Tendência da estação: consciência e sustentabilidade

Escapar das armadilhas da fast fashion exige desapego e versatilidade; ou seja, moda consciente, a top trend de todas as estações

Elimine a primeira peça do guarda-roupa a mulher que, pelo menos uma vez por dia, não olha para a montanha de saias, calças, camisas, vestidos e blusas que teima em vazar pelas frestas da gaveta ou armário e, com ares de desespero, exclama: ‘cééus, não posso sair, não tenho o que vestir’! Pronto, caos instalado. A solução? Correr até a loja mais próxima e incluir ao já sufocado conjunto de roupas mais uma ‘brusinha’, desta vez daquela cor m-a-r-a-v-i-l-h-o-o-s-a, a única que faltava para completar o arco-íris de peças que colore o armário, a vaidade, os rios e condena o meio ambiente a uma vida de agonia sem fim. 

Se você não sabia, saberá agora: a produção daquela ‘brusinha’ marsala, cor até há pouco conhecida como marrom avermelhado, impacta tão seriamente a água de rios e lagos que deveríamos abolir roupas coloridas e vestir apenas roupas brancas. Esta é a sugestão da engenheira química e professora doutora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Rosângela Bergamasco, com vasta experiência na área de Engenharia Sanitária e Química, com ênfase em técnicas alternativas para o tratamento de águas. 

“Os processos clássicos de tratamento de efluentes têxteis, além de gastar bastante água, não conseguem remover completamente a cor. Quando essa água colorida cai em corpos receptores poderá ocorrer a eutrofização dos mesmos. Ou seja, a morte, causada pela baixa concentração de oxigênio na água e penetração de luz solar”, afirma a engenheira química.

Segundo Rosângela, as indústrias têxtil e de celulose e papel são as que mais poluem o planeta. Sim, mais do que a automobilística e a aeronáutica juntas. Isso significa que o hit do verão – calça de linho azul piscina e a ‘brusinha’ marsala – agride mais o meio ambiente do que o Airbus A380, o famoso superjumbo, que custou cerca de 12 bilhões de euros e demorou 10 anos para ficar pronto. Para piorar o tenebroso quadro, o perigo mora nas pequenas indústrias têxteis e seus frágeis controles de processos e de qualidade. 

De acordo com a professora, os microrganismos utilizados nos processos de clássicos de tratamento de efluentes, como uma lagoa, podem auxiliar na degradação dos componentes orgânicos ali presentes, mas a degradação dos corantes deixa a desejar. Vários corantes, vários químicos, várias impurezas, vários problemas. Limpar essa água colorida para reaproveitá-la ou descartá-la nos corpos receptores é caro, impactante e trabalhoso, mas necessário, possível e biodegradável. 

Rosângela Bergamasco, que pesquisa resíduos da agroindústria como aliados para limpar águas contaminadas (Foto/Maysa Ribeiro)

A boa notícia é que a solução para tão grande desafio está nos laboratórios onde Rosângela e alunos de pós-graduação da Engenharia Química pesquisam processos avançados para remoção de corantes utilizando resíduos da agroindústria, chamados bioadsorventes naturais. Um dos projetos, financiado pela Fundação Araucária por meio do Programa Institucional de Apoio à Fixação de Jovens Doutores chama-se “Desenvolvimento de bioadsorventes (resíduos agroindustriais) inovadores através da síntese verde e nanopartículas metálicas que promovam a recuperação ambiental”. 

Dá para acreditar que a palha de arroz, a moringa e cascas de soja, laranja, banana e linhaça, tão inofensivas, são poderosas inimigas da contaminação da água provocada pelos corantes químicos? Pois são. Poderosos e eficazes. Em contato com a água colorida, esses adsorventes aderem aos contaminantes por meio de suas características funcionais e passam a ser eles mesmos o resíduo a ser tratado. “Nosso trabalho transforma o grande problema – o corante em um corpo receptor – num problema menor – o resíduo que sobra da limpeza do corante. O que é pequeno é mais fácil de resolver”, simplifica Rosângela. 

Lado a lado com as pesquisas dos bioadsorventes, outra alternativa que nos permita continuar vestindo roupas coloridas sem sentimento de culpa são os corantes naturais como hibisco, cenoura e beterraba. “A indústria está atenta. Os corantes naturais colorem igualmente, mas ao contrário dos químicos, se degradam com maior facilidade. Acredito que seja este o caminho”, aponta a engenheira química.  

Alô, legisladores, tem recado para vocês

Rosângela Bergamasco e sua equipe preocupam-se não apenas com o impacto dos resíduos da indústria têxtil na água, mas também das indústrias farmacêutica e de pesticidas. Em relação a essa, de acordo com a pesquisadora, a legislação brasileira não é a mais rigorosa em relação aos mínimos permitidos, mas também não é a mais generosa, embora não tenha limites máximos. “Estamos no meio do caminho. Enquanto em países rigorosos o limite para determinado pesticida é x, no Brasil é 500x”, diz ela. Confesso ter perdido o interesse em saber o limite em um lugar de legislação generosa. 

Esse caminho do meio, sob as barbas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), exige cada vez mais produtos químicos para limpar a água que abastece casas, escolas, hospitais, empresas, indústrias e toda a vida social e econômica do país. Mesmo as localidades desprovidas de saneamento básico, e são muitas no Brasil, utilizam a água de rios, lagos e lagos, se não para abastecer-se delas, certamente para descartar resíduos de toda ordem. “A água que bebemos é a mesma que eliminamos pela urina, depois de tratada com enorme variedade de químicos. É bom lembrar disso”, adverte Rosângela.  

Fármacos e pesticidas são tecnicamente chamados de contaminantes emergentes e estão sendo estudados pela engenheira química no projeto “Desenvolvimento de membranas de PLA produzidas em impressora 3D e aplicação para a remoção de contaminantes emergentes”, também financiado pela Fundação Araucária por meio do Programa de Acolhida a Cientistas Ucranianos. 

Embora fora das linhas de pesquisa da Engenheira Química, a displicência que caracteriza o consumo de água no Brasil, deitado no esplêndido Aquífero Guarani e dono de 12% da reserva mundial de recursos hídricos, é preocupação constante da pesquisadora. Residente na França, onde cursou parte de seu doutorado, a prof. Dra Rosângela diz que brasileiros encontram dificuldade para alugar apartamentos no país porque sabem que usam muita água, seja para os banhos diários ou para a limpeza do imóvel. Uma curiosidade: os banheiros não possuem ralo, obrigando a limpeza com produtos químicos adequados para evitar o uso de água. Já no Canadá, onde também residiu três anos e meio para concluir o pós-doutorado, ela conta que há dia e horário para aguar o jardim, sob risco de multa a partir de denúncia que pode partir do próprio vizinho. No Japão, por sua vez, a saúde dos rios e lagos é garantida pela importação de frutas, prática que poupa o uso do solo e consequente – mas não obrigatória – disseminação de pesticidas, seguindo a lógica “para que poluir a própria casa se há quem o faça”? Ficam as dicas, deputados e senadores. 

Moda consciente é sempre sustentável? 

Pense rápido: o que é possível fazer com 10 mil litros de água? Saciar a sede de muita gente, claro. E fabricar UMA única calça jeans. Desde o cultivo do algodão, passando pela costura, tingimento e transporte até a arara da loja, é esse tanto, conceitualmente chamado “água oculta”, que significa toda a quantidade de água utilizada no processo de produção do bem ou serviço. Antes de desmaiar ao se dar conta de que possui uma piscina olímpica no guarda-roupa somando o volume de água pendurado nos cabides, comece a praticar os conceitos de moda consciente e moda sustentável, que vieram para ficar. 

“Moda consciente é reaproveitamento e reuso, características dos brechós. Moda sustentável segue as diretrizes dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) na produção, a fim de impactar minimamente o meio ambiente”, explica Talita Codato. 

Talita Codato, da TALC, conjuga moda consciente e sustentável ao comercializar peças seminovas e adotar práticas do Pacto Global, da ONU (Foto/Arquivo Pessoal)

Proprietária da TALC Moda Consciente e Sustentável, Talita conjuga os dois conceitos no agradável espaço localizado nas proximidades da UEM ao vender peças usadas e praticar 12 dos 17 ODS. Estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Agenda 2030, os ODS são um pacto global assinado durante a Cúpula das Nações Unidas em 2015 pelos 193 países membros que desdobra-se em 169 metas focadas em superar os principais desafios do desenvolvimento e promover o crescimento sustentável global até 2030. 

Engana-se quem pensa que os ODS exigem ações mirabolantes. No caso da TALC, o ar-condicionado ecológico, as embalagens que são compensadas pelo programa @eureciclo e a lavagem das roupas seminovas e usadas em lavanderias que utilizam sistemas inteligentes de lavagem – de preferência a seco -, são exemplos concretos de sintonia com o Pacto Global. “Procuro me certificar de todas as formas”, diz a cientista social que sempre gostou de moda e há quatro anos abriu a loja. 

A consideração ambiental da proprietária se reflete de maneira desproporcional na clientela. Segundo Talita, poucas são as clientes que se preocupam com a sustentabilidade. “A maior parte quer comprar um ótimo produto pelo preço que cabe no bolso”, afirma. E de que maneira a consumidora pode contribuir com o Pacto Global, mesmo sem saber? “Passando a peça para frente, alugando quando for possível, ajudando quem precisa, exercitando o desapego”, ensina ela. Depois do carro, a roupa é o bem de consumo que mais desvaloriza. Quanto mais tempo no armário, sem uso, mesmo com etiqueta, mais perde valor. 

De acordo com Talita, antes de comprar roupa, responda-se três perguntas básicas: o quanto é necessária, o quanto será usual e qual sairá para a nova entrar? “Esse hábito otimiza o guarda-roupa. A compra será pontual porque a pessoa conhece o que tem e se vestir será mais rápido e prático”. O pulo do gato, no caso, da gata, não é ter mais roupa, e sim conhecer o que possui, entender o próprio corpo, o estilo pessoal, a identidade e a imagem que deseja comunicar por meio da roupa. 

Portanto, para o bem do meio ambiente e tranquilidade do espírito, abuse das infinitas possibilidades que o seu guarda-roupa oferece antes de cair na tentação de comprar só mais uma peça. Se for irresistível, libere espaço para a nova desfazendo-se das usadas. E para dormir em paz, saia do brechó e plante uma árvore no entorno do primeiro rio que encontrar. 

Glossário

Adsorver: fixação de moléculas de um fluido a uma superfície sólida.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Juliana Daibert
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Roteiro do vídeo: Isadora Monteiro
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: