Um jeito de “falá” que é “loco de bão”

Palavras, expressões e gírias faladas no Paraná que revelam a variação linguística

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“Tava que nem tatu amarrado”, “Vá fuçá banhado!”, “Ficou tudo escafiotado”… 

Calma! Provavelmente, você não reconhece o sentido dessas e de outras expressões faladas no Paraná, como neste pequeno diálogo:

🎙️ Diálogo entre dois paranaenses, na voz de João Carlos da Silva Tinoco e Samuel Neres de Melo, graduandos do curso de Letras Português da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Apucarana

Se mesmo todos os paranaenses podem não reconhecer todas essas expressões, imagine quem vem de outros lugares do Brasil?

A professora Joelma Castelo Bernardo da Silva se mudou do Rio de Janeiro para o Paraná, em 2021, para dar aulas em Apucarana, no curso de Letras, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). No início, estranhou o sotaque do norte paranaense e, é claro, causou também estranhamentos com o seu falar carioca.

A imagem retrata o rosto de uma mulher jovem, de pele branca, com cabelos lisos, compridos e pretos, que está sorrindo para a câmera. Ela usa óculos de grau com armação preta e veste uma blusa de cor rosa escuro. O céu está ensolarado e a luz natural toca sua face direita. Ao fundo, há um lago e árvores.
A Profa. Dra. Joelma Castelo Bernardo da Silva, professora do curso de Letras Português da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), câmpus de Apucarana (Foto/Arquivo pessoal)

“Uma das expressões que mais ouvi e estranhei foi “capaz!”, e os vários sentidos dependendo da entonação”, disse a professora Joelma, pesquisadora em variação dos dialetos do Português do Brasil, dentro da fonologia prosódica e entoacional, que são áreas dos estudos linguísticos voltados para a fala e os sons da língua. É que além do uso literal de “ser hábil” ou “ter capacidade de”, a expressão “capaz” é bastante polissêmica.

O infográfico ilustra os vários sentidos que a expressão “Capaz”! tem no Paraná.

Mas se a língua é a mesma, por que há diferenças?

Podemos dizer que a língua portuguesa não é uma e sim várias! Há um mito de que a língua portuguesa seja uma só. Mas por que isso acontece? Essas diferenças são fenômenos chamados de variação linguística. Ela acontece porque a língua recebe influências em diversos níveis: da região do falante, do seu nível de escolaridade, da modalidade (oral e escrita), da situação discursiva (situações formais como o trabalho, e situações informais como uma roda de amigos), do gênero, da idade etc. E se o Paraná varia linguisticamente em relação a outras regiões do Brasil, imagine a língua portuguesa falada em outros países? 

“Passei quatro anos em Portugal e observei diversas diferenças entre a nossa variedade e a variedade lusitana. Lá, telefone é telemóvel; banheiro é casa de banho; suco é sumo etc. Algumas coisas até fazem confusão na nossa cabeça como, por exemplo, café da manhã ser pequeno almoço”, nos conta a professora Joelma, que é doutora em Linguística pela Universidade de Lisboa (Portugal). Atualmente, ela é pós-doutoranda na Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve o projeto de pesquisa “Percepção dos tipos frásicos no Português do Brasil”, no âmbito do projeto “Variação e fraseamento prosódico em Português”.

A imagem apresenta um diálogo entre dois paranaenses.

Falando especificamente da variação do tipo regional, podemos dizer que os falares de uma região costumam estar profundamente associados à sua história econômica e cultural. Em Ponta Grossa, no Paraná, no fim do século XIX, havia vias que ligavam a cidade aos grandes centros urbanos. Nessa época, a Estrada de Ferro do Paraná, que ligava a cidade ao Porto de Paranaguá, passando por Curitiba, e a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, dentre outras vias, representavam o principal entroncamento rodoferroviário da região Sul do Brasil.

Com a economia predominantemente rural e um forte contexto de imigração, além de tropeiros, nativos, fazendeiros e outros, costumes, valores e peculiaridades desse universo eram expressados pelos falantes. Por esse motivo, diversas pessoas com suas diferentes culturas incorporaram ao município diversas vozes. Mas, com o tempo, e sua infalível modernidade, muitos costumes morrem e, aos poucos, as expressões, muitas vezes metafóricas, que se originaram das práticas de produção e manejos de animais da época, foram se apagando. Por exemplo: 

“Não tem sabugo que tape!”

Essa expressão significa: “é um problema sem solução!”. Quando passamos a conhecer o contexto de sua criação, entendemos seu sentido. É que, antigamente, o porco era morto perfurando-se sua jugular até o coração. Quando o objetivo era estancar um pouco o sangue para que se pudesse  produzir o chouriço com ele, tampava-se o corte com um sabugo de milho. Se imaginarmos uma situação em que o corte foi feito muito grande e o sangue não parava de escorrer, mesmo tentando tapar com sabugo, teríamos um problema sem solução. 

Essas e outras expressões foram recolhidas e publicadas no livro “Jacu Rabudo”, bastante reconhecido na região de Ponta Grossa, por ser uma fiel representação da oralidade popular da cidade. O autor, o professor Hein Leonard Bowles, professor titular aposentado de língua inglesa, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), coletou dezenas de expressões típicas de Ponta Grossa. Confira as mais curiosas utilizadas no Paraná que selecionamos para você.

“- MEU JEITO DE FALAR É MAIS CERTO DO QUE O SEU!”

Que “indecente de feio” dizer uma coisa dessa! Como explica a professora Joelma, “o preconceito linguístico é uma forma de julgamento linguístico baseado na existência de uma suposta variedade “superior” ou melhor que as demais. Carlos Alberto Faraco, grande sociolinguista paranaense, chama de norma ‘curta’ orientações linguísticas deturpadas, prega que a língua é uniforme e homogênea”.

Linguisticamente, não há língua pior nem melhor, nem errada nem certa. “Se falamos que determinada variedade é “errada”, estamos desvalorizando o próprio português do Brasil, formado por um mosaico de variedades cultas e populares”, defende a professora Joelma. O que acontece são jogos de força de identidade. “Essa língua é a minha, e me representa!”. Todos nós precisamos nos identificar com um grupo e nos sentir pertencentes a algo maior, e a língua nos dá esse sentido. Por isso, o buraco sempre é mais embaixo, porque o preconceito costuma, na verdade, estar relacionado à pessoa que fala, e não à fala em si.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Patricia Ormastroni Iagallo e Sabrina Mendes Heck
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

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