O Paraná e a Bioinformática

O Estado investe na ciência que transforma dados em linguagem da vida

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Vira e mexe a gente encontra gente famosa dizendo que ‘mandou’ sequenciar o genoma e levou para um profissional analisar. Então, ficou sabendo a sua origem ancestral, as doenças que pode desenvolver. Esses testes ainda apontam que tipo de medicamento é melhor para uma pessoa, porque alguém engorda mais do que o resto da família. É só você cuspir em um potinho, mandar pro laboratório e… pronto, recebe de volta um monte de dados que são codificados pela sua ‘sequência’, que é a variação específica do seu genoma. 

Mas, na vida real da ciência, as descobertas que beneficiam a sociedade não vêm de processos tão simples assim, né?

Que digam os pesquisadores do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Bioinformática. Dezenas de cientistas, financiados pela Fundação Araucária, de apoio à ciência do Paraná, vêm trabalhando muito e seriamente para colher e processar dados de seres vivos. O objetivo é contribuir com diferentes áreas: a saúde, o agro e a conservação biológica. 

Segundo um dos coordenadores do Arranjo, o professor Roberto Artoni, “estas são as três áreas mestres que fazem intersecção muito forte com as metas e o eixo transversal das estratégias de governo para ciência e tecnologia. Então, nós ‘navegamos’ para dar apoio às ações nestes cenários”.

Em outra matéria produzida pelo C² esta semana, explicamos o que é a bioinformática, como surgiu o NAPI e como ele vem contribuindo para a criação de uma infraestrutura tecnológica paranaense, que dê suporte ao tratamento de uma enorme quantidade de dados, necessidade fundamental da Biologia Molecular, por exemplo. 

Imagem de quatro homens brancos e uma mulher branca se abraçando em fileira, sorrindo para a foto ao lado de um banner vertical.
Equipe do NAPI Bioinformática presente no Paraná Faz Ciência de 2023 (Foto/Equipe C²)

Neste texto, quero dar uma ideia do que esse grupo de pessoas vem fazendo para alavancar o desenvolvimento e análise em Bioinformática em terras paranaenses. Elas estão na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde o professor Artoni atua; são bioinformatas e alunos de pós-graduação do campus da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), em Cornélio Procópio, coordenados por diversos professores como Fabricio Lopes e Alexandre Paschoal, que dão vida a um laboratório de Bioinformática. 

Nesse equipe estão incluídos laboratórios de genética de plantas, diversidade genética e evolução, e de biologia molecular, todos atuando com metodologias ômicas e aplicações de bioinformática, na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Há, ainda, um núcleo de pesquisadores em Curitiba, sediados na Fiocruz e na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ligado à pesquisa em saúde humana e aplicações em Bioinformática.

Saúde

A equipe de Bioinformática do Paraná é parceira, por exemplo, da equipe de dois NAPIs ligados à área da saúde. Esse tema é tão importante, que o trabalho conjunto gerou, inclusive, outro NAPI, o Saúde Pública de Precisão. O coordenador é o pesquisador Fabio Passetti. Ele contou que o NAPI tem como sede o Centro de Saúde Pública de Precisão (CSPP), uma iniciativa da Fiocruz Paraná, onde ele atua. Fazem parte da equipe, ainda, pesquisadores do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar); e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). O CSPP funciona dentro do campus do Tecpar, em Curitiba.

Dentre as demandas que o NAPI idealizado por Passetti acolheu está o projeto “Análises genéticas em crianças e adolescentes infectados por SARS-CoV-2”. Uma equipe vem trabalhando dados da extração de DNA e do sequenciamento e análise de exomas1, com o objetivo de identificar similaridades e diferenças de expressões de DNA em grupos de pacientes pediátricos selecionados. Foram coletadas amostras de quadro confirmado de COVID-19 leve (194 amostras), COVID-19 grave (22 amostras) e Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica – SIM-P (23 amostras), de crianças de 5 meses de idade a jovens com 18 anos incompletos. 

Estudos têm relatado, cada vez mais, a grande influência da variabilidade genética perante a resposta do paciente frente à infecção pelo SARS-CoV-2. Por isso, as descobertas da pesquisa paranaense podem contribuir para futuros tratamentos e condutas que sejam mais personalizados, baseados no genótipo apresentado pela população daqui, nesta faixa etária. Daí, a importância destes dados, que devem ser divulgados ainda este ano.

Biologia

Mas, o NAPI Bioinformática congrega, ainda, “outras diferentes instituições paranaenses de ensino e pesquisa e é esperado que os envolvidos colaborem nas mais diversas áreas do conhecimento e possam propor soluções para problemas relevantes em termos científicos”, diz Roberto Artoni.

O professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, atua no Laboratório de Genética e Evolução, do Departamento de Biologia Estrutural, Molecular e Genética. Ali, já se envolveu com inúmeras pesquisas em diversas áreas que giram em torno do Programa de Pós-graduação em Biologia Evolutiva, da UEPG. Esse trabalho ganhou força, quando o Paraná demonstrou interesse em utilizar a expertise das universidades para alavancar o desenvolvimento. Sim, eu sei que você está se perguntando, assim como eu, o que é Biologia Evolutiva. O professor detalha que “a Biologia Evolutiva”, segundo Douglas Futuyma, é o estudo da história da vida e dos processos que levam à diversidade biológica. Baseada nos princípios da adaptação, no acaso e na história, essa ciência procura explicar todas as características dos organismos, ocupando por isso uma posição central dentro das ciências biológicas. Traduzindo em miúdos, o biólogo evolutivo está interessado em compreender as origens da vida, sua diversificação ao longo do tempo e cenários de predições futuras, com olhos voltados a manutenção da vida no planeta, explica Artoni.

Uma mesa com um monitor, um gabinete e um microscópio.
Laboratório do NAPI na UTFPR (Foto/Arquivo Pessoal)

Um exemplo de como a biologia evolutiva pode contribuir com a sociedade? 

Roberto Artoni conta que, no Laboratório de Genética e Evolução da UEPG,  há um grupo que, junto com ele, estuda o genoma dos peixes, especialmente, o tambaqui. O Laboratório disponibiliza o material genético de alguns indivíduos (peixes), que é liberado para ser analisado em processos computacionais complexos. 

Por meio deste material, o professor diz que é possível descrever a diversidade dos indivíduos e a evolução dos peixes. Como respondem de formas diferentes a ambientes e estímulos, vamos vendo como se adaptam ao meio e às novas condições. 

“A gente usa ferramentas que apontam quais genes um ativa para sobreviver em um meio e quais genes outro indivíduo ativa para sobreviver naquele mesmo ambiente. Registramos quem ‘se dá bem’. A gente analisa não só o fenótipo de quem ‘se deu bem’, mas também quais foram os genes que começaram a trabalhar no organismo para ele se sair bem”, explica Artoni. 

Para encontrar essas informações, no entanto, é preciso analisar uma avalanche de dados, fazer uma ciência de dados mesmo para pinçar, identificar claramente quais são esses genes que são importantes no funcionamento do organismo sob uma determinada condição.

Entre as respostas encontradas estão aquelas que vão sustentar, por exemplo, as escolhas dos criadores de peixes, já que podem apontar o perfil daqueles  indivíduos da espécie que ganham mais peso, gerando mais rentabilidade. “Contribuímos para a produção e para a oferta de uma alimentação saudável e, possivelmente, mais barata para a população, fortalecendo aspectos modernos de Bioeconomia”, anuncia Roberto. 

Plantas e Tilápias

Peixes também são parte dos ‘objetos’ de estudo do professor Laurival Antônio Vilas-Boas. Ele atua no Departamento de Biologia Geral, da Universidade Estadual de Londrina, na pós-graduação em Genética e Biologia Molecular, na UEL, e em Bioinformática, na UTFPR, campus Cornélio Procópio. 

Professor Laurival Antônio Vilas-Boas (Foto/O Perobal)

O pesquisador conta que há duas linhas de pesquisa na UEL: genética molecular de micro-organismos e controle biológico de pragas. O foco é o isolamento e a caracterização de bactérias de um grupo específico que se chama Bacilos turinguenses. Segundo Vilas-Boas, esse organismo tem uma característica peculiar. Produz um cristal, muito grande pelo tamanho dela, que vem sendo usado como ‘arma’ contra insetos. 

Essa chamada inclusão cristalina é feita de uma proteína que a bactéria produz,  denominada delta endotoxina. A proteína CRY. Muito comum em processos de controle de pragas na agricultura. Quando o inseto come essa proteína, ela se desmancha no intestino dele, provocando um “extravasamento da hemolinfa”, o que seria equivalente ao sangue. Ele morre por inanição, porque não consegue comer mais. O produtor pulveriza sobre a folha, a lagarta come e morre.

“Hoje, as plantas transgênicas como o milho transgênico, o milho PT, já produz essa proteína. Quando a lagarta come o milho, por exemplo, já morre. Há variedades de soja que também fazem isso”,

E essa é a linha de pesquisa do docente da UEL juntamente com Gislayne e João Cirino Zequi. O grupo deles patenteou a tecnologia e está em fase final de transferência para empresa  para desenvolvimento de um produto: para o controle específico de larvas do Aedes aegypti

“O Bacilos turinguenses de variedade israelense produz um cristal também, só que redondinho. Quando a lagarta come, morre em questão de minutos. A ideia é acrescentar em reservatórios de água. Não faz mal para a gente. O ser humano pode ingerir, a Organização Mundial de Saúde até recomenda”, explica Vilas-Boas.

  • Infográfico de uma larva verde com esporos que contém bactéria e cristal.
  • Imagem em tons de cinza de esporos e cristais em tamanho microscópico.

Neste caso, a Bioinformática ajuda a encontrar quais são os genes que essa bactéria tem para atuar nas diferentes demandas de controle biológico. Os bioinformatas precisam treinar os computadores para descrever o genoma sequenciado da bactéria, fazer uma caracterização.

Na verdade, segundo Laurival, os bioinformatas transformam dados em linguagem a ser estudada pelos cientistas da saúde, da agricultura, da biologia e por aí vai. São combinações enormes das letras ACTG (iniciais de Adenina, Citosina, Timina e Guanina), que são agrupadas em pedaços (reads) e podem ser “lidos” pelos pesquisadores.

“Um projeto, hoje, em biologia molecular, seja ele qual for, de taxonomia, também, que é a ciência de identificação de uma espécie, não existe sem as ferramentas de análise da Bioinformática. Ela dá a linguagem, para que a ciência leia os dados. Ela traduz letras que, isoladamente, não significam nada em informação biologicamente interessante”, ilustra o professor.

  • Imagem colorida de uma tilápia em cima de um papel toalha.
  • Imagem colorida de uma tilápia nadando em um tanque de água.
  • Imagem colorida de uma tilápia imersa em um líquido para conservação.

Para Vilas-Boas, o agro, que é vocação de boa parte do Paraná, depende do melhoramento genético, que está atrelado à compreensão de sequências genômicas. Para otimizar a produção, essas ferramentas de análise molecular andam entrelaçadas à Bioinformática.

A equipe do NAPI em Londrina, inclusive, está investindo em outras linhas de pesquisa, também com apoio dos bioinformatas. Analisando o Steptococcus agalactiae, uma bactéria que é a principal causadora de doenças em Tilápias. Uma parceria do grupo dele com a Noruega juntamente com a professora Lucienne Garcia Pretto-Giordano.

Outra linha importante da UEL, neste caso com outro professor, André Laforga, é com PETs. Há uma proposta de entender marcadores genéticos de epilepsia em cães. Há ainda a proposta de trabalhar em parceria com o grupo de Luiz Felipe Protasso, da Embrapa Café, que busca apontar marcadores de qualidade tanto de produção, como de qualidade da bebida. 

“Na verdade, temos muitas frentes, e pensamos em expandir, na nova fase do NAPI, a fase 2, o aumento de colaboração com outros NAPIS e definir uma organização de prestação de serviço. Os interessados entregam material sequenciado e nossos alunos e pesquisadores vão ajudar a analisar os dados e contribuir com o desenvolvimento de metodologias de análises de dados e contribuir com a descoberta de conhecimento de forma colaborativa com outros projetos dos NAPIs”, concluiu o professor Vilas-Boas.

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Texto:
Ana Paula Machado Velho
Diagramação: Maysa Ribeiro Macedo
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

  1. Exoma: é a parte do genoma que, efetivamente, reúne informação armazenada nos genes. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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