Descobrindo o passado do Paraná com o Geoparque Caiuá

Essa arte apresenta uma paisagem ilustrada em estilo minimalista com elementos de um geoparque. Há rios, cachoeiras, florestas, fósseis de dinossauros, formações rochosas, balões de ar quente, construções históricas e casas. As cores vibrantes e formas geométricas criam um visual lúdico e educativo.
A criação de um geoparque no Paraná possibilita a imersão na história geológica da região, unindo ciência, educação e preservação ambiental

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Há três anos, o C² contou a história do primeiro dinossauro descoberto no Paraná, o Vespersaurus paranaensis. Na época, o professor Lucas Sant’Ana, então integrante da equipe da Universidade Estadual de Maringá (UEM) que assumiu os trabalhos realizados no sítio paleontológico de Cruzeiro do Oeste, nos contou com exclusividade detalhes sobre a descoberta.

Recentemente, bateu a curiosidade: será que há novidades sobre esses estudos? Já conhecemos mais sobre o Vespersaurus? Ou, quem sabe, outros dinossauros foram encontrados? Como a curiosidade é a marca registrada do C², fomos em busca de respostas. E, mais uma vez, quem nos ajudou a descobrir o que há de novo foi Sant’Ana, que agora atua como professor no Instituto Federal do Paraná (IFPR).

O professor Lucas Sant´Ana está de pé em uma sala de aula com crianças. Ele veste um colete amarelo e um chapéu marrom. Ao fundo, está um quadro negro e placas com as letras do alfabeto. As crianças, na faixa de 5 a 7 anos, estão sentadas em cadeiras e mesas amarelas, com os cadernos abertos e prestando atenção no professor.
Professor Lucas Sant’Ana (Foto/Reprodução)

Em uma nova conversa, ele já começou contando de cara: temos um segundo dinossauro descoberto aqui no nosso estado! O Berthasaura leopoldinae faz parte do grupo dos terópodes, representado mundialmente pelo Tiranossauro rex. Esta espécie foi encontrada entre 2011 e 2014 também em Cruzeiro do Oeste, o que reitera a importância do sítio fossilífero no Oeste paranaense. 

O excelente estado de conservação do fóssil permitiu avanços significativos nas pesquisas, que revelaram, dez anos após a descoberta, detalhes sobre o Berthasaura, um jovem terópode de cerca de um metro de comprimento, 80 cm de altura e com peso de oito a dez quilos. Além disso, era uma espécie edêntula (sem dentes), característica rara em indivíduos jovens desse grupo.

A imagem é uma ilustração colorida representando o dinossauro Berthasaura leopoldinae em um ambiente pré-histórico. No centro da cena, o dinossauro aparece de perfil. Ele é pequeno, de postura bípede, com um corpo esguio e cauda longa. Sua pele é coberta por listras amarelas e marrons, que lembram padrões de camuflagem. A cabeça é pequena, com um bico curvado e sem dentes, semelhante ao de um papagaio. O cenário ao redor é árido, com solo arenoso, alguns troncos caídos e marcas de pegadas no chão que indicam movimento.
Reconstrução do Berthasaura leopoldinae (Ilustração/Maurilio Oliveira)

Incrível, né? Mas não para por aí. Uma outra descoberta fez com que o Paraná tenha, atualmente, três espécies de pterossauros: Keresdrakon vilsoni, Caiuajara dobruskii e Torukjara bandeirae. Não é à toa que Cruzeiro do Oeste é apelidada de Cemitério dos Pterossauros, se destacando mundialmente nos estudos paleontológicos.

  • A ilustração mostra uma cena pré-histórica em um ambiente árido com uma lagoa ao fundo. Dois Keresdrakon vilsoni se apresentam em plano principal. Um se alimenta enquanto o outro, com asas abertas, afasta um pterossauro menor. Ao redor, dinossauros bípedes caminham perto da água e pequenos pterossauros voam ou descansam. A paisagem, com solo arenoso, arbustos esparsos e montanhas distantes, reflete um clima quente.
  • A imagem mostra uma ilustração artística de Caiuajara dobruskii, um pterossauro. Eles têm cristas grandes e coloridas em suas cabeças e corpos adaptados ao voo, com asas membranosas e pelagem semelhante a penas. O cenário é árido, com vegetação seca, árvores esparsas e tons alaranjados que sugerem um ambiente desértico.
  • A imagem retrata uma cena pré-histórica em um deserto ao entardecer, onde dois pterossauros Torukjara bandeirae interagem. Um deles segura um ramo com frutos vermelhos, oferecendo ao outro, que observa com a boca aberta. Ambos possuem grandes cristas coloridas, com padrões chamativos em vermelho e laranja. O ambiente é árido, com dunas, arbustos e um céu dourado ao fundo, onde pequenos dinossauros caminham, compondo um cenário rico e vivo.

Preservar para educar

A importância do sítio arqueológico de Cruzeiro do Oeste traz à tona a necessidade de proteção e conservação dessas áreas. Devemos preservá-los não somente para garantir que mais pesquisas e descobertas possam ser feitas no futuro, mas também para que a população possa aprender sobre como era a pré-história das cidades que habitam.

O infográfico intitulado "Principais Descobertas Paleontológicas no Paraná" apresenta uma linha do tempo com as descobertas mais relevantes de fósseis de dinossauros e pterossauros realizadas no estado do Paraná, Brasil. Com um fundo em tons terrosos e ilustrações estilizadas, o material é organizado de forma cronológica, destacando os detalhes de cada achado.
Em 2014, foi anunciada a descoberta do Caiuajara dobruskii, um pterossauro de pequeno porte que chamou atenção por suas características únicas. Cinco anos depois, em 2019, o Paraná revelou dois grandes achados. O primeiro foi o Vespersaurus paranaensis, reconhecido como o primeiro dinossauro encontrado no estado, um marco para a paleontologia local. No mesmo ano, foi descrito o Keresdrakon vilsoni, outro pterossauro que, segundo os pesquisadores, possivelmente se alimentava do Caiuajara dobruskii.
A jornada de descobertas seguiu em 2021, com o anúncio do Berthasaura leopoldinae, uma espécie de dinossauro sem dentes, algo inédito na América do Sul, destacando a singularidade dos fósseis paranaenses. Por fim, em 2024, foi revelado o Torukjara bandeirae, outro pterossauro que, embora apresentasse diferenças sutis, guarda relação com o Caiuajara dobruskii.
O infográfico evidencia a riqueza paleontológica do Paraná e o impacto dessas descobertas na compreensão da vida pré-histórica, destacando o estado como um importante polo de pesquisa na área.

É com esse propósito que surgem as propostas de criação de geoparques, que são uma estratégia para proteger e valorizar áreas de relevância geológica. Esses parques combinam a preservação do patrimônio geológico com iniciativas de educação e desenvolvimento sustentável, conectando ciência, história e cultura. Além disso, os geoparques impulsionam o geoturismo, que utiliza a geodiversidade como base para o desenvolvimento econômico responsável. 

Além das descobertas dos novos dinossauros e pterossauros, Sant´Ana conta que uma das maiores novidades é a criação de um consórcio para a implantação do Geoparque Caiuá, no Paraná. Atualmente, o projeto ainda está em fase de desenvolvimento.

“Toda pesquisa e projeto nascem de um problema. Sempre que promovíamos palestras, capacitações ou conversávamos com professores e comerciantes de Cruzeiro do Oeste, percebíamos que, embora eles compreendessem as descobertas feitas na região, tinham dificuldade em conectar isso com o impacto direto na vida deles. Isso nos incomodava, mas de forma positiva. Afinal, são os cidadãos, por meio dos impostos, que viabilizam muitas das nossas pesquisas. Foi daí que surgiu a ideia do geoparque: uma forma de valorizar o potencial geológico da região e mostrar à população como a ciência está profundamente ligada ao nosso cotidiano”, conta o professor.

O Geoparque Caiuá não será delimitado por muros. Na verdade, ele é uma iniciativa entre cinco cidades: Cruzeiro do Oeste, Mariluz, Alto Piquiri, Formosa do Oeste e Tuneiras do Oeste. Assim, juntas, essas cidades poderão formar um corredor de belezas naturais raras, como o sítio arqueológico de Cruzeiro do Oeste, a Reserva das Perobas e as cachoeiras e corredeiras dos rios Piquiri e Goioerê.

  • A imagem mostra a fachada do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste, com uma parede laranja onde está escrito em letras grandes e metálicas o nome do museu. Acima do texto há um logotipo representando um pássaro estilizado em voo. Em frente à parede, há uma réplica de dinossauro em tamanho real, destacando-se na composição. O dinossauro é de cor marrom, com aparência realista, e está posicionado em um cenário com plantas ornamentais, pedras e terra, que remetem a um ambiente natural. Ao fundo, é possível ver parte da estrutura do museu, algumas árvores e céu aberto, compondo um ambiente que combina natureza e ciência.
  • A imagem mostra uma placa branca em meio a uma área de mata densa e preservada, indicando a entrada da Reserva Biológica das Perobas, uma unidade federal de conservação da natureza. A placa contém o título "Reserva Biológica das Perobas" e o subtítulo "Unidade Federal de Conservação da Natureza". Há também a informação de que a entrada é permitida somente com autorização, acompanhada de contatos, como um número de telefone, um e-mail e o endereço do site do ICMBio (www.icmbio.gov.br). Na parte inferior da placa, aparecem os logotipos de instituições relacionadas à conservação, incluindo o do ICMBio, e um desenho que combina elementos como folhas e uma gota estilizada, simbolizando a reserva. Ao fundo, é possível ver um portão simples de ferro verde e um caminho de terra cercado por árvores e vegetação nativa, destacando o ambiente natural e preservado do local.
  • A imagem mostra uma vista aérea de uma bela cachoeira em meio a uma paisagem verde e exuberante. A cachoeira é formada por dois grandes fluxos de água que despencam lado a lado em quedas amplas e caudalosas, com a água apresentando uma coloração marrom devido à presença de sedimentos. Ao redor, há uma vegetação densa composta por árvores e arbustos que emolduram o rio e reforçam o aspecto natural e preservado do local. O rio se estende para longe, cercado por mata, criando uma paisagem harmoniosa e impressionante que transmite a força e a beleza da natureza.

“Passamos mais de um ano explorando estradas rurais e áreas de difícil acesso nas cinco cidades. Nosso objetivo era mapear novos atrativos naturais além dos já conhecidos. Recentemente, foi descoberto um sistema de cavernas graças aos moradores da área rural, que sempre souberam da existência delas, mas só perceberam sua possível importância histórica e natural após o início do projeto. Isso mostra como o Geoparque é essencial para a comunidade local, já que ele ajuda nesse processo de reconhecimento do valor científico e econômico de algo que antes parecia trivial”, destaca Sant’Ana.

Uma das teorias sobre a formação dessas cavernas aponta para a escavação feita por preguiças-gigantes, que viveram nessa região há cerca de 10 a 11 mil anos. O professor explica que esses animais criavam buracos para abrigo e reprodução, deixando marcas de garras que ainda podem ser vistas hoje.

A imagem mostra uma preguiça gigante, um animal extinto, representada em um ambiente natural. Ela está posicionada de pé, encostada em um tronco de árvore, com as garras dianteiras grandes e curvadas tocando o tronco. Seu corpo é robusto, coberto por uma pelagem marrom espessa. O cenário ao fundo exibe um céu azul claro, vegetação de savana com palmeiras e gramíneas, e formações rochosas ao longe, sugerindo um habitat pré-histórico. O animal parece ser muito maior do que uma preguiça moderna, destacando sua imponência e tamanho descomunal.
Ilustração de como seriam as preguiças-gigantes (Reprodução/Youtube)

Sant’Ana foi convidado pela prefeitura de Cruzeiro do Oeste para atuar como consultor técnico do Geoparque. Ele também destaca que a UEM está envolvida no projeto, com o apoio de uma pesquisa financiada por um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A equipe da Universidade é coordenada pela professora do Departamento de Geografia (DGE) da UEM, Juliana de Paula, e visa, por meio de pesquisas, estabelecer ações coordenadas para a implantação do Geoparque. 

Além disso, outro objetivo do grupo é a elaboração dos documentos necessários para candidatura à rede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de Geoparques Mundiais. O professor explica que para um geoparque ser reconhecido pela Organização é essencial que o processo tenha o apoio das comunidades locais, parcerias fortes na região, suporte público e político de longo prazo e uma estratégia bem planejada, que atenda aos objetivos da população enquanto protege e valoriza o patrimônio geológico da área.

Afinal, um geoparque não deve envolver apenas Geologia. Ele deve, também, explorar, desenvolver e celebrar as relações entre esse patrimônio geológico e todos os outros aspectos patrimoniais naturais, culturais e imateriais da área. Assim, por meio de investimentos iniciais da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Cruzeiro do Oeste e das cidades vizinhas, o projeto do Geoparque Caiuá pode, agora, procurar mais investimentos em outras instituições parceiras e, futuramente, solicitar reconhecimento como Geoparque Mundial da UNESCO.

Geoparques no Brasil 

O Brasil conta, atualmente, com cinco Geoparques Mundiais da UNESCO. O primeiro a receber a chancela no país foi o Geoparque Araripe, no Cariri cearense. A região conta com um dos maiores depósitos de fósseis do período Cretáceo Inferior em todo o mundo. Ainda no Nordeste brasileiro, o Geoparque Seridó se destaca pelos registros de povos antigos e de minérios provenientes de atividades vulcânicas no passado. Com sete geossítios, quem marca presença no Sudeste é o Geoparque Uberaba em Minas Gerais, o mais novo reconhecido pela UNESCO. 

  • A imagem mostra fósseis expostos no chão, em destaque, cercados por rochas. Ao fundo, há uma estrutura abandonada com colunas rústicas, sob um céu azul com poucas nuvens. Os fósseis são característicos do Geopark Araripe, região conhecida pela preservação de exemplares da era Cretácea.
  • A imagem mostra uma ilustração artística de Caiuajara dobruskii, um pterossauro. Eles têm cristas grandes e coloridas em suas cabeças e corpos adaptados ao voo, com asas membranosas e pelagem semelhante a penas. O cenário é árido, com vegetação seca, árvores esparsas e tons alaranjados que sugerem um ambiente desértico.
  • A imagem mostra uma réplica de dinossauro em um ambiente ao ar livre, localizada em um parque arborizado. O dinossauro, com um pescoço longo e corpo volumoso, lembra um saurópode, com pele texturizada que imita escamas. Ele está posicionado sobre a grama verde, cercado por árvores de diferentes tipos, incluindo palmeiras e outras de copa densa, criando uma atmosfera natural e serena. O céu ao fundo está claro, com nuvens brancas espalhadas em contraste com o azul. Ao redor, é possível ver construções de telhados avermelhados e mais vegetação, sugerindo um ambiente de museu ou parque paleontológico.

O Sul do Brasil conta com três geoparques. Entre eles, o Caçapava, no Rio Grande do Sul, que apresenta rochas sedimentares marinhas e continentais de mais de 500 milhões de anos. Entre a divisa de Santa Catarina e o estado gaúcho está localizado o Geoparque Caminhos dos Cânions Sul, que abriga os Parques Nacionais Aparados da Serra, Serra Geral e o Parque Estadual de Itapeva. Ainda no Rio Grande do Sul, o Geoparque Quarta Colônia é composto por nove cidades e é abundante em rios, cascatas e fósseis.

  • A imagem mostra uma vista aérea do Geoparque Caçapava, com formações rochosas cobertas por vegetação esparsa. Ao redor, há uma densa vegetação verde que se estende por todo o terreno ondulado, formado por morros e vales. As rochas exibem camadas naturais, indicando sua formação ao longo do tempo. O céu está azul, com algumas nuvens dispersas, completando a paisagem natural preservada e exuberante. No canto inferior direito, há o brasão do poder legislativo de Caçapava do Sul.
  • A imagem mostra um cânion com paredes rochosas verticais e escarpadas cobertas parcialmente por vegetação. O vale entre as formações é estreito e profundo, preenchido por uma densa floresta verde. No topo das paredes, há árvores que se destacam contra o céu azul com algumas nuvens brancas. A paisagem transmite a grandiosidade e a beleza natural do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul.
  • A imagem mostra uma área ao ar livre organizada em um espaço circular cercado por um muro baixo de pedras. Dentro do círculo, há vegetação composta por pequenas plantas e placas informativas fixadas em suportes de madeira, provavelmente explicando detalhes sobre o local ou os fósseis exibidos. No centro, pessoas caminham e exploram o ambiente. No chão, há pegadas fossilizadas dispostas em sequência, simulando o trajeto de um dinossauro, que levam de fora para dentro da área circular. O gramado ao redor é bem cuidado, e ao fundo, há pessoas caminhando por uma calçada e um carro estacionado. A cena parece ser parte de uma exposição paleontológica interativa.

As iniciativas para a criação do Geoparque Caiuá, no Paraná, destacam a importância de aliar ciência, preservação ambiental e desenvolvimento sustentável. Além de valorizar o patrimônio geológico da região, o projeto busca fortalecer a conexão entre as comunidades locais e a história natural de seu território. Com o apoio de pesquisadores, moradores e instituições, o Geoparque tem o potencial de se tornar um modelo de conservação e turismo responsável, ampliando as possibilidades de pesquisa, educação e investimentos para o futuro da região.

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Texto:
Luiza da Costa
Revisão: Silvia Calciolari
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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