Eu fui ao Pará, voltei para o Paraná com sintomas estranhos e ninguém conseguiu diagnosticar o que eu tinha. Passou, mas senti umas coisas muito ‘bizarras’, até tremedeira. Pensaram em malária, porque eu manifestei sudorese de noite. E aí eu comecei a refletir sobre essa questão de contaminação por microorganismos e cheguei nas arboviroses, que não é o caso da malária especificamente, mas de inúmeras outras doenças como a febre oropouche. Acredita que eu fiz exame para descartar essa infecção?
Enfim, diante de tudo que me foi dito pelos médicos, durante as tentativas de diagnóstico, sobre doenças transmitidas pelos chamados vetores, fiquei pensando que estamos sendo ‘atacados’ pelos mosquitos e pernilongos e vulneráveis a diversos tipos de ‘males’.
Segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, essas enfermidades causaram mais de 5,4 mil mortes no Brasil, até novembro de 2024 – quase 97% se referem a casos de dengue. Anote aí os números: mais de 6,4 milhões de casos prováveis de dengue, zika, chikungunya e oropouche foram notificados no país, no mesmo período do ano passado.
Aí eu me lembrei de um professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Dennis Armando Bertolini, com quem eu conversei ‘muuuuito’ durante a pandemia, sobre vírus e vacinas. O professor Dennis é farmacêutico de formação, fez mestrado em Biologia Celular e doutorado em Ciências, estudando doenças infecciosas e parasitárias. Marquei um encontro com ele.
Nossa conversa foi sobre os fatores que, de alguma forma, têm contribuído para o aumento das manifestações das arboviroses. Será que estamos mais próximos destes ‘bichinhos’ e, por isso, sendo mais infectados por eles? Mas como isso acontece?
Arboviroses
No universo dos artrópodes, ‘flutuam’ os mosquitos. Só para a gente ter uma noção, há em torno de 500 vírus que podem ser transmitidos por artrópodes. Os mais conhecidos são os vírus que transmitem a dengue, a zika, a chikungunya e a febre amarela.
O vídeo abaixo, já publicado pelo C², pode ajudar a saber mais sobre o que são arboviroses.
Mas o que os vírus têm a ver com os artrópodes? Na maioria das vezes, aponta Bertolini, esses microorganismos existem nas florestas e têm como reservatórios ou hospedeiros alguns animais, entre eles os macacos, as preguiças, o tatu, entre outros.
“O inseto apenas o transmite quando suga o sangue de um animal contaminado. Ele se contamina também, o vírus se multiplica nas células do pernilongo e, normalmente, fica posicionado no aparelho sugador do inseto. Ao picar o ser humano acaba injetando o vírus no corpo do indivíduo, causando o chamado ciclo patológico, a doença em si”, explica Bertolini.
Assim, quando fazemos turismo rural, por exemplo, corremos o risco de adquirir alguns arbovírus ao sermos picados por insetos nas matas. Mas os mosquitos estão chegando cada vez mais perto do meio urbano. Nas cidades, infectam as pessoas e essas passam a ser hospedeiros dos vírus. Quando são picadas, infectam os mosquitos e pronto… olha o ciclo patológico acontecendo bem na nossa rua.
O Aedes aegypti, por exemplo, está perfeitamente adaptado ao ‘clima’ das cidades. Isso preocupa porque é hospedeiro de diversos vírus. E pior: considerando as mudanças climáticas que vêm alterando o clima do planeta (veja informações sobre isso no texto complementar do C², desta semana), o número de insetos vem aumentando significativamente, porque essa é a condição climática, quente e úmida, é ideal para a reprodução desses vetores.
Como surgem novas doenças
Enfim, os vírus existem no ambiente e se aproximam cada vez mais de nós por meio dos insetos. Segundo Dennis, o vírus OROV, transmitido pelo Culicoides paraenses, mais conhecido como maruim ou mosquito-pólvora, provoca a febre oropouche. Ele foi descoberto na América Central, mais especificamente num país chamado Trinidad e Tobago, em 1955. Ou seja, o conhecemos há 70 anos. Mas já existia em animais, principalmente, em bichos preguiça.
Em algum momento, alguém foi à mata, insetos picaram esse indivíduo, ele adquiriu o vírus e passou a transmitir para outras pessoas, formando um ciclo de transmissão urbano. E, hoje, a doença assusta. Já há perto de 8,5 mil casos de oropouche registrados no Brasil (números de novembro de 2024).
Entre 2023 e 2024, o Acre, por exemplo, registrou 436 casos da febre oropouche, o que representa um aumento de 620% em relação aos 365 dias anteriores. O Estado também teve um caso de morte de um recém-nascido com anomalias congênitas, que pode estar associado à transmissão vertical da doença; isto é, de ser humano para ser humano.
“Há outro vírus chamado de mayaro, que também surgiu em Trinidad e Tobago, que causa sintomas muito parecidos. É primo do que provoca a chikungunya. Causa dores articulares, que é uma característica muito importante na chikungunya, e pode provocar um quadro clínico um pouco mais severo, em longo prazo”, destaca Bertolini.
Diagnóstico
Aí, surge outro problema, além do aumento do número de vetores e de doenças mais perto de nós. Os vírus causam males com sintomas muito similares, dificultando o diagnóstico. Por exemplo, os causadores da dengue e da zika são primos, usando uma linguagem mais coloquial. Vamos dizer que são geneticamente parecidos. Quando se faz uma pesquisa para o diagnóstico, pode haver a chamada reação cruzada.
“Ou seja, há a suspeita de dengue, o diagnóstico é feito para comprovar, mas a proximidade genética pode confundir o verdadeiro diagnóstico que é de infecção por zika. E isso pode acontecer, também, com outros vírus que estão por aí, como o da febre amarela, uma doença mais severa”, alerta o professor Dennis.
O professor conta que, no caso da oropouche, provocada por um novo vírus que está circulando no nosso meio, o diagnóstico vem sendo feito por meio do que os cientistas chamam de metodologias moleculares, isto é, detectando a presença do ácido nucleico viral, o RNA, que garante uma certeza maior da ‘identidade’ do vírus.
A ideia é que esse método também seja utilizado para o diagnóstico da dengue, zika e chikungunya, para haver certeza de qual microrganismo se está lidando, porque, praticamente, todos provocam febre, dor no corpo, dor muscular, náusea, vômito, dor atrás dos olhos, dor de cabeça, alguns com maior intensidade. Esse é o foco das pesquisas atuais do professor Dennis: descobrir como identificar os vírus da maneira mais eficiente.
PODCAST
No podcast do C² você pode se aprofundar no conhecimento sobre as arboviroses.
“Hoje, o Ministério da Saúde domina essa metodologia do RNA, a implantou em todos os laboratórios de referência em cada estado. No Paraná, por exemplo, a infraestrutura está localizada em São José dos Pinhas, que é a referência para diagnóstico de oropouche e mayaro. Ali, também, por meio de um único teste, a gente consegue detectar o material genético do vírus da dengue com os seus quatro sorotipos, da zika, da chikungunya e da febre amarela. É uma metodologia bem avançada, uma técnica de biologia molecular”, esclarece Bertolini.
A partir do cenário tecnológico do Estado, o Laboratório de Virologia Clínica, localizado dentro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Análises Clínicas (Lepac), da UEM, vem pesquisando a padronização de uma técnica molecular para a detecção dos diferentes arbovírus nos mosquitos, o que não existe até hoje.
“Estamos capturando os insetos, trazendo para o laboratório e padronizando uma metodologia que vai detectar os quatro sorotipos1 da dengue, zika e chikungunya no mosquito. Isso permite ter certeza da ‘identidade’ do vírus. E mais: capturamos o inseto antes de termos casos, trazemos para o laboratório para ver se ele está infectado. Se a resposta for positiva é sinal de que vamos começar a ter casos. Isto é, vamos conseguir prever um pouquinho antes dos casos das diferentes arboviroses começarem a acontecer. Mas isso ainda está em fase de pesquisa pelo nosso grupo”, esclarece o professor.
E mais… Bertolini alerta que é preciso mapear geneticamente esses vírus, especialmente o da dengue, porque ele está se modificando. Este é um problema dos vírus que compõem o grupo dos arbovírus. Todos têm uma característica de mutação muito acelerada. Assim, é necessário fazer o monitoramento da mutação.
O grupo do professor também trabalha para trazer alguma novidade em relação a como esses vírus causam a morte de um indivíduo; como funcionam dentro do nosso corpo, para provocar uma situação grave e levar uma pessoa a óbito.
“Queremos entender como e por que os vírus provocam uma resposta imune que se torna inimiga do nosso corpo. Algumas vezes, essa resposta é tão forte, tão forte, que acaba levando o indivíduo à morte. Precisamos esclarecer esses pontos para que, talvez, futuramente, a gente possa propor uma metodologia de tratamento específico, outra questão que ainda está em aberto. Mas é um caminho ainda a ser percorrido e a ciência, claro, está trabalhando em tudo isso”, avisa o professor Bertolini.
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Ana Paula Machado Velho e João Luiz Lazaretti
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti e Lucas Higashi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Sorotipos: são variações do vírus que, embora pertençam à mesma espécie, possuem diferenças em sua composição antigênica. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
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