Se você é mãe, pai, professora, professor, tio ou tia, já percebeu que parece que as crianças apertaram ON no botão do por quê? Sou mãe de duas meninas (agora já crescidas), tia de três e, em breve, serei tia avó! Sempre achei muito interessante aqueles pequenos seres andando atrás de mim e fazendo perguntas tão amplas e profundas, que poderia dedicar minha carreira de cientista só para respondê-las! Claro que nem sempre temos respostas, tempo ou paciência para tantas perguntas…. mas, pare e pense comigo: interessante isso, a curiosidade da criança e a formulação das perguntas mostra dúvidas que surgem a partir da observação diária da vida e dos fenômenos que estão à nossa volta. Assim como as crianças, cientistas também fazem perguntas. Fazer perguntas é uma das premissas de fazer ciência.
Quando minha filha caçula era pequena nos divertimos muito com as perguntas e dúvidas do Gabriel, um personagem muito curioso. Supostamente, ele é o autor de indagações de inúmeros tipos, que estão presentes na música da cantora Adriana Calcanhotto chamada “Oito Anos”. Na canção há uma análise profunda da vida, do planeta, das relações humanas, enfim, há uma transdisciplinaridade nas perguntas da música. E para algumas delas eu ainda não sei a resposta!
Por que você é flamengo/ E meu pai botafogo?/ O que significa "impávido colosso"?/ Por que os ossos doem enquanto a gente dorme?/ Por que os dentes caem?/ Por onde os filhos saem?/ Por que os dedos murcham quando estou no banho? Por que as ruas enchem quando está chovendo? Quanto é mil trilhões vezes infinito? Quem é Jesus Cristo? Onde estão meus primos? Well, well, well Gabriel.../ Well, Well, Well, Well.../ Por que o fogo queima?/ Por que a lua é branca? / Por que a terra roda?/ Por que deitar agora?/ Por que as cobras matam? / Por que o vidro embaça?/ Por que você se pinta?/ Por que o tempo passa?/ Por que que a gente espirra?/ Por que as unhas crescem? Por que o sangue corre?/ Por que que a gente morre?/ Do que é feita a nuvem?/ Do que é feita a neve?/Como é que se escreve Re...vèi...llon….
Assim como na letra e no cotidiano das crianças, a curiosidade e o questionamento são características do cientista. Para fazermos ciência temos que, primeiro, ser impactados por questões não resolvidas, querer saber, comprovar, avançar. A inquietude do cientista move seus passos e o leva a estudar, testar, analisar, reavaliar, e encontrar novos problemas para perseguir. Mas, parece que ao longo do crescimento vamos perdendo um pouco dessa curiosidade, acredita-se que, na maioria das vezes, desligamos o botão do por quê e encontramos parte dos adolescentes e jovens pouco preocupados ou curiosos com a compreensão dos fenômenos à nossa volta. São justamente esses que estão em idade escolar que deveriam se questionar sobre o mundo.
Possivelmente, todos nós somos um pouco responsáveis por estas mudanças de perfil das crianças, pois somos adultos sem tempo e paciência para os pequenos e que o sistema de educação nem sempre prioriza a dúvida em detrimento dos conteúdos curricularmente determinados.
Isso pode ser percebido ao olharmos os resultados dos estudos nacionais e internacionais de percepção pública da ciência entre jovens e adultos. Um destes estudos voltados especificamente para jovens e publicado em 2021, demonstra que “no país do futebol, o interesse declarado pelos jovens em ciência e tecnologia é maior do que esportes e comparável ao interesse por religião”. Mas, apesar disso, o acesso à informação sobre ciência e tecnologia é baixo e dependente essencialmente de redes sociais. Se soubermos alinhar bem, há muita curiosidade e ciência que pode ser retirada de uma partida de futebol ou de um jogo eletrônico.
Um dos aspectos mais importantes desta pesquisa recente é que os jovens declararam ter dificuldade em verificar se uma notícia de ciência e tecnologia é falsa ou não! Devemos refletir na gravidade desta informação: os jovens afirmam que: 1) tem interesse em C&T; 2) não acessam fontes confiáveis e aprofundadas; e 3) têm dificuldade de diferenciar textos falsos de verídicos, o que leva a uma mistura perigosa para consumo e propagação de fake news, pseudociência e negacionismo científico.
Como enfrentar estas situações? É necessário que tenhamos medidas emergenciais voltadas, especificamente, para os jovens e, especialmente, para as crianças. Construir um ambiente de pertencimento ao mundo da ciência é essencial para que elas desejem seguir carreiras chamadas de científicas como engenharias, tecnologias, saúde, ambiente entre outras.
Compreender o mundo com o olhar da ciência auxilia a criança a aprender sobre as melhores escolhas de consumo, compreendendo melhor os benefícios e os riscos da ciência. Ter uma visão crítica da ciência também contribui para o entendimento das dificuldades atuais de sustentabilidade em nosso planeta e a co-responsabilidade de todos para que possamos parar e reverter impactos como os das mudanças climáticas.
Crianças que crescem cercadas de informação científica tendem a ver o mundo de forma mais crítica e interpretar as informações científicas veiculadas com maior nível de compreensão. Este exemplo é “reforçado” pela resposta dos jovens no estudo de percepção pública, que observou que 54% dos jovens concordam que os cientistas podem estar exagerando sobre as mudanças climáticas!
No C2 – Conexão Ciência estamos comemorando, em outubro, o mês da Ciência, Tecnologia e Inovação, mas, também, o mês da criança. Uma de nossas homenagens são as temporadas de podcast do “Porque sim não é resposta!” e meu convite é para refletirmos um pouco mais sobre a curiosidade nata da infância e a excelente oportunidade de incentivarmos os pequenos a manterem-se curiosos, questionadores, inquietos e inconformados com as respostas automáticas da vida.
Como estimular as crianças na ciência?
Crianças são curiosas, interessadas por tudo e, normalmente, não sabem que isso é interesse pela ciência. Os estudos de percepção da ciência indicam que o interesse relatado em ciência e tecnologia aumenta com o grau de escolaridade, todavia, a curiosidade natural da criança nem é entendida por ela como algo formal ou científico.
Uma das formas é oportunizar à garotada experiências relacionadas à ciência que ajudem a manter a curiosidade ON. Isso inclui frequência a bibliotecas, parques, zoológicos, planetários, museus de ciências entre outros.
Existem muitas experiências de sucesso como o Children’s Science Center – Explore. Crea74te. Inspire. (childsci.org), um museu de ciências localizado no estado de Virgínia nos EUA e que é voltado especialmente para os pequenos.
Um outro exemplo fantástico é uma revista científica elaborada especialmente para crianças e adolescentes. A “Frontiers for Young Minds” é vinculada a uma editora da Suíça de numerosos periódicos científicos e traduz para a linguagem das crianças textos conceituais e de novidades da ciência. Tem autores e revisores menores de 16 anos!
No Brasil, podemos destacar entre outros o projeto Universidade das Crianças da UFMG (universidadedascriancas.org); o projeto “ABC na Educação Científica – Mão na Massa”, da USP (https://cdcc.usp.br/mao-na-massa/) e o C², é claro.
Aqui em Maringá, na UEM, o Museu Dinâmico Interdisciplinar, o Mudi, oferece atividades para públicos de todas as idades, desde a educação infantil. São exposições, experimentos e até colônia de férias. A preocupação destas ações é incentivar o interesse e o pertencimento à ciência; isto é, mostrar que ela está no meio da gente.
É isso que faz a jornalista Ana Paula Freire Artaxo. Ela é mãe de Sofia, de 5 anos e, nas viagens em família, os museus e centros de ciência são visitas certas. Neste momento, Ana está em Barcelona, com Sofia e o marido Paulo Artaxo. O professor da Universidade de São Paulo ministrou uma palestra sobre mudanças climáticas e aquecimento global, na abertura do Paraná Faz Ciência, evento paranaense que faz parte da programação da 18ª Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, no princípio de outubro.
Um dos locais que o grupo visitou foi o CosmoCaixa, na cidade espanhola. Sofia “posou” com cientistas ilustres que “conheceu” e não deixou de fazer perguntas. Uma delas foi sobre o experimento da Curva Gaussiana. Ela perguntou e conseguiu uma resposta do pai. Ouça!
“É extremamente importante interagir com as crianças nesses espaços onde se discute ciência. Estimular o interesse deles contando histórias e conversando sobre os personagens”, diz a mãe de Sofia, a jornalista Ana Paula, que é analista em C&T Sênior, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).
Enfim, garantir nosso desenvolvimento passa por incentivarmos a ciência. Isso só pode se tornar realidade se criarmos o que a gente chama de sociedade do conhecimento. Nesse cenário, a gente precisa de pessoas que mantenham acesa a chama da descoberta, das dúvidas, das perguntas, das indagações. Precisamos da curiosidade e da vontade de aprender o mundo, que as crianças têm. Não podemos deixar isso se apagar… morrer.
Que nosso propósito, no mês da ciência e da criança seja esse: investirmos, cada um de nós, no estímulo à curiosidade. Dê asas ao seu espírito de descoberta!!! Pare e converse com a garotada, prometa e leve a meninada para os museus, como faz a família Artaxo, e permita que a gente continue construindo um mundo melhor para todos, com mais saúde, mais tecnologia, mais cuidado com o planeta… enfim, com mais ciência.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Débora de Mello Sant’ Ana
Edição de texto: Ana Paula Machado Velho e Thiago Franklin Lucena
Edição de áudio: Isadora Hamamoto
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: