Computação a serviço da saúde do homem e do resto da natureza

Quer saber o que é Bioinformática e o que ela ‘rende’ pra gente? O NAPI BioInfo explica pra você

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A gente sempre tem a sensação de que os números estão separados do universo da vida. Mas, quando nos aproximamos da ciência que descreve a nossa existência e da pesquisa acadêmica, em busca de resolução para problemas atuais e futuros, vemos que a tecnologia, a computação, a matemática e outras áreas do conhecimento andam de braços dados.

Já sabemos que a genética permite que a gente conheça, cada vez mais a fundo, a origem e o funcionamento do nosso corpo. Lemos e vemos notícias de sequenciamento de genes e essas ações são extremamente importantes, já que por meio delas podemos prever o aparecimento de doenças, em nível individual, e descobrir como evitá-las, assim como direcionar ações de conservação biológica e entendimento de toda natureza.

Logo… o conhecimento dos organismos em nível molecular nos permite agir em prol da sociedade como um todo. 

Vamos pensar na corrida pela vacina contra a Covid-19. Quem não se lembra da notícia sobre a pesquisadora brasileira Jaqueline Goes de Jesus? A cientista brasileira integrou a equipe que mapeou os genomas do novo coronavírus (SARS-CoV-2) no Brasil, em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no país. Isso foi formidável e, com certeza, contou com uma área tecnológica cada vez mais importante, a Bioinformática.

Quer saber o que é Bioinformática, né? Eu também precisei de ajuda para conceber essa ciência na minha mente. Pedi uma força para o professor Fabrício Lopes. Ele é titular na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), do campus de Cornélio Procópio, e atua nos Programas de Pós-Graduação em Bioinformática (PPGBIOINFO); de Pós-Graduação Associado em Bioinformática (PPGAB); e de Pós-Graduação em Informática (PPGI) – Mestrado Profissional. 

Para introduzir a conversa com Lopes, voltamos a lembrar que, hoje, já existem serviços pelo mundo que traçam o perfil genômico de uma pessoa. É possível detectar alguns genes importantes, que são chamados de marcadores. Os testes permitem saber, ainda, se esses genes apresentam uma conformação normal ou sofreram mutação. Neste último caso, é possível ser um “indicador” de que o indivíduo tem probabilidade de desenvolver alguma doença. O perfil genômico identifica, então, essas possibilidades e mutações precocemente. Assim, o médico pode sugerir uma forma de terapia antes da doença aparecer.

Mas, lembremos, nem tudo é doença. Potenciais atléticos e adaptações a diferentes ambientes, por exemplo,  também estão escritos no genoma individual; isto é, no conjunto de genes que está presente em todas as células dos seres vivos.

Biologia molecular

Esses testes são fruto do desenvolvimento da biologia molecular. Essa é a área que estuda os organismos do ponto de vista das moléculas, focando principalmente no RNA e no DNA.

DNA e RNA são ácidos nucleicos que possuem diferentes estruturas e funções. Os dois são considerados macromoléculas. Enquanto o DNA é responsável por armazenar as informações genéticas dos seres vivos, o RNA atua na produção de proteínas e outros processos intermediários. Em outras palavras, a biologia molecular quer entender os fenômenos biológicos e como eles se relacionam com o material genético dos seres vivos.

O professor Fabrício Lopes lembra que já existem estudos de hereditariedade, genômicos, isto é, de estrutura e função de genes, há muito tempo. O que aconteceu é que as tecnologias avançaram e passaram a gerar um grande volume de dados. Enquanto, antigamente, um pesquisador estudava dois, três, quatro, cinco genes de um organismo para verificar como eles funcionavam, hoje, essas ações passaram para uma escala de milhares. A capacidade de gerar essa quantidade massiva de dados é que fez surgir a Bioinformática. É ela que vai dar conta da necessidade de analisar dados moleculares em larga escala.

Então, como é que a gente definiria Bioinformática? Com a palavra, o professor Fabrício!

“É um conjunto de esforços que a gente faz com ferramentas computacionais e matemáticas para a descoberta de conhecimento a partir de grandes volumes de dados moleculares. Ou seja, dados vindos de plataformas de transformação de dados biológicos dos genes em dados digitais. São as chamadas plataformas de sequenciamento, que geram um grande volume de dados que podem levar à descoberta de conhecimento.” 

No arquivo de áudio abaixo, Lopes dá uma aula sobre o que é Bioinformática. Ouça!

O professor Fabrício Lopes explica o que é Bioinformática

Os dados dos genomas, por exemplo, são demonstrados em sequências enormes de Adenina, Citosina, Timina e Guanina. Para os íntimos, ACTG. Essas moléculas, ou letras, para nós, leigos, são as responsáveis pela composição do DNA, onde estão as informações de como nosso organismo funciona. Os pesquisadores da área da genética precisam determinar uma sequência enorme dessas letras que identificam determinado ser vivo. Dependendo da complexidade dele, essas sequências são realmente ‘graaandes’.

“São os genomas, a composição específica dessas letras concatenadas numa sequência gigantesca. Então, por meio de processos computacionais identificamos um gene. Esse é o primeiro processo básico que a Bioinformática atua, que é chamado de anotação. Isso permite que eu estude uma parte que está relacionada com o câncer, por exemplo, ou outra doença. Vou lá, seleciono parte do sequenciamento para analisar só aquela área”, detalha Lopes. 

Podemos dizer que a Bioinformática tem o papel de analisar dados em larga escala para contribuir com a melhoria da qualidade de vida? Sim. Afinal, como vimos acima, a partir do estudo dos genes, antes mesmo do sintoma de alguma doença aparecer já é possível prevenir e corrigir ‘falhas’, pensar em medicamentos, terapias e afins.

Quando a gente fala de melhorar a vida, não é só a humana, apesar do objetivo ser sempre trazer benefícios para a sociedade. Pense que podemos ‘salvar’ uma planta de uma praga ou até uma lavoura inteira… Sim, claro, com a ajuda da Bioinformática.

  • Homem branco com cabelos grisalhos sorrindo.
  • Mesa branca comprida com três monitores e três gabinetes, atrás dessa mesa tem uma parede com dois banners.
  • Sala com duas mesas compridas encostadas nas paredes laterais esquerda e direita com diversos computadores, na parede de fundo tem uma janela com uma cortina branca.

Por meio da ação computacional, os dados oferecidos pela descrição dos sequenciamentos permitem identificar genes que sejam mais resistentes à seca, mais resistentes ao frio, ao calor, à falta de luz, ao excesso dela, ao excesso ou à falta de carbono… Pode-se produzir um mutante, uma nova cultivar1 mais resistente a qualquer um desses problemas. Enfim, ajuda muito a melhorar a qualidade do que se coloca no mundo para a gente comer, por exemplo.

“A natureza até faz isso, só que demora um tempão. A gente consegue acelerar usando uma ciência interdisciplinar, que envolve a expertise do sujeito da computação, do sujeito da biologia, do agrônomo, do bioquímico, do estatístico, do matemático, do físico, do médico. Enfim, essa é a pergunta do final do dia das nossas pesquisas. Como a vida funciona? A gente tenta dar nossa contribuição e ir levantando ali os bloquinhos de construção dos seres para, em uma ação multidisciplinar, entender como a vida funciona e resolver parte dos problemas que podem comprometê-la”, conclui Lopes.

NAPI

Então, desenvolver ferramentas computacionais bem sofisticadas para dar suporte a um processo massivo de computação com metodologia eficiente é um dos objetivos da equipe do professor, que faz parte de uma organização maior, o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Bioinformática.

Esse Arranjo, financiado pela Fundação Araucária, que dá apoio à pesquisa científica e tecnológica paranaense, surgiu em ambiente promissor. O Paraná é o único estado do Brasil que tem dois programas de pós-graduação em Bioinformática. Um na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, e outro na UTFPR, em Cornélio Procópio, onde o professor Fabrício atua. Une-se a eles o Programa de Biologia Evolutiva da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no qual o professor Roberto Artoni busca soluções para demandas de dados genômicos e da biodiversidade.

  • Homem branco com os braços cruzados sentado em frente de um microscópio.
  • Homem branco com barba e usando óculos de pé olhando para a tela de um computador.
  • Homem branco usando óculos, apontando com o dedo indicador para uma tela.

A partir de diversas demandas, esses programas se aproximaram, se reconheceram e passaram a colaborar em um ambiente favorável para o desenvolvimento de pesquisas otimizando recursos. A provocação da união veio do atual presidente da Fundação Araucária, o professor Ramiro  Wahrhaftig. Ele reuniu aqueles que realizavam os “cálculos” da Bioinformática com os que necessitavam deles em suas pesquisas.

Assim, surge, em um primeiro momento, um grupo formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Curitiba; da pós-graduação da UTFPR, de Cornélio Procópio, e seus bioinformatas; e cientistas da biologia, da medicina e da química, de universidades estaduais.

O professor Roberto Artoni, da UEPG, no Paraná, é mais cientista do NAPI e seu articulador. Ele tinha a experiência de pesquisa em laboratório, como docente do Programa de Pós-graduação em Biologia Evolutiva, e lá, em Cornélio Procópio e Curitiba, os programas de pós-graduação em Bioinformática. Em comum, o desafio de fortalecer e consolidar a formação de recursos humanos e contribuir com o desenvolvimento científico e tecnológico da área. 

“Esses foram os fatores que fizeram surgir o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação. Um projeto inovador, sinérgico e com visão de futuro. Trabalhamos para envolver atores do ecossistema acadêmico, empresarial e industrial em iniciativas nos setores do Agro, da Saúde e Biologia Evolutiva”, explica o professor da UEPG.

Sim, eu sei que você está se perguntando, assim como eu, o que é Biologia Evolutiva, mas isso está bem explicado na outra reportagem da semana do C². Veja lá! 

Ações

Neste momento, o importante é saber que o trabalho do Arranjo já ganhou asas e bem fortes. Na verdade, deu origem a um outro NAPI, em fase de formalização, que vai trabalhar para o estabelecimento de uma infraestrutura tecnológica robusta, que possa dar conta de lidar com um número cada vez maior de dados.

Homem branco com os braços cruzados sentado em frente a um microscópio.
Professor Jorge Edson Ribeiro da UEPG (Foto/Arquivo Pessoal)

Direcionados pelo professor Jorge Edson Ribeiro, também da UEPG, o grupo está desenvolvendo um sistema de Computação de Alto Desempenho (High Performance Computing – HPC). A Universidade de Ponta Grossa, via Fundação Araucária, oficializou uma parceria com o governo da Índia, por meio do Centro para o Desenvolvimento de Computação Avançada (C-dac), que vai possibilitar a aquisição de uma rede de supercomputadores, que vão se instalados nas instituições de ensino superior do Paraná.

O professor Jorge, membro do NAPI Bioinformática, é responsável pela implantação da Rede Paranaense de Supercomputadores. Ele é médico. Há muitos anos transita na área de Informática, porque fez doutorado no Imperial College, em Londres, em Engenharia Elétrica aplicada à Medicina. “Meu interesse é na área do processamento. Então, a minha participação no NAPI é em gestão e em infraestrutura”, explica o professor.

Segundo Ribeiro, a Índia se destaca no que diz respeito à construção dessas máquinas, principalmente por conta da National Supercomputing Mission, uma missão nacional para a construção e instalação de uma rede de supercomputadores em todo território indiano. Ele integrou uma comitiva paranaense que visitou o país asiático, em abril deste ano. 

Computador de alta resolução, com a imagem de circuitos internos de uma placa no monitor.
Computador de alta resolução (Foto/ANPR)

“Esses computadores são altamente competentes para realizar cálculos a uma velocidade muito alta, o que é fundamental para a Bioinformática, entre outras áreas. Já trouxemos um equipamento que serviu de base para as ações do projeto-piloto, que está instalado na UEPG, e constatamos a viabilidade de trabalhar com a tecnologia indiana”, ressalta Jorge Edson. 

Futuro

Para o professor Roberto Artoni, o NAPI vai “colocar o Paraná em outro patamar, tanto para o aprendizado dos alunos do nível técnico, nível de graduação e de pós-graduação, como vai ser possível impulsionar as cadeias produtivas”.

Já o professor Fabrício Lopes resume o papel do NAPI, dizendo que as equipes envolvidas vão funcionar como facilitadoras, quando propõem a criação de uma infraestrutura computacional, “porque é desta forma que é possível resolver os problemas vindos de diferentes NAPIs, aqueles que geram volumes massivos de dados. Com tecnologia e a expertise da Bioinformática, o Arranjo vai oferecer soluções para os pesquisadores da saúde, da genômica e tantos mais que geram dados genômicos e ômicos”.

Homem branco grisalho segurando um microfone e falando, enquanto ao fundo é apresentado um slide.
Professor Alexandre Rossi Paschoal apresentando o NAPI Bioinformática (Foto/Arquivo Pessoal)

Outra realização do NAPI foi o investimento na formação de recursos humanos de excelência. Em uma apresentação realizada em Londrina, em 2023, um dos membros do NAPI, o professor Alexandre Rossi Paschoal, também da UTFPR de Cornélio Procópio, que, hoje, está em um período de imersão na Inglaterra, disse que esse é um dos grandes diferenciais deste NAPI, uma vez que quase 50% dos programas de pós-graduação em Bioinformática do país estão no Paraná. 

“Hoje, mais de 100 pesquisadores e colaboradores, e mais de 40 instituições nacionais e internacionais, contribuem com o NAPI e fazem parte de PPGs [programas de pós-graduação] em Bioinformática. Nossa proposta é impulsionar, incentivar, promover e fortalecer a área no Paraná como uma ferramenta estratégica para a geração de riqueza em benefício da sociedade paranaense. Por isso, investimos em excelência na formação de recursos humanos em nível de pós-graduação, seja em Bioinformática ou áreas afins”, reforçou Paschoal, na palestra feita em Londrina.

Boa parte do dinheiro público repassado pela Fundação Araucária ao NAPI foi gasto na forma de bolsas, lembra o professor Lopes. “Bolsas para os estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado, para que eles pudessem [e possam] se dedicar ao desenvolvimento de ferramentas que atendam às demandas paranaenses e ofereçam soluções para o desenvolvimento econômico e social do nosso Estado”.

Agora, é torcer para que a segunda fase do NAPI comece logo e mais resultados possam trazer coisas boas para o Paraná e para o mundo.

Se quiser saber mais sobre o que o NAPI Bioinformática já entregou para a sociedade paranaense, acesse essa outra reportagem,  feita para esta semana, pelo C².

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Texto:
Ana Paula Machado Velho
Diagramação: Maysa Ribeiro Macedo
Edição de áudio: Bruna Aparecida Mendonça
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

  1. Cultivar: Nova planta com a sua característica genética modificada. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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