A segunda gravidez de Aline Thomé, uma paranaense de Maringá, foi uma batalha. A esteticista descobriu que o filho que carregava no ventre, o Emanuel, tinha um problema no coração. A má formação estava associada à Trissomia do Cromossomo 21, mais conhecida como Síndrome de Down. Os médicos descobriram um “defeito” no septo ventricular, isto é, não existia divisão entre os compartimentos do coração e o sangue venoso se misturava com o arterial. Por isso, ele iria precisar de uma cirurgia.
Aline já sabia da importância da amamentação. Já havia travado uma luta para conseguir amamentar a primeira filha, Ester, e tinha consciência de que seria muito importante criar esse hábito na vida de Emanuel também. Outro desafio se aproximava, porque, além do problema cardíaco, as chances do Emanuel ter dificuldade na amamentação eram maiores, porque a Síndrome de Down causa flacidez muscular no corpo e no rosto da criança, dificultando a extração do leite pelo recém-nascido.
Por outro lado, Aline tinha consciência de que amamentar seu filho com o leite humano era essencial. Primeiro, porque além de exercitar a face do Emanuel, o leite materno possui muitos benefícios imunológicos para o bebê. “Vi que a amamentação seria muito importante para o desenvolvimento da face do Emanuel, porque o trabalho motor ao mamar colabora no desenvolvimento dentário e na fala”, relata Aline.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as mães ofereçam, exclusivamente, leite materno para seus filhos durante os primeiros seis meses de vida do bebê. Isso porque o leite humano possui todos os nutrientes e anticorpos essenciais até essa fase, além de prevenir infecções respiratórias e alergias.
Saiba quais são os outros benefícios da amamentação para o bebê e para a mãe.
Emanuel nasceu no dia 11 de outubro de 2020 com os problemas já relatados acima e mais: um quadro de pressão pulmonar alterada, que o fez ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ali começou a receber leite materno por uma sonda. Aline ordenhava o próprio leite, ou seja, o extraía e estocava, para estimular a produção. Porém, como Emanuel nasceu em meio à pandemia, não foi mais possível ofertar a ele o leite da própria mãe. “Comecei a estocar o leite, tirei todo meu colostro [definição no fim do texto] e fui armazenando… mas aquilo me machucava muito, porque pensava que não estava dando o colostro para o meu filho, o privando deste benefício”.
Um dia, enquanto estava na UTI, a mãe de Emanuel notou algo ainda mais angustiante: a coloração do leite que estavam dando para o filho dela parecia muito branca. Ao conversar com o hospital, disseram-lhe que o banco de leite estava com estoques em baixa e, por esse motivo, começaram a dar fórmula (definição no fim do texto) para o bebê. Rapidamente, Aline expressou seu desejo de voltar a oferecer o leite dela para Emanuel, mas o pedido foi negado pelos médicos que, mais uma vez, usaram como argumento a incapacidade dos bancos de leite e a pandemia da Covid-19.
Foi então que Aline entrou em contato com Christyna Beatriz Genovez Tavares, coordenadora do Banco de Leite Humano (BLH), do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM), ligado à Universidade Estadual de Maringá (UEM). A esteticista descobriu que, ao contrário do que lhe foi dito, o BLH não estava com estoque tão baixo e que o hospital poderia solicitar o envio de leite materno para o Emanuel. “Esse período foi bem conturbado, porque fomos conversar com os médicos e acabamos nos desentendendo um pouco, já que eu queria dar leite humano ao meu filho, o que era direito nosso e dele. Fomos orientados pela Bia para pedirmos ao pediatra que fizesse uma prescrição de leite humano e, desse modo, conseguimos que o hospital ofertasse o produto enviado pelo Banco de Leite ao Emanuel”.
A coordenadora do BLH também pediu para que Aline enviasse o colostro que havia guardado para o HUM, para que a equipe pudesse pasteurizá-lo e devolvê-lo para a mãe oferecer a Emanuel. “Fui super acolhida, o Banco de Leite me pegou no colo, especialmente, naquele momento difícil, pelo qual eu estava passando”, comenta Aline.
Para a mãe de Emanuel, o Banco de Leite se torna essencial em situações críticas. Ele garante a alimentação de bebês que, por algum motivo, não podem recebê-la diretamente da mãe. A equipe trabalha na coleta, pasteurização e distribuição de leite, prioritariamente, para oferecer a prematuros e bebês de baixo peso que não sugam e estão internados em UTI.
“Durante todo esse processo, são tomadas precauções de higiene para garantir a segurança dos envolvidos e, em meio à pandemia, os cuidados sanitários foram redobrados: as funcionárias usam todos os equipamentos de proteção individual, máscaras, aventais e luvas. Ao retornarem ao BLH, os frascos são higienizados e, se a doadora apresentar algum sintoma de Covid-19, a coleta é suspensa até que seja feito o diagnóstico, e o leite é descartado”, destacou a coordenadora Beatriz Genovez Tavares, que dá mais detalhes sobre o BLH do HUM, no áudio abaixo.
Após 15 dias na UTI, Emanuel foi para o quarto. Outro desafio começou: prepará-lo para a cirurgia no coração, que não era necessária de imediato. Os médicos recomendaram esperar alguns meses já que, quando o bebê nasce, a pele do coração é muito fina. A partir dos quatro meses, o tecido conjuntivo ganha uma resistência maior, facilitando a cirurgia. Nesse meio tempo, Aline precisaria amamentar Emanuel para que ele ganhasse peso.
A maior questão era que, ao amamentar diretamente no peito, Emanuel cansava muito, devido ao problema cardíaco. “Se ele ficasse o tempo inteiro só no peito, cansaria muito, perderia peso, e não conseguiria pesar o necessário para a cirurgia”, relata Aline.
Nada a impediu de amamentar Emanuel com o leite humano e a criatividade foi colocada em prática. Ao sair da UTI, Emanuel estava com uma sonda nasogástrica, um tubo fino e flexível, que é colocado no hospital desde o nariz até ao estômago, e que permite manter a alimentação e a administração de medicamentos em pessoas que não conseguem engolir ou se alimentar normalmente. Aline, então, extraía o leite, ofertava por meio de um processo chamado de relactação (veja no vídeo abaixo) para o filho mamar o que conseguia, e o restante passava pela sonda. Assim, ele recebia o volume que precisava: 90 ml, a cada 3 horas.
Mais obstáculos
Para tornar a situação mais crítica, durante os cinco meses de espera da cirurgia do Emanuel, Aline passou por dois episódios de atonia uterina, que ocorre quando o útero não se contrai o suficiente, fica volumoso e dentro se acumula sangue coagulado. Foi necessário fazer duas curetagens (definição no final do texto) para estancar o sangue. Com tudo isso, a produção de leite dela acabou diminuindo. A ajuda veio do Banco de Leite Humano. “Como o BLH precisa atender toda a região, não havia muito leite sobrando, porém, o que conseguiam, arrumavam para mim. Ficava o dia inteiro ordenhando, tirava o meu leite e complementava com o leite do banco para ofertar para o Emanuel”.
No quinto mês de vida, a situação do menino piorou, a condição cardíaca dele chegou ao limite. Precisou de respiração artificial, a saturação caiu abaixo de 70% e a saída foi uma internação em Londrina, a fim de fazer a cirurgia, que correu com sucesso. De maneira surpreendente, um dia após o procedimento, Emanuel já foi extubado e, após seis dias, saiu da UTI, sem complicações.
“Logo que ele chegou no quarto, veio para o meu colo e começou a se esfregar no meu peito, com saudade. Mantivemos o processo da relactação, com a presença de uma enfermeira, durante todo o período de internação de Emanuel. Segundo os médicos, foi uma recuperação inacreditável. Com dez dias pós-cirúrgicos fomos para a casa sem a sonda”, comemora Aline.
Mesmo se exercitando pouco na extração do leite, toda a musculatura facial e pulmonar de Emanuel se fortaleceu, colaborando no preparo físico e imunológico para a cirurgia. Inacreditavelmente, no oitavo mês, Emanuel já tinha força para mamar certinho, sem precisar de outros artifícios, diretamente no peito, contribuindo para que a produção de leite de Aline aumentasse.
“Graças à amamentação, Emanuel exercitou toda sua função orofacial e, atualmente, com onze meses, consegue mamar e comer sem maiores dificuldades. Eu quis preservar a amamentação para que, hoje, o Emanuel conseguisse mastigar bonitinho,” relata Aline. “Tudo valeu a pena”.
A história de Aline é a prova de que a amamentação fez toda a diferença para o Emanuel. É uma história de proteção: a proteção do Banco de Leite Humano, que garantiu à Aline e ao Emanuel, e a muitas outras mães e filhos em situações semelhantes, o direito ao leite humano; a proteção que Aline deu ao filho, perseverando para que ele se alimentasse com esse leite e se desenvolvesse de forma saudável; e, claro, a proteção que o leite materno promove aos recém-nascidos.
Por isso, este ano (2021), Aline foi madrinha da Campanha de Amamentação do BLH. O tema foi “A Proteção na Amamentação”. “Eu não quis deixar de dar o leite materno, mesmo que só um pouco. É muito comum as mães desistirem. Foi uma luta preservar a amamentação e é possível ver a importância dela ao longo da vida do ser humano, mas, especialmente, para crianças em vulnerabilidade. Como a Síndrome de Down tem toda uma dificuldade na parte imunológica, eu queria poder oferecer mais proteção para o Emanuel, e foi o que, realmente, fez a diferença”.
Diante de tudo isso, Aline usa sua voz para conscientizar outras mães sobre a importância do leite materno para o bebê. E o BLH se dedica em ajudar mulheres que não conseguem produzir leite, dando o suporte necessário a elas. Em resumo, o direito ao consumo de leite humano não garante apenas a oferta de nutrientes e anticorpos para os bebês, mas coloca em funcionamento uma rede muito importante de conhecimento, dedicação e perseverança.
COLOSTRO
É o primeiro leite produzido pela mãe quando começa a amamentar. Possui uma concentração maior de proteínas e nutrientes, mas baixo teor de gordura, facilitando a digestão do recém-nascido.
FÓRMULA
Também chamado de leite artificial. É produzido à base do leite de vaca ou de cabra, e passa por modificações na tentativa de oferecer ao bebê a quantidade de nutrientes adequada.
CURETAGEM
Operação em que os médicos retiraram todo o sangue acumulado no útero, utilizando um instrumento chamado cureta.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Thamiris Saito e Isadora Hamamoto
Edição de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Isadora Hamamoto
Roteiro de vídeo: Thamiris Saito e Isadora Hamamoto
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: