiritual para registrar sua história e a dos seus. “Eu penso muito no Baobá, na representação do Baobá. Quando essa árvore morre é como se toda a ancestralidade tivesse morrido com ela, daquela comunidade”, reflete o pesquisador. 

A importância das pesquisas, para o professor de Letras, está em fortalecer aquele que é o berço da humanidade: a matriz africana. De acordo com o Censo de 2022, 55,5% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. Ainda assim, essa é a parcela da população mais minorizada e invisibilizada, com pouquíssima representação em cargos de poder, poder monetário e, também, com poucos espaços dentro da Academia.

Rita de Cássia dos Anjos

Já a pesquisadora Rita de Cássia dos Anjos é astrofísica e docente do departamento de Engenharia e Exatas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e, além disso, trabalha como uma das coordenadoras do NAPI Fenômenos Extremos do Universo

Rita é uma pesquisadora que trabalha com os olhos voltados para o Universo: sua área de estudo é a física de altas energias, ou astronomia multimensageira, ou seja, estudar tudo que envolve as partículas de altas energias, como os prótons. Dentro dessa área, a professora também integra o projeto multinacional Cherenkov Telescope Array (CTA), um observatório que está sendo construído para observação de raios-gama. 

A astrofísica ainda se destaca pelos prêmios que recebeu: em 2020 venceu o prêmio Programa para Mulheres na Ciência; em 2022 conquistou o prêmio Anselmo Salles Paschoa; e, em 2023, recebeu o Prêmio Carolina Nemes que reconhece mulheres físicas que contribuem para a área no Brasil. 

Em relação aos desafios da Academia, a professora aponta, principalmente, as consequências que temos vivenciado nesse período pós pandemia em relação ao fortalecimento das fake news. “Estamos vendo um enorme desenvolvimento da ciência,  desenvolvimento esse que gera novas tecnologias e que gera conhecimento. Aí, de repente, nos vemos discutindo que a Terra não é plana… A gente se pergunta às vezes: onde estamos indo?”, questiona.

Além disso, a professora aborda sobre a evasão dos jovens do ambiente universitário que apresenta números significativos pós-pandemia. Para Rita, alguns dos motivos podem ser a necessidade de uma reformulação na metodologia tradicional de ensino além de maiores incentivos – como aumento das bolsas de fomento para estudantes que precisam delas para manterem-se dentro da Academia. 

Para seguir pesquisando

A literatura pensada e produzida por pesquisadores e pesquisadoras negros e negras é vasta e multidisciplinar. No que concerne às pesquisas ligadas a racialidades, gênero e sexualidades, o pesquisador da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Andrey Gabriel Souza da Cruz, explica que “uma vez que começamos a entender que existe uma vasta produção de conhecimento oriunda de corpos e narrativas diversas, passamos a ter a convicção de que existem formas outras de ver e entender o mundo”.

Andrey Cruz é graduado em História (licenciatura) e Comunicação e Multimeios pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e mestre em Educação também pela UEM. Atualmente integra a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).

Cruz representa uma nova geração de pesquisadores que está ocupando, de maneira enriquecedora, os espaços acadêmicos e produzindo pesquisas que atravessam diferentes temáticas pertinentes à contemporaneidade. Para dividir um pouco mais sobre a sua pesquisa, o autor preparou uma curadoria de autores que integram seu material de pesquisa.

A imagem apresenta uma curadoria de livros selecionados por Andrey Gabriel Souza da Cruz, mestre em educação, para enriquecer pesquisas sobre questões de raça e sociedade. O design inclui cinco capas de livros destacados: "O perigo de uma história única" de Chimamanda Ngozi Adichie, "O pacto da branquitude" de Cida Bento, "Memórias da plantação" de Grada Kilomba, "Racismo recreativo" de Adilson Moreira e "O diabo em forma de gente" de Megg Rayara Gomes de Oliveira.

No que diz respeito à pesquisa e ao consumo de autores como os listados acima, Andrey complementa: “Eu gosto muito da bell hooks, quando ela fala que a pesquisa é também um lugar de cura […] Para além de me enriquecer no sentido de ampliar a minha visão e de ampliar os meus conceitos, me enriquece também nesse lugar de aconchego, de pesquisar e conseguir ir me curando”.

ABPN e a formação de uma rede 

Quando falamos em pesquisa nacional é mais do que fundamental citar o trabalho da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). A ABPN foi fundada em 2000 e se configura como uma organização sem fins lucrativos e apartidária que se destina à defesa da pesquisa acadêmico-científica – e também de outros espaços – realizada, prioritariamente, por pesquisadores negros e negras.

A Associação tem como principal interesse debater e difundir temas de interesse direto das populações negras do país, além de temas importantes para o desenvolvimento sócio-político e cultural da sociedade brasileira. 

Andrey, pesquisador associado à ABPN, comenta que para ele estar na ABPN é como sonhar e poder me imaginar. “Isso porque eu vejo inúmeros corpos que são parecidos com o meu, corpos que são atravessados pelas mesmas questões e vivências, então eu me vejo e me reconheço”, reflete.

Alguns dos objetivos da Associação são promover conferências, reuniões, cursos e debates no interesse da pesquisa sobre temas de interesse direto das populações negras no Brasil; possibilitar publicações de teses, dissertações, artigos e revistas; manter intercâmbio com associações congêneres do país e do exterior; além de propor medidas para a política de ciência e tecnologia do país.

Afinal: quem são os pesquisadores do Brasil?

A Academia é plural – é preciso que ela seja. Essa é uma urgência. Pesquisadores e pesquisadoras negros e negras ocupam as mais diversas áreas nas universidades em todo o território brasileiro. Ao longo de todo o ano, esses pesquisadores lecionam, pesquisam, divulgam a ciência e produzem materiais que enriquecem o conhecimento científico do país.

Mas ainda ocupam poucos espaços.

É uma urgência que todos nós lutemos e que faça parte das pautas ao longo de todo o ano a presença cada vez maior de pessoas pretas ocupando as cadeiras das universidades, cargos de docência e espaços de pesquisa.

Claudemira, Dejair, Rita e Andrey são alguns dos rostos dos pesquisadores do Brasil, nas diferentes áreas de pesquisa: Biologia, Letras, Física e Comunicação. Eles são os pesquisadores do Brasil. 

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Texto:
Camila Lozeckyi
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Camila Lozeckyi
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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