Uma das questões que provocaram o C² a contar a história do Programa “Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade” – Sisbiota BRASIL foi uma frase repetida por Koen Martens, um dos pesquisadores estrangeiros que participaram da iniciativa e esteve visitando, recentemente, o Brasil.
O cientista do Royal Belgian Institute of Natural Sciences e professor da Universidade de Ghent, ambos na Bélgica, disse que “quem não conhece, não preserva”. Por isso, estava muito satisfeito de ter feito parte do Projeto Sisbiota, coordenado pelos professores Fábio Amodêo Lansac Tôha e Luiz Felipe Machado Velho, do Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura, da Universidade Estadual de Maringá (Nupélia/UEM). “Há dez anos, a iniciativa vem produzindo conhecimento fundamental para o Brasil com os dados captados entre 2010 e 2015. Por isso, estamos trabalhando para que seja reeditado”.
O Sisbiota é, na verdade, uma iniciativa nacional que foi criada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), em 2009. O desafio à comunidade acadêmica foi feito com o objetivo de alcançar novos patamares para a pesquisa sobre a biodiversidade brasileira.
“A ideia era ampliar a competência técnico-científica e a abrangência temática e geográfica das pesquisas em biodiversidade no Brasil, incrementando a capacidade nacional de gerar conhecimento em escala e de modo mais convergente e articulado, com maior aporte de recursos para pesquisa, formação de recursos humanos e estruturação de base de dados e de informações sobre a nossa biodiversidade.” Este trecho de texto está no site do CNPq, descrevendo a iniciativa.
Já naquele momento, o Conselho reconhecia que havia lacunas de conhecimento sobre o tema, apesar de o Brasil ser considerado o número um, quando se fala em biodiversidade no mundo. Era preciso conhecer “os vários impactos e ameaças que têm provocado perdas da biodiversidade em todos os biomas brasileiros e os compromissos assumidos pelo país como signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica”.
Por outro lado, pesaram também as demandas de conhecimento para a conservação, o uso sustentável e a repartição de benefícios sobre a diversidade de vida no país. Enfim, a questão levantada por Koen Martens, que é preciso conhecer para conservar. O Programa, então, levou em consideração as diretrizes e objetivos para a Política Nacional de Biodiversidade (Decreto 4339/2002) e o Plano de Ação de Ciência e Tecnologia 2007 – 2011. Este último, “considera a biodiversidade como área estratégica e ressalta o potencial da pesquisa nesta área para a valoração e a conservação do patrimônio natural, mantendo em vista ações de desenvolvimento que visem à sustentabilidade ambiental”.
Recursos
Como parte dessa estratégia, houve uma articulação com os Estados, por meio das Fundações de Amparo à Pesquisa – FAPs, com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que se traduziu em uma aliança de financiadores.
O edital para a participação foi lançado em 2010 e ficou por conta do CNPq. A Chamada do Conselho sugeria a apresentação de propostas “para fomentar e ampliar os conhecimentos sobre o patrimônio biológico natural do Brasil e melhorar a capacidade preditiva de respostas às mudanças globais, particularmente às mudanças de uso e cobertura da terra e mudanças climáticas, associando as pesquisas à formação de recursos humanos, educação ambiental e divulgação do conhecimento científico”.
Os recursos financeiros obtidos da articulação somados aos investidos do CNPq e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), garantiram ao Edital R$ 44,4 milhões. R$ 27,4 milhões saíram de fontes federais e os restantes R$ 17 milhões de 13 FAPs.
O Edital recebeu 218 propostas, totalizando R$ 187,3 milhões, das quais o Comitê Julgador selecionou 81. Mas, por somarem R$ 93,2 milhões, superaram o valor disponível para o Edital, obrigando o CNPq a aprovar as mais qualificadas. Ao final, com os R$ 44 milhões disponíveis, foram contratadas 39 propostas, cada uma delas constituindo uma rede de pesquisa, integradas por 249 instituições, sendo 34 delas estrangeiras.
Números
Um grupo de pesquisadores apresentou os números impressionantes que foram produzidos pelo Programa, no I Seminário de Avaliação de Políticas de C&T, uma iniciativa do CNPq e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). O evento, realizado em 2018, em Brasília, na sede do CNPq, teve o intuito de promover a discussão sobre a avaliação de políticas de CT&I e era voltado para pesquisadores, profissionais e gestores.
De acordo com o artigo Impactos do Programa Sistema Nacional de Biodiversidade – SISBIOTA Brasil, as pesquisas envolveram: inventários padronizados; mapeamentos da distribuição de espécies; descrição de novas espécies; revisões taxonômicas1; história natural, ecologia e conservação; padrões e processos biogeográficos2; estudos de genética de populações e filo3/biogeografia4; e estudos genômicos.
O levantamento da biodiversidade revelou a descoberta de, pelo menos, 509 novas espécies, entre fungos, líquens, invertebrados e vertebrados, além de centenas de outras em fase de descrição, sem contar com o registro de novas ocorrências e ampliação da distribuição geográfica de várias espécies.
Entre as conclusões apresentadas pelos oito autores do artigo está a de que “a primeira edição do Programa foi bem sucedida na caracterização da biodiversidade e dos ecossistemas, com predominância de estudos em “Unidades de Conservação de Proteção Integral”. Mas, o artigo alerta que é necessário, ainda, “uma melhor compreensão de vetores humanos de impactos e das relações entre biodiversidade e bem-estar humano”.
O trabalho de avaliação apresentado no Seminário ainda destacou que o conjunto das redes de pesquisa criadas pelo Sisbiota Brasil envolveu um expressivo número de profissionais, de diferentes áreas e instituições, com grande impacto na formação de pessoas. Foram cerca de 3 mil participantes, entre eles 1.648 alunos e bolsistas; 1.301 pesquisadores e colaboradores; e 46 técnicos, entre outros tipos de colaboradores. Foram financiados 944 bolsistas, sendo 825 pelo CNPq, dos quais 53 de Pós-Doutorado Júnior, 146 de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial, 267 de Iniciação Científica, 339 de Apoio Técnico, 3 de Extensão no País e 17 de Apoio Técnico em Extensão no País.
Pela CAPES, foram financiados 119 bolsistas, dos quais 78 de mestrado, 24 de doutorado e 17 de pós-doutorado. Essas bolsas envolveram 47 diferentes cursos de pós-graduação no País, em nove grandes áreas do conhecimento. Em quase todas as modalidades, o número total de bolsistas mulheres foi superior ao de homens, indicando que esta ação contribuiu para um importante avanço da participação das mulheres no campo das ciências, com potencial para a continuidade de suas carreiras.
O Sisbiota do Nupélia/UEM
Um dos projetos que compuseram o “Programa Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade” – Sisbiota Brasil foi coordenado pelo Núcleo de Pesquisas em Limnologia e Aquicultura, da Universidade de Maringá (UEM). A proposta “Biodiversidade e Ecologia de Diferentes Comunidades Aquáticas em Quatro Importantes Planícies de Inundação Brasileiras” concorreu ao Edital 47/2010 e recebeu financiamento do CNPq e Fundação Araucária (PR). A FAP do Paraná investiu R$ 400 mil do total de R$ 800 mil, que foram aplicados em 36 meses. Em resumo, a iniciativa mobilizou 28 pesquisadores e 60 alunos de graduação e pós-graduação de várias instituições.
A equipe foi composta por parceiros nacionais (UFG, UFMS, UFT, INPA e UnB) e internacionais (University of Ulm – Alemanha; Royal Belgian Institute of Natural Science (RBINS) e Ghent University – Bélgica; e University of Illinois – USA.
O objetivo foi ampliar o conhecimento sobre a biota, o papel funcional, uso e conservação da biodiversidade brasileira dos ecossistemas de quatro planícies de inundação brasileiras, abrangendo as comunidades aquáticas desde bactérias, algas e protozoários e até peixes e plantas encontradas nas planícies inundadas.
Conquistas da UEM
Um dos coordenadores do Sisbiota-Nupélia/UEM, Luiz Felipe Machado Velho, detalhou que “o projeto proporcionou a possibilidade da descrição de novos gêneros e espécies para a ciência. Isso tem permitido que a comunidade científica tenha cada vez mais informações sobre os padrões de biodiversidade de quatro dos maiores sistemas rio-planície de inundação da América do Sul”.
Além disso, a iniciativa permitiu a formação de novos pesquisadores de alto nível. Para os coordenadores, isso é extremamente importante. “O estabelecimento de intercâmbio com pesquisadores nacionais e internacionais, que foi proporcionado pelo Projeto, criou um vínculo entre esses cientistas que se mantêm até os dias atuais, gerando novos projetos de pesquisas. Nosso próximo passo é organizar um novo projeto para atualizar as informações e propor contornos inovadores para as ações de monitoramento e descrição na nossa biodiversidade”, promete Fábio Lansac-Tôha.
Afinal, como a reportagem diz, lá no início, é preciso conhecer para preservar.
Confira o complemento desta matéria que traz os detalhes sobre a participação da UEM no Sisbiota.
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Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Marjorie Gracino
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
Glossário
- Revisões Taxonômicas: fazer a revisão de todos os nomes científicos disponíveis para determinado grupo de seres vivos ↩︎
- Processos Biogeográficos: padrões de biodiversidade guiados pelas diferenças geográficas ↩︎
- Filo: categoria taxonômica que agrupa classes relacionadas ↩︎
- Biogeografia: é a ciência que estuda a distribuição dos organismos na Terra ↩︎