Imagine-se no ano de 5021 e algum cientista conseguindo fazer um smartphone do nosso tempo funcionar. Ele curiosamente vai acessar os aplicativos de mensagens e, com a tecnologia que tem à mão, vai conseguir recuperar todas as conversas que foram trocadas ali. Ele se depara, então, com imagens coloridas que são colocadas no meio e nos finais das frases.
Por vezes, a resposta da pessoa é apenas uma “bolinha amarela com gotas azuis saindo do que parece ser olhos”. “Estou desconfiado que isso seja um rosto humano e ele pode estar chorando, mas parece que está feliz também. É um choro de riso?”, questiona o cientista curioso. Em outra conversa, ele vê o que parece ser a representação de um carro do nosso tempo: “olha só, ainda tinha rodas!” Por fim, vê um rosto com uma máscara. “Acho que se refere àquele recurso que os indivíduos tiveram que usar em uma das primeiras grandes pandemias de Covid que enfrentamos”. Esses recursos imagéticos, que são chamados de emojis, e que, atualmente, usamos muito, são próprios do nosso tempo e é difícil especular até quando vamos usá-los.
Mas o que são fenômenos aparentemente recentes nas redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, e nos aplicativos de mensagens, como WhatsApp, guarda, na verdade, semelhanças com as mais antigas formas de se comunicar. Em um artigo do grupo de pesquisa em Comunicação e Multimeios, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, eles explicam que a comunicação por emojis é conhecida como pictográfica, ou seja, por imagens.
“Se rastrearmos antecedentes desse tipo de recurso, chegamos em manifestações como os hieróglifos egípcios”, explica o professor Tiago Lucena. A mesma especulação que o cientista do futuro fez sobre os significados dos emojis de hoje, nós fizemos com os hieróglifos – que são até mais fáceis de decifrar do que outras inscrições. Na verdade, o artigo remonta para um período até anterior, ao citar a pesquisa da paleoantropóloga canadense Genevieve von Petzinger, que identificou, há mais de 25 mil anos, inscrições em cavernas na Europa (pontos, linhas paralelas, triângulos e outras formas geométricas), que podem significar símbolos para comunicação. São inscrições gráficas que se repetem em diversas regiões e, inclusive, em objetos (adereços).
Saber exatamente o que significam é uma tarefa um tanto quanto difícil para nós que estamos dezenas de milhares de anos após, mas essas antigas inscrições são alvos de muitas teorizações e fomentam o campo da pesquisa e curiosidade, podendo representar o início de uma comunicação por imagens. Na cidade do Ingá, na Paraíba, uma parede de pedra com inscrições que ainda não foram decifradas abre especulações, inclusive, de que tenham sido feitas por outras civilizações e, até, por extraterrestres. Uma tal Maria dessa cidade (Ingá) teria inspirado a canção de Joubert de Carvalho, que deu nome a cidade de Maringá, no Paraná. “A pedra do ingá é, para nós, o que o smartphone será para o cientista no ano de 5021”, alerta o professor Lucena.
Estudar a história dos emojis é, então, estudar as formas que a linguagem adquiriu com o passar do tempo. É compreender o vínculo entre a forma que falamos com a cultura, com a economia e com a política. A própria linguagem escrita que temos hoje foi uma “evolução” da escrita pictográfica. As primeiras formas de escrita que temos notícia, se assim podemos dizer, estavam instaladas em paredes de cavernas – chamada de arte parietal. Quem quisesse acessar as informações contidas nelas, precisaria se arrastar por fendas, com ajuda de uma tocha, que consumia o ar da própria caverna, para ver e ler as imagens.
De tão complicadas, alguns teóricos afirmam que essas imagens estavam ligadas a alguma forma de ritual, ou representam estados alterados de consciência de quem as produziu. Muito provavelmente, os primeiros escritores/artistas estavam em estado de transe, porque o ar era rarefeito e, privada de estímulos sensoriais, a mente começa a “ver coisas”. Das paredes das cavernas, as imagens passaram para outros suportes – que podiam ser transportados. Então, a evolução da escrita também se liga ao suporte que se utiliza para transmitir informações.
Com o passar do tempo, pequenos blocos de argila serviram para guardar informação e eram mais facilmente transportados, podendo, a informação, circular de mãs em mão. Esses blocos são as primeiras mídias móveis (smartphones ancestrais). O surgimento da escrita cuneiforme está ligada, então, ao contexto da época, de uma sociedade mais complexa e organizada e que mantém relações com outros grupos e culturas. Os fenícios, grandes mercadores, precisaram padronizar a escrita e propuseram a escrita fonética, ou seja, escrita que representa sons. Com isso, podia-se dizer qualquer coisa, inclusive sobre coisas que não existem.
Alguns teóricos identificam que certo tipo de pensamento mais abstrato e lógico só pôde surgir com esse tipo de marcação. A esse código, com símbolos que representam os sons, dá-se o nome de alfabeto fonético e aprendemos sobre eles na primeira fase da nossa vida, em um processo de educação chamado de “alfabetização”. O alfabeto que temos em português, hoje, é uma variação dessa versão que foi adaptada para o grego e depois para o latim. A decodificação e interpretação dessas pequenas unidades de sons, que se combinam formando sílabas e palavras, é um poderoso recurso de linguagem.
Para o linguista Daniel Everett, no livro “Linguagem: a história da maior invenção da humanidade”, não pensamos nesse recurso como algo que foi aprendido, uma tecnologia que nos ajudou a moldar e a interpretar o mundo. Para diversos outros pesquisadores, incluindo clássicos do campo da Comunicação, como Mcluhan, a forma de se comunicar pela escrita, em especial a alfabética, que é essa que estamos usando aqui, deu condições para que a sociedade se organizasse de uma forma mais burocrática, documental e linear.
Usamos documentos, assinamos contratos, governos lançam decretos, leis estão documentadas, religiões se valem de livros e escritos, ou seja, nossa sociedade está imbricada com a técnica da escrita. Linguistas como Sapir-Whorf indicam que a nossa forma de pensar e perceber o mundo está atrelada ao domínio da linguagem. Para dar uma ilustração clara do debate que se acendeu nesse campo de estudo, basta nos perguntamos se “percebemos” a cor amarela porque temos uma palavra “amarelo” para se referir a ela. Será que se não tivéssemos uma palavra para uma cor, teríamos a noção clara de sua existência? Foi essa e tantas outras perguntas que lançaram pesquisadores de diversas áreas do conhecimento a investigar a linguagem e seus códigos – incluindo a “língua” digital – “falada” pelos computadores.
Para outros, porém, como o linguista e filósofo Noam Chomsky, a linguagem é inata ao homem, visto que temos condições genéticas para se comunicar por meio desses recursos abstratos. Outros discordam e buscam identificar outras espécies de animais que possuem recursos similares. “É um bom debate na comunidade científica, que nos faz revisar aspectos sobre a aquisição da linguagem, e toca em áreas como cognição, educação, filosofia, comunicação, linguística e neurociência”, destaca o professor Lucena.
A depender de como se classifica a linguagem, podemos pensar o que é comunicação e, com isso, compreender se outras espécies se comunicam, como se comunicam e o que podemos aprender com essas diferentes estratégias. “Isso interessa ao campo de estudos da comunicação. Aprender como o morcego se comunica e se move pode ajudar a criar tecnologias como a do sonar, por exemplo”, esclarece o docente e pesquisador da UEM.
Por isso, é interessante o movimento de estudar os emojis e compreender como afetam as comunicações. No grupo de pesquisa em Comunicação e Multimeios há estudantes pesquisando os memes, os stickers, os emoticons e os emojis. A pesquisa de iniciação científica da estudante Lara Arantes, do curso de Comunicação e Multimeios, busca analisar os memes sobre a vacinação de Covid-19, que podem ter funcionado como uma campanha não formal para que mais pessoas fossem se vacinar. Memes, emojis e figurinhas são recursos para uma comunicação dos afetos e das emoções e, por isso, não são ingênuos nos chats.
Quando combinamos palavras com emojis, criamos algo novo e interessante, um fenômeno de comunicação que merece mais atenção. Considerando que cada emoji tem um código único e é facilmente identificável entre as plataformas de computador (chamado de Unicode), pesquisadores têm se valido da enorme quantidade de dados produzidos pelos usuários para identificar padrões e reconhecer aspectos que eram desconhecidos do comportamento humano. “É como se pudéssemos fazer uma análise do sentimento de uma multidão de pessoas com base nos emojis que elas utilizam”, reforça Lucena.
Muitas pesquisas analisam os emojis que estão associados a um tema: lançamento de um filme, eleições em algum país, algum evento televisivo ou reações diante de uma campanha de saúde, por exemplo. Com base nos emojis utilizados e associados a um desses temas, os pesquisadores conseguem mapear o sentimento associado da população frente a cada um deles.
Numa pesquisa do mesmo grupo da UEM, que teve ajuda de alunos de iniciação científica do Ensino Médio do Colégio de Aplicação Pedagógica (CAP-UEM), cinco grupos de WhatsApp foram analisados durante um mês e, deles, foram selecionados apenas os emojis. Somente com base nestas imagens utilizadas com maior frequência, o grupo conseguiu inferir sobre o tipo de conteúdo que era trocado em cada um dos grupos (e-commerce, grupo de discussão de carros e grupo de discussão política).
Por fim, o que interessa destacar é que emojis são cápsulas de informações emocionais. Acreditamos que, por isso, o trabalho do cientista do futuro consiga identificar bem não só o que foi dito nas conversas, mas como estavam as pessoas que conversavam: tristes, felizes, apaixonadas ou com raiva. Com os emojis ele vai conseguir saber de aspectos mais subjetivos da comunicação escrita.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Rafael Donadio e Tiago Lucena
Degravação e edição de áudio: Isadora Hamamoto
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior