Se o cinema nos ensinou algo, é que a tecnologia pode desafiar as barreiras do que hoje é considerado impossível. Desde os óculos de realidade virtual de Matrix até os comunicadores avançados de Star Trek, a ficção científica sempre imaginou um futuro onde a ciência e a inovação estariam ao alcance das mãos. Mas e se esse futuro já estivesse acontecendo?
A medicina sempre foi uma arte moldada pelo tempo e pela distância. No passado, o socorro dependia da proximidade do curandeiro, do médico ou do hospital mais próximo. Hoje, essa distância se dissolve no ar, atravessa continentes e conecta profissionais de saúde em tempo real, como se o especialista estivesse ao lado do paciente.
Em Granada, na Espanha, Carlos Edmundo Rodrigues Fontes, pesquisador brasileiro e professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), está protagonizando essa revolução, trazendo a realidade aumentada para o atendimento médico e desafiando os limites da distância e da ciência.
O avanço da telemedicina tem sido uma das maiores transformações no campo da saúde. Tecnologias que antes pareciam distantes ou restritas a laboratórios, agora estão sendo implementadas no dia a dia dos profissionais médicos. A possibilidade de atender um paciente remotamente, com o suporte de dispositivos de realidade aumentada, representa um passo significativo na democratização da saúde, garantindo acesso rápido a diagnósticos e intervenções, independentemente da localização geográfica.

Uma jornada de pesquisa e inovação
O pesquisador, que também possui cidadania espanhola, está em Granada desde o último trimestre do ano passado e permanecerá até maio de 2025, trabalhando em conjunto com especialistas locais. A Universidade de Granada, com mais de 500 anos de história e uma forte tradição acadêmica, foi escolhida como parceira ideal para essa pesquisa, especialmente por contar com um dos maiores centros de simulação da Europa, o Instituto IAVANTE, líder em formação e avaliação de competências para profissionais de saúde.
Durante a entrevista, o professor Carlos destacou a importância do respeito à ciência na Espanha, onde a valorização do conhecimento cria oportunidades para pesquisadores. Ele ressaltou que, ao se apresentar como pesquisador, percebe um genuíno interesse das pessoas em seu trabalho. “Quando você diz que é pesquisador aqui, as pessoas realmente querem saber o que você pesquisa”, afirmou. E esse reconhecimento está diretamente ligado à tradição científica do país.
Ele também refletiu sobre sua trajetória e a motivação que encontrou ao longo desta pesquisa. “Tenho 32 anos de UEM. Quer dizer, estou no topo da minha carreira, daqui a pouco vou me aposentar. Então, me encontrar na posição em que estou hoje e me sentir motivado a continuar, é muito bom. Foi uma injeção de ânimo muito grande, sabe? Algo que veio só a acrescentar para mim. E poder, de repente, desenvolver alguma coisa que servirá para as pessoas… Isso é muito legal”, destacou.
A realidade aumentada como ferramenta médica
O uso de óculos de realidade aumentada na saúde não é uma novidade, mas sua aplicação para atendimentos de urgência e emergência é algo pioneiro. O dispositivo permite que um especialista visualize, em tempo real, o que um profissional de saúde está enxergando em uma situação de atendimento. Além disso, o especialista pode fazer marcações na tela, indicar procedimentos e orientar a equipe local.
“A grande questão era saber se a distância influencia na qualidade do atendimento, devido ao possível delay1 na transmissão de dados”, explicou o pesquisador. Para testar essa hipótese, ele conduziu um experimento entre dois continentes, conectando médicos no Brasil e na Espanha. “No fim do ensaio, percebemos que a distância não é um obstáculo. Conseguimos realizar diagnósticos à distância de forma eficaz.”
Os testes foram realizados em um dos centros de simulação mais avançados da Europa, com manequins que imitam condições reais de traumas e emergências. As imagens captadas pelos óculos foram enviadas a especialistas a quilômetros de distância, que puderam avaliar os casos e dar orientações precisas sobre o tratamento adequado. Os resultados foram surpreendentes, abrindo novas perspectivas para a integração da tecnologia com a prática médica.
Testes e implementação no Brasil
Segundo o pesquisador, a tecnologia já está em teste na Universidade Estadual de Maringá, inclusive no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Um dos principais objetivos é utilizá-la em locais remotos onde há escassez de especialistas, permitindo que médicos de referência auxiliem atendimentos urgentes a quilômetros de distância.
No experimento realizado, dois casos clínicos foram analisados: uma criança vítima de acidente de trânsito e um motociclista com trauma torácico. Nos dois casos, o especialista à distância foi capaz de fazer diagnósticos precisos e indicar procedimentos essenciais, aumentando significativamente as chances de sobrevivência dos pacientes. Os testes mostraram que a tecnologia pode ser fundamental para agilizar a tomada de decisões e reduzir erros médicos.
Desafios e perspectivas futuras
Agora, a pesquisa avança para a etapa clínica. Após uma fase completamente experimental, os testes serão aplicados diretamente em pacientes. “O que é lógico, tem que passar por uma parte experimental, porque se você vai fazer em seres humanos, não tem como sem testar antes de maneira simulada. É antiético”, explica o pesquisador.
Entre os primeiros projetos clínicos já em desenvolvimento está a prevenção de trombose venosa profunda, utilizando os óculos para monitoramento e diagnóstico precoce. Além disso, outros estudos estão sendo preparados para aplicar a tecnologia na assistência de pacientes politraumatizados. A ideia é que, em breve, a ferramenta esteja plenamente inserida no dia a dia da medicina, não apenas como um suporte à decisão médica, mas como parte essencial de protocolos emergenciais e hospitalares.
“Não adianta você ter uma tecnologia e isso não servir para ninguém. Se é publicado e fica em uma estante, não adianta, você não resolve nada”, conclui o pesquisador. Com esse espírito, a pesquisa segue avançando, sempre com o objetivo de levar soluções concretas para a prática médica e melhorar o acesso à saúde.
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Texto: Jéssica Cafisso e Guilherme Nascimento dos Santos
Revisão de texto: Silvia Calciolari
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de Arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Nascimento
Glossário
- Delay: atraso e diferença de tempo entre o envio e o recebimento de alguma informação. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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