A vacina da dengue é segura?

Aprovadas pela Anvisa, as vacinas contra a dengue são eficazes na redução de sintomas e internações hospitalares

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É só chegar o tempo de calor que o zumbido dos mosquitos começam a fazer parte da trilha sonora do nosso dia a dia. Isso acontece porque as altas temperaturas e a umidade são o clima ideal para o desenvolvimento e a reprodução dos insetos. Então, é só chover e esquentar, que somos acompanhados desses pequenos animais na hora de caminhar ao ar livre, trabalhar, comer e até dormir. 

Porém, muito mais que um simples incômodo, a presença dos mosquitos se tornou uma preocupação. Afinal, se a presença deles causasse só uma coceira leve após a picada, ou, um barulho irritante no ambiente, por conta do movimento de suas asas, isso seria mais tranquilo de encarar. Mas, infelizmente, não para por aí. Alguns desses insetos são vetores de doenças que podem ter complicações muito sérias, como: a Zika, a Chikungunya, a Febre Amarela e a Dengue. 

As chamadas arboviroses são um grupo de doenças virais transmitidas, principalmente, por artrópodes1, como mosquitos e carrapatos. No caso da dengue, o mosquito transmissor é o Aedes aegypti. Conheça algumas características dele na ilustração abaixo:

Por conta do clima do Brasil, os aumentos de casos e riscos para epidemias de dengue acontecem, principalmente, entre os meses de outubro a maio do ano seguinte. Nessa época, mais um passo se torna parte da nossa rotina: o ‘banho’ de repelente. Mas, sabia que até a escolha da cor da nossa roupa deve ser um ponto a ser considerado nesse período?

A cor das nossas roupas atrai mosquitos? 

Um estudo realizado por cientistas da Universidade de Washington e publicado na revista científica “Nature Communications”, em 2022, mostra que após os mosquitos detectarem um gás que exalamos, no caso o gás carbônico (CO2), eles são atraídos e voam em direção a algumas cores específicas. 

A pesquisa mostrou que cores mais escuras, como o vermelho, laranja, preto e ciano, eram as preferidas dos mosquitos, enquanto cores como verde, roxo e branco tendem a ser ignoradas por eles. O mesmo estudo também descobriu que a pele humana, independentemente da pigmentação, é atrativa para esses insetos, pois emite um sinal vermelho-alaranjado. 

Além de ser uma forma de tentar prevenir o ataque dos mosquitos, essas descobertas também auxiliam os cientistas a explicarem como os insetos encontram os seus hospedeiros. Dessa forma, eles podem ajudar no desenvolvimento de melhores repelentes e outros métodos para manter os mosquitos o mais longe possível. 

Mas, calma lá! Se você, assim como eu, não quer abrir mão de usar as suas roupas pretas durante as épocas de alta circulação da dengue, lembre-se que esse é apenas um método que pode ajudar a evitar esses mosquitos. Porém, existem formas muito mais eficazes para prevenir a doença. Uma delas nós vamos conhecer daqui a pouco: a vacina. Continue lendo para saber mais.

A dengue

O professor do Departamento de Farmácia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava, Emerson Carraro, ministra as disciplinas de Imunologia e Virologia, tanto na graduação quanto na pós-graduação nos cursos de Farmácia e Medicina. Com mestrado e doutorado na área de Infectologia, ele esteve bem atuante durante todo o período da pandemia de Covid-19. 

Carraro também faz parte do NAPI Genômica, um projeto que nasceu na época da pandemia para conduzir estudos de avaliação genética, tanto do vírus quanto das pessoas infectadas. Ele também é integrante do Genomas Paraná, que está dentro do NAPI. 

Professor Emerson Carraro da Unicentro (Foto/Arquivo Pessoal)
Professor Emerson Carraro da Unicentro (Foto/Arquivo Pessoal)

Agora, com o passar da pandemia, ele está voltado aos estudos normais dentro do campo da Virologia, dividindo a atenção das pesquisas entre vírus respiratórios e esses outros que estão constantemente reemergindo e causando uma preocupação para a população. Em especial, neste momento, existe a problemática da dengue. 

Diferente do que muitos pensam, precisamos saber que a dengue não é uma doença causada por mosquitos. Ela é causada por um vírus que possui uma transmissão por sangue. “Um mosquito pica alguém contaminado, se infecta e, a partir daí, todas as pessoas que ele for picar de novo tem uma troca desse componente sanguíneo e o vírus é transmitido. Inclusive, uma curiosidade sobre a transmissão desse vírus é que, se o mosquito fêmea tiver descendentes, todos os descendentes deles já nascem infectados”, explica o professor. 

Esses mosquitos, em um ambiente com água e altas temperaturas, têm uma facilidade muito grande de se proliferar, o que faz eles gerarem muitos descendentes já contaminados, com capacidade de transmitir a doença. “O que tem acontecido nos últimos 40 anos, é que a gente tem perdido a batalha de controle da transmissão dessa doença. Então, historicamente, a partir da década de 80, começou a se inserir no Brasil tipos diferentes de dengue. E aí, a cada inserção de uma dengue nova, nós vivemos uma epidemia bastante grande”, conta Carraro.

Tipos de dengue

Existem quatro sorotipos do vírus da dengue circulando no Brasil, DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Os tipos de dengue podem causar a forma clássica da doença, que apresenta os sintomas característicos de uma virose, como febre, dor muscular, prostração e perda de apetite. Porém, todos podem evoluir para quadros graves, como a dengue hemorrágica, que leva a uma perda muito grande de plaquetas, componentes responsáveis por fazerem a coagulação do sangue. É importante lembrar que, após contrair um dos vírus da dengue, o corpo desenvolve imunidade a ele.

O professor Emerson relata que, depois da inserção da DENV-4, nós passamos a contar com toda a diversidade genética que existe de dengue circulando no Brasil. “Isso levou a uma preocupação, porque havia um conhecimento de que toda vez que o indivíduo se infecta com uma dengue diferente e ele já tinha histórico de infecção prévia, ou seja, se ele se infectou em um determinado momento com DENV-1 e em uma próxima epidemia ele se infectou pelo DENV-2, ele tinha uma chance muito maior de desenvolver um caso mais grave”.

Só que, hoje em dia, os estudos mais recentes já falam que depois que nós entramos nesse cenário de toda diversidade de vírus, não há obrigatoriamente uma relação de uma segunda infecção para o indivíduo apresentar um quadro grave. “Esses são dados dos últimos anos que tem mostrado que nós temos casos de dengue grave em indivíduos já na primeira infecção, rompendo um pouco a barreira desse conhecimento que a gente tinha”, complementa Carraro.

Outra questão que tem mudado é a da sazonalidade da dengue. Historicamente, a epidemia da doença que vivemos no Brasil começa com o verão, mas acaba tendo um pico nos meses de fevereiro e, mais intensamente, em março e abril. No entanto, com as mudanças climáticas que vêm ocorrendo, isso também está sendo alterado, pois tem se prolongado o período epidêmico da dengue. 

Aedes aegypti (Foto/Paulo Whitaker – Reuters)

“Nós não temos ainda todos os conhecimentos para saber se o vírus ou mosquito está sofrendo alguma mutação relacionada a isso. Mas, provavelmente, o impacto mais direto é essa alteração climática de períodos de calor mais duradouros, que permitem os mosquitos de procriarem por mais tempo ao longo do ano”, acrescenta o professor. 

Você pode saber mais sobre a dengue e as formas de combater a doença em outra matéria já publicada pelo C²: “Ciência é a principal aliada no combate a dengue”.

As vacinas da dengue 

A primeira epidemia de dengue documentada no Brasil ocorreu em 1981-1982, na cidade de Boa Vista. Já a primeira vacina contra a doença só foi aprovada no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015. O professor Emerson explica que essa demora ocorreu porque desenvolver uma vacina para dengue é especialmente problemático. “Ela é considerada uma doença que atinge mais países pobres. Então, nós não temos o mundo preocupado em desenvolver uma vacina para dengue como a gente teve no caso da Covid-19.” 

A dengue é uma doença que tem um mercado mais restritivo, embora ela esteja chegando na Europa cada vez mais. Por isso, demorou muito tempo para que as grandes indústrias farmacêuticas fossem atrás de desenvolver uma vacina com a melhor eficácia possível. Somente há pouco tempo atrás tivemos a primeira vacina da dengue, a Dengvaxia. Ela foi produzida pela empresa francesa Sanofi, porém possui algumas restrições de eficácia. 

A vacina Dengvaxia (Foto/Yuri Cortez – AFP)

“Atualmente, ela é uma vacina recomendada para quem já tenha tido um primeiro caso de dengue e essa recomendação não está relacionada a qualquer problema de segurança da vacina, e sim da sua eficácia. Quando se começou a vacinar com ela, os primeiros estudos mostraram que a eficácia para quem nunca tinha tido dengue era em torno de 25%, ou seja, muito ruim para ser aplicada nessa população. Então, começaram a estudar melhor e chegaram à conclusão que realmente ela poderia ter uma eficácia melhor quando aplicada em indivíduos que já têm histórico de dengue. A recomendação para essa vacina é que você faça um teste para saber se você tem a sorologia e, aí sim, você pode aplicar e ter uma eficácia melhor”, explica Carraro.

Para aqueles que já tiveram dengue, o benefício da Dengvaxia chega em torno de 65% na redução de sintomas da doença e ela possui uma garantia ainda maior quanto à internação, chegando a mais de 80% de redução dos casos de internamento hospitalar para indivíduos vacinados. “Então, ela se mostra boa, só que com essa grande limitação de ter esse benefício somente em pessoas que já tiveram a primeira vez”, afirma o professor.

Por conta dessa restrição, a Dengvaxia é recomendada para regiões que tenham alta taxa de circulação do vírus da dengue, pois assim é possível considerar que a maioria da população já vai ter tido a primeira dengue, fazendo a vacina ser mais eficiente. No entanto, essa não é uma realidade para o Brasil todo. 

O grande avanço aconteceu nessa última epidemia, quando foi disponibilizada a vacina QDENGA da indústria farmacêutica japonesa Takeda. Ela foi aprovada pela Anvisa em março de 2023 e incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Sistema Único de Saúde (SUS), em dezembro do mesmo ano. Essa é uma vacina recomendada para toda a população, não havendo a restrição de já ter tido dengue para ter uma maior eficácia.

A vacina QDENGA (Foto/Reprodução do site da CNN)

A QDENGA chega a uma eficácia em torno de 63% na redução de sintomas para pessoas vacinadas que vierem a desenvolver dengue e cerca de 85% de redução em internação hospitalar. “Uma peculiaridade dessa vacina é que ela foi desenvolvida muito às pressas, por conta da época de aumento de casos. Por isso, os estudos de validação foram desenvolvidos com uma certa restrição de população e a vacina foi aprovada para ser aplicada no Brasil em uma faixa etária de 4 a 60 anos. A preocupação maior é acima de 60 anos, que não há um estudo que avaliou ainda a segurança e eficácia dessa vacina para essa faixa etária. Mas, de qualquer forma, a vacina é segura e eficaz, e é isso que nós temos que julgar”, declara o professor. 

Ela é uma vacina de vírus atenuado, ou seja, ela possui agentes infecciosos vivos que estão enfraquecidos. “Eles pegam o vírus e modificam para não causar mais a doença. Entretanto, quando você recebe a vacina, esse vírus acaba replicando no nosso organismo e simulando a doença, porém, ele não é um vírus que causa o quadro completo de sintomas. Mas ele tem uma circulação, inclusive, nós podemos detectar uma pessoa que seja vacinada. Pode ocorrer um caso de uma pessoa ser vacinada e logo depois, em um período de menos de 30 dias, ela desenvolver sintomas semelhantes a dengue ou até se infectar por dengue, porque o período de proteção ainda não ocorreu”, exemplifica Carraro. 

As vacinas de vírus vivo atenuado podem até atrapalhar um possível diagnóstico, uma vez que a pessoa vacinada, fazendo um teste laboratorial, pode ser detectado o vírus na corrente sanguínea, mas ser o vírus da vacina, já que ele tem esse período de replicação no organismo. Então, ela receberá o diagnóstico de dengue, mas, na verdade, o vírus que será detectado é o dengue vacinal e não vai causar o quadro completo da doença, é apenas uma ativação imunológica. 

Outro ponto que o professor explica, é o que ele considera a grande problemática atual da dengue no Brasil, ou seja, o fato da gente estar vivendo uma epidemia de dengue, mas também temos as outras arboviroses, como a Chikungunya e a Zika, em circulação. “Isso confunde muito, pois, clinicamente, elas podem ser iguais. Então, o indivíduo pode receber a vacina da dengue e entrar em contato com esses outros vírus e ele vai ter sintomas muito parecidos. Dessa forma, nós vamos fazer o teste laboratorial e vai acabar detectando dengue vacinal. E aí, não conseguimos distinguir facilmente o dengue vacinal de um dengue clássico e nem desses outros vírus. Porque, hoje em dia, no Brasil, tem sido feito muito pouco diagnóstico dessas outras viroses”, alerta Emerson Carraro.  

Todas as pessoas podem tomar a vacina da dengue?

A principal restrição da vacina está relacionada, justamente, a essa questão dela ter vírus vivos em sua composição. Por isso, além das contraindicações normais de todas as vacinas, como não ser indicada para pessoas que possuem alguma alergia aos componentes, também existe a preocupação de que essa pessoa vacinada tenha um vírus replicando e possa gerar alguma complicação ou até uma transmissão, por exemplo, para o feto. Por isso, gestantes, ou mães que estão amamentando, são contraindicadas a receber vacina por essa possibilidade. 

Além disso, a vacina também é contraindicada a pessoas que possuem algum comprometimento no seu sistema imunológico, por exemplo, pacientes imunossuprimidos por droga, como são os casos dos transplantados, ou também pacientes vivendo com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Ela também não é indicada para as pessoas que possuem deficiências imunológicas genéticas chamadas de primárias, que são aquelas que estão presentes desde o nascimento.

A importância das vacinas 

Estamos vivendo uma era pós discussão sobre a utilidade de vacinas da pandemia de Covid-19 e isso reavivou um mito que vem desde a revolta das vacinas. Nesse cenário, vemos muitas pessoas com receio de se vacinar. “Isso, inclusive, levou a uma imensa queda de adesão de todas as vacinas. Nós vemos, por exemplo, no Brasil, um retorno de casos de sarampo por baixa adesão vacinal. Então, toda vez que a população, de um modo geral, começa a se vacinar menos, nós sempre corremos o risco da retomada de doenças que já estavam sendo controladas. Com a vacinação em massa, esses vírus continuam circulando, porém, eles não encontram pessoas suscetíveis para serem infectadas”, explica o professor. 

Vacinação (Foto/Pexels)

No caso da dengue já é um pouco diferente, pois trata-se de uma doença que nós não tínhamos um histórico de vacina. Inicialmente, houve essa experiência que não foi muito boa, já que essa primeira vacina não possuía uma boa eficácia em toda a população. Então, apenas agora nós estamos tendo oportunidade de todos se vacinarem contra a dengue.

“A grande limitação dessa estratégia é que a própria indústria não tem um aparato para fabricar vacinas suficientes para que o governo consiga implementar uma imunização universal contra a dengue no Brasil. Então, nós não temos vacina suficiente para promover isso. Mas, à medida que a indústria farmacêutica conseguir repor e manter os estoques, nós provavelmente vamos começar a entrar nessa fase, atendendo a faixa de população indicada”, conta Carraro.

O professor explica que essa falta de vacinas para realizar uma imunização universal no país acaba deixando as pessoas mais receosas em se vacinar, porque, por enquanto, não é uma vacina para todo mundo. “Elas ficam: ‘mas se tem restrição, quer dizer que tem algum perigo’. Às vezes as pessoas associam isso. Mas a contraindicação da vacina é apenas aquela que eu já comentei”, reforça ele.

“O que nós vivemos hoje, realmente, é a limitação de doses vacinais, mas eu imagino que isso em breve já será suplementado. Embora, agora, nós já estamos vivendo uma fase final de epidemia de dengue no Brasil com a chegada do frio, o número de casos começa a cair. Aí nós conseguimos tirar as melhores conclusões dessa primeira experiência de vacinação e se preparar para a próxima epidemia”, finaliza o professor.

O recado é claro: se você não faz parte dos grupos contraindicados, a vacina da dengue é segura. Então, quando chegar a vez da sua faixa etária, não pense duas vezes, vacine-se!

A vacinação continua sendo uma das maneiras mais eficazes de proteger a nossa saúde e a de toda a população. Além de evitar doenças graves, as vacinas reduzem a disseminação de agentes infecciosos. Por isso, é importante manter sua carteirinha de vacinação sempre atualizada. Corra para a Unidade de Saúde mais próxima da sua casa e garanta que você esteja com todas as vacinas em dia!

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Texto:
Milena Massako Ito
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

  1. Artrópodes: são animais invertebrados que possuem patas articuladas e uma carapaça protetora externa, que é o seu esqueleto. Eles são adaptáveis em diferentes ambientes, possuindo uma grande capacidade de reprodução. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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