Falar sobre saúde do homem ainda é uma questão muito restrita à campanha do Novembro Azul, que tem como objetivo conscientizar a população masculina em relação aos cuidados com a saúde e a importância da realização dos exames de prevenção contra o câncer de próstata. Mas, não é o que deveria acontecer apenas em um mês, não acha? Saúde é algo a ser discutido regularmente, e, de quebra, é um tema que não deveria ser acompanhado por estigmas.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), homens vivem cerca de 7,1 anos a menos do que mulheres, sendo a taxa de mortalidade maior em praticamente todas as faixas etárias. Uma pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) revelou que 46% dos homens, acima dos 40 anos, vão ao médico somente quando apresentam algum sintoma.
É o que também ressalta a professora da Universidade do Norte do Paraná (Uenp), Natália Guerra, que lidera as atividades de ensino, pesquisa e extensão do projeto de saúde do homem na Clínica de Enfermagem da Universidade do Norte do Paraná (Uenp), localizada na cidade de Bandeirantes. “Nós vemos que homens acima de 40 anos ainda têm muito desse distanciamento da atenção básica, porque ela é o local de prevenção e de promoção de saúde. O homem acaba indo para a atenção secundária, quando a dor se torna insuportável. Ele vai para um pronto socorro e, geralmente, quando chega, a doença já está em um estado mais avançado”.
A professora traz alguns pontos que influenciam nessa baixa procura dos homens por atendimento médico. Um deles é a oposição entre masculinidade e feminilidade, e a criação dos papéis de gênero que circulam na sociedade em que o cuidado geralmente é associado como sendo uma característica das mulheres, seja cuidando de si ou de sua família. Já aos homens, cabe a eles serem provedores do lar, que trabalham a todo momento e não têm tempo para deveres que podem comprometer essa função.
“É comum a mulher fazer os seus exames preventivos no mínimo uma vez ao ano. Agora, o homem não. Às vezes ele marca e não aparece. Ou ele vem para fazer a triagem, mas não vem para fazer a coleta de sangue. Então, percebemos bastante esse contraste também”, relata Natália.
Vencer estereótipos
Muito relacionado a tudo isso, ainda entra o problema da masculinidade tóxica, que define um conjunto de regras que determinam comportamentos específicos esperados de indivíduos do sexo masculino. A docente da Uenp explica que, por conta da criação desses estereótipos, o homem sente que precisa se mostrar forte a todo momento. “Vários homens pensam que têm uma força inabalável e que, se ficarem doentes, quer dizer que não são fortes. Então, assim, existe muito aquela coisa do ‘quem procura, acha’. Eles têm muito disso e acabam não procurando ajuda médica.”
O erro está exatamente aí, pois é necessário sim ir ao médico, tanto para a realização de exames preventivos e uma análise da saúde em geral, quanto para o tratamento de uma possível patologia. Muitas doenças são silenciosas, ou seja, o indivíduo pode até não sentir nada no começo, porém, a doença está se espalhando pouco a pouco, e, após um determinado período, ela se agrava.
As doenças cardiovasculares e o diabetes são um exemplo disso, além de também serem duas das principais causas de morte entre os homens, ao lado do câncer. “No caso das doenças cardiovasculares, a pessoa não sente nada, mas pode vir a ter um pico de hipertensão e sofrer um aneurisma, por exemplo. Ou ela tem um infarto fulminante. Já no diabetes, a pessoa fica com hiperglicemia durante muito tempo, também sem sentir nada. Isso pode causar trombose, lesões no rim, cegueira, gangrena, que pode levar a amputação de membros do corpo”, alerta a pesquisadora.
Fumar, ingerir álcool em excesso, sedentarismo e exagero em sal e alimentos gordurosos, falta de atividade física estão entre as principais causas para os problemas de saúde, segundo a professora Natália. Deixar hábitos como esses de lado, assim como visitar regularmente o médico e realizar check-ups são fundamentais para a prevenção.
No entanto, há sempre exceções. O biólogo Luiz Felipe Machado Velho, de 58 anos, é um exemplo. Ele busca não estar dentro das estatísticas apresentadas acima, nem ter hábitos que são considerados prejudiciais à sua saúde. “Em geral, me preocupo em ter uma boa alimentação e fazer atividade física todos os dias”, conta.
Normalmente, o Luiz vai por conta própria ao médico, sem precisar que outras pessoas deem um “empurrãozinho” e, todo ano, faz um check-up mesmo sem aparecer nenhum sintoma ou indício de doença. Ele tem a preocupação e tem em sua mente que se tiver algum problema, fazendo isso, as chances de se recuperar e ter um tratamento eficiente são maiores.
Inclusive, o temido exame de próstata também já foi realizado pelo biólogo, que, desde os 50 anos, vai ao urologista fazer o acompanhamento, não só sobre a próstata, mas sim do sistema urinário como um todo.
Como pontuado anteriormente, o caso do Luíz não entra na porcentagem de homens que deixam para se tratar tardiamente, que são muitos ainda. Os esforços para a reversão desses números vêm aumentando. A pesquisadora Natália Guerra reforça que, para isso, é essencial ter uma campanha que seja contínua para homens, como uma extensão do Novembro Azul, e que o homem se sinta acolhido dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS). “Hoje, a maioria das UBS são voltadas à mulher e à criança, que são prioridades desde a criação do SUS. Então, é importante que o homem tenha um local que ele sinta acolhido e que ele tenha profissionais de saúde capacitados para atender.”
Horários flexíveis
O Brasil, por exemplo, possui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), que foi instituída em 2009 e tem como objetivo promover ações de saúde voltadas para a população masculina, buscando prevenir doenças e proporcionar um melhor acesso aos serviços de saúde.
As propostas de ações da PNAISH coincidem com parte do trabalho que a professora Natália realiza junto de seus alunos e demais profissionais da saúde nos atendimentos na Clínica de Enfermagem da Uenp. Ou seja, da mesma forma que o programa do governo brasileiro “Saúde na Hora” funciona ao ampliar o horário de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde em certos municípios, os atendimentos da Clínica também são estendidos e mais flexíveis, para que os homens consigam se consultar quando não estiverem trabalhando.
“É importante que as UBS tenham horários de atendimento alternativos e que não coincidam com os horários de trabalho, porque, normalmente o homem só vai para a atenção secundária em saúde por não achar atendimento na atenção primária. E esses horários diferenciados precisam ser feitos o ano inteiro, não só no mês de novembro.”
Além do mais, a equipe do projeto da Uenp oferece orientações para a comunidade sobre a importância e a necessidade dos cuidados com a saúde. Dessa forma, o desenvolvimento de trabalhos como esse acabam gerando vínculos entre população masculina e unidades de saúde, com foco na conscientização e promoção da saúde dessas pessoas.
Ficou interessado (a) no tema desta matéria? Você também pode se aprofundar mais lendo o texto sobre o câncer de próstata e, claro, ouvindo os episódios do podcast do C² que reúne informações dos exames essenciais para a saúde do homem.
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Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: