Economia Ecológica: o meio ambiente tem preço?

Tratando de conceitos ecológicos e econômicos de uma maneira multidisciplinar, estudo mostra que os recursos ambientais também possuem valor monetário agregado

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Sabe aquelas promessas que nós costumamos fazer todo mês, mas, no meio do caminho, você percebe que fez o que você prometeu que não ia fazer? Pois é… A minha é a de que eu não vou usar o celular nos momentos antes de dormir. Porém, quando eu me dou conta, lá estou eu, rindo de algum vídeo ou enviando alguma mensagem, enquanto continuo com o péssimo hábito de mexer no celular antes do meu horário de sono. Na matéria “Dormir não é perda de tempo”, o C² explica porque essa prática é prejudicial. 

Mas, foi em uma dessas navegadas pela internet antes da hora de dormir, que acabei impressionada quando me deparei com aqueles vídeos mostrando toneladas e mais toneladas de lixo boiando à deriva no mar. Sempre escutamos sobre o problema do aumento da quantidade de resíduos plásticos encontrados no oceanos e, ainda assim, ver esse tipo de imagem continua sendo algo chocante. 

Com esses vídeos ainda frescos na memória, conheci o “Projeto Limpeza dos Mares”, uma iniciativa nascida em Florianópolis, que visa conscientizar as pessoas sobre a importância da preservação dos oceanos e da vida marinha. Além das ações de limpeza, eles também promovem palestras nas escolas voltadas para conscientização a respeito da importância da preservação e também para alertar sobre o desleixo com o qual as águas têm sido exploradas. 

Projeto Limpeza dos Mares em ação (Foto/Upiara)

Não é novidade para ninguém que a ação humana tem causado grandes impactos ao meio ambiente. O próprio “Projeto Limpeza dos Mares” é um grande exemplo disso. Atuando desde 2014, eles já ajudaram a remover mais de 165 toneladas de resíduos do fundo do mar, praias e costões. Esse número deixa escancarado como nós, seres humanos, temos tratado os recursos naturais do planeta de forma inconsequente. A pergunta principal que nos resta é: como mudar isso?

A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), do setor Palotina, Yara Moretto, é  uma das pesquisadoras dispostas a trabalhar para mudar esse cenário. Bióloga de formação, com mestrado e doutorado em Ciências Ambientais, a docente do Departamento de Biodiversidade está afastada atualmente para o pós-doutorado na Universidade de Griffith (Griffith University), no Instituto Australiano de Rios, trabalhando com o tema de Valoração Econômica Ambiental.

E o que é essa tal Valoração Econômica Ambiental? Explicando de forma bem simples, trata-se de um conjunto de métodos e técnicas que buscam estimar valores monetários para os elementos ambientais, uma vez que estes bens não possuem um valor definido. Uma dessas metodologias de valoração ocorre de forma indireta, com base no preço de mercado de produtos que são afetados pelas alterações ambientais. Por exemplo, a alta nos preços do azeite por conta das fortes secas, nos faz pensar no valor da água, que é um recurso essencial. 

Economia Ecológica  

Um dos conceitos que trabalha com a valoração ambiental é a economia ecológica, um ramo que surgiu dentro da economia, mas, atualmente, tem se tornado uma tendência muito forte dentro da ecologia também. “A economia ecológica visa tratar de conceitos ecológicos e econômicos de uma maneira integrada e multidisciplinar. Existem muitos aprofundamentos e metodologias em relação a como isso pode ser feito. Porém, o foco dentro da economia ecológica é a vertente de conservação, trazendo que os recursos ambientais, sejam eles quais forem, devem ser considerados também em um contexto monetário”, explica a professora Yara. 

Professora Yara Moretto (Foto/Arquivo Pessoal)

Quando falamos sobre meio ambiente na atualidade, fica impossível não abordar também sobre a crise climática e como ela coloca os recursos ambientais em risco. Os impactos do crescimento econômico e a necessidade de preservação ambiental nem sempre andam lado a lado. Muito pelo contrário, a maioria das empresas visam, principalmente, o lucro, sem dar a devida importância às consequências que isso pode causar à natureza. Justamente por não ter esse valor direto tão evidente, os serviços ambientais acabam não sendo prioridade nas grandes corporações. Por isso, a economia ecológica vem para mostrar que esses recursos tem seu valor. 

“Nós precisamos entender que a água que temos não é só aquela que sai da torneira. Essa água é captada de um rio, de um manancial, que existem animais e plantas que vivem naquele rio e que todos são extremamente importantes para manter a qualidade e equilíbrio daquele ambiente”, explica a professora Yara. Esses indicadores vão impactar diretamente na qualidade da água que é captada e qual será o custo para se tratar ela. E tudo isso vai inserindo valor nesse recurso.

A partir da valoração dos ativos e passivos ambientais, fica ainda mais evidente como a qualidade ambiental interfere diretamente na saúde da população, assim como no desenvolvimento econômico, pois, o meio ambiente gera produtos e serviços indispensáveis para a manutenção da nossa vida, como: alimentação, trabalho, saúde, moradia, medicamentos, etc… Esses benefícios que a natureza fornece para os seres humanos são conhecidos como serviços ecossistêmicos. Porém, para essa troca ser justa, nós devemos cuidar melhor desses recursos.

Como bióloga e pesquisadora de recursos hídricos, a água sempre foi um tema extremamente importante para Yara Moretto. “Trabalho com isso desde a minha graduação, sempre buscando entender processos ecossistêmicos. Ao longo da minha carreira, desde a minha formação, nesses anos todos como professora, tenho notado que nós precisamos ter uma linguagem mais próxima da sociedade. E quando eu falo sociedade, é como um todo.”

Um dos motivos que fez a professora decidir trabalhar com a economia ecológica foi justamente essa linguagem, pois, segundo a pesquisadora, ela faz com que nós possamos nos aproximar do sistema produtivo, trazendo a visão da sustentabilidade. “Não existe um sistema produtivo viável a longo prazo se nós não conseguirmos trabalhar e aplicar conceitos de sustentabilidade, tanto que isso está dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Ou seja, nós precisamos fazer com que exista uma conversa e, mais que uma conversa, uma conexão de ações e essa linguagem precisa ser adaptada e aprimorada para ser acessível a todos, visando ações mais práticas”, acrescenta a bióloga. 

Nesse contexto, é importante pensar também em pequenas e grandes ações, que nós, enquanto cidadãos, podemos fazer para contribuir com a conservação. Pois, uma vez que adquiro esses hábitos, eu consigo propagar isso no meu dia a dia, para outras pessoas, de forma com que nós consigamos fazer uma rede. Confira no vídeo abaixo algumas dessas ações:

Economia ecológica X Economia ambiental 

Ao pesquisar sobre economia ecológica, também é normal se deparar com o termo economia ambiental. E não, os dois não são a mesma coisa, viu? Conceitualmente existe uma diferença: “A economia ambiental é um pouco mais antiga, ela está ligada com a economia neoclássica e usa muito as ferramentas, os conceitos e as metodologias dessa economia, tentando aplicar isso para conceitos ecológicos. Daí nós temos métodos de valoração ambiental, que são utilizados de maneira geral no contexto econômico, sendo aplicados e adaptados”, explica Yara Moretto.

Já a economia ecológica é um pouco mais recente e traz uma visão mais transdisciplinar, agregando muito mais conceitos sociais e ecológicos, com maior profundidade. “Apesar das diferenças, as duas conseguem conversar, pois ambas buscam o contexto da conservação. Enquanto a economia ambiental está mais voltada para os processos produtivos econômicos a economia ecológica traz um pouco mais do viés social”, completa a professora.

NAPI Águas

A professora Yara Moretto também é coordenadora de um dos Novos Arranjos de Pesquisa e Inovações (NAPI), o NAPI Águas. O projeto que está sendo desenvolvido atualmente pelo grupo tem o foco em mudanças climáticas. “Nós buscamos indicadores de vulnerabilidade, especialmente nos recursos hídricos, que possam indicar onde estão os maiores problemas associados às mudanças climáticas e aí, o contexto de se considerar os serviços ecossistêmicos, o uso deles e o contexto da valoração desses serviços, é extremamente importante. Dentro do projeto atual, o nosso principal produto é justamente produzir um banco de dados ambiental que vai poder dar fomento a muitas pesquisas adicionais e será uma ferramenta extremamente útil, também, dentro do contexto de economia ecológica”, explica a coordenadora. 

No momento, a equipe está construindo um outro projeto que vai transitar e fazer uso dessa base de dados que está sendo produzida pelo projeto atual, para que eles possam trazer e fazer uso das ferramentas de economia ecológica, pensando também nas mudanças climáticas que, no contexto vigente, não tem como ser desvinculada das pesquisas. 

“Essa vertente vai continuar muito forte dentro desse projeto. Também vamos buscar trazer visões voltadas para o uso de outras ferramentas, agregando áreas como biotecnologia e bioinformática. Todo esse contexto está sendo produzido para que a gente possa continuar trabalhando dentro do NAPI Águas com a visão da economia ecológica, da bioeconomia, pode-se assim dizer, de uma maneira bastante forte, pois é o caminho que a gente tem”, conta Yara Moretto.

Por enquanto, a professora comemora e diz que toda equipe está muito contente com os resultados super interessantes que estão sendo colhidos com o projeto atual do NAPI Águas. Ela reforça que esses resultados vão servir, especialmente, em um contexto de gestão, de informação, de fomento e de modelo para os tomadores de decisões, que é um foco bastante importante dentro NAPI Águas, juntamente com todas as parcerias.

O cuidado com o futuro começa agora

“Quando nós trabalhamos com a modelagem ecológica, nós buscamos muitas vezes passado, presente e futuro. E essa linha histórica é extremamente importante. Nós já sabemos que atuar com a economia ecológica é essencial no presente. E, a partir daí, quais as projeções que nós queremos fazer para o futuro? O que nós temos de tendência, considerando, por exemplo, mudanças climáticas?”, especula a professora. 

A economia ecológica pode ajudar no entendimento de que atitudes como: conservar um manancial de água, manter a mata ciliar, não jogar lixo nos rios, vão ser extremamente importantes, pois agregam um valor econômico pela existência daquele recurso. Assim, essas projeções podem ser feitas pensando no futuro, de forma que nós tenhamos esse recurso disponível, com qualidade e por um tempo indefinido. 

(Foto/PlantVerd)

“Pode parecer clichê, mas nós não podemos viver sem água. Isso é fato! Mas, tem que ser água de qualidade. E não podemos pensar no uso dessa água apenas para nossa manutenção atual, mas também na manutenção das gerações futuras. E o que a gente tem visto de pesquisas que consideram, especialmente, mudanças climáticas e todos os eventos drásticos que têm acontecido, é que nós precisamos atuar já. O nosso tempo está limitado no atual, e  se nós não cuidarmos dos recursos agora, a gente corre um sério risco do nosso futuro ser prejudicado”, alerta Yara Moretto. 

Finalizando, a bióloga acrescenta que precisamos atuar em conjunto e que as redes de colaboração, especialmente as que os Novos Arranjos de Pesquisa e Inovações (NAPI) permitem, são extremamente importantes. “Nós estamos agregando a academia com os demais setores, esse é um ponto muito reforçado pela Fundação Araucária, justamente que a gente precisa ter todas essas visões sendo integradas, para pensarmos em soluções práticas para problemas enfrentados pela sociedade. Cada um dentro das suas áreas, vai tentar atuar da melhor maneira e eu tenho certeza que no NAPI Águas nós temos trabalhado com essa visão de realmente pensar em conjunto um futuro melhor avaliando os recursos hídricos”, conclui a professora. 

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Milena Massako Ito
Revisão: Silvia Calciolari
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Leonardo Rasmussen
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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