Herbário, o maravilhoso mundo das plantas, a um clique

As coleções biológicas registradas nos herbários da UEM e do Nupélia, acessíveis física e virtualmente, atestam a diversidade botânica regional

Como ter certeza que um Inga vera, da família botânica Fabaceae, mais conhecido como ingá, compõe a flora da região de Maringá? Ou se o ramo encontrado na rua é mesmo de um ingá? 

Alguém muito espirituoso pode acreditar que o nome da cidade é uma homenagem à bela árvore e se dar por satisfeito. A este desavisado informamos que o ‘cartório’ com as ‘certidões de nascimento’ deste e de milhares de outros exemplares típicos tem nome e endereço: Herbário da Universidade Estadual de Maringá (HUEM), localizado no campus sede da universidade e de acervo disponível on-line

São aproximadamente 40 mil registros de amostras de plantas vasculares, briófitas e algas das variadas famílias botânicas, organizadas por ordem alfabética, que compõem a Floresta Estacional Semidecidual do norte e noroeste do Paraná – a parte que nos cabe da majestosa Mata Atlântica, originalmente esparramada em área superior a 1,3 milhão de quilômetros quadrados do território brasileiro -, e de outras localidades do país. O HUEM encontra-se credenciado como Fiel Depositário junto ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério de Meio Ambiente, inserido na Rede Brasileira de Herbários, no Index Herbariorum, no Species Link, no Herbário Virtual REFLORA e na Rede Paranaense de Coleções Biológicas, vinculado ao NAPI Taxonline da Fundação Araucária (TAXon Line), e está vinculado aos seguintes projetos: Flora do Paraná; Herbário Virtual da Flora e dos Fungos (INCT); Herbário da UEM e a divulgação científica da flora nativa da região de Maringá (PR). 

A coleção botânica que compõe o acervo do HUEM está sendo registrada desde o fim da década de 1970, quando o ‘museu’ de plantas foi criado. E como um museu, possui exemplares sem vida. Os exemplares de ramos de plantas depositados em um herbário são chamados exsicatas, nome que deriva do latim “exsiccãtta” e significa “restos ressecados. ”As amostras colhidas nos projetos de pesquisa e excursões didáticas com alunos de graduação e pós-graduação de Ciências Biológicas e demais cursos das áreas biológicas e agronômicas obrigatoriamente possuem flores, frutos e/ou sementes. O processo de herborização, que começa com a desidratação do exemplar e termina com a exsicata, tem início ainda em campo. Depois de pronta, a amostra é fotografada em alta resolução e ‘sobe’ para o acervo digital,  acompanhada da ficha de campo com as seguintes informações: família, espécie, gênero, nome popular, nome e número do coletor, coordenada geográfica, data da coleta e observações de campo (cores das estruturas, presenças de insetos, altura da planta coletada, entre outras).

 Estufa de secagem (Foto/Dora Gutierre)

Colagem do ramo na cartolina; há quem prefira costurá-lo (Foto/Dora Gutierre)
Os armários com as exsicatas ficam sob 19 graus celsius (Foto/Dora Gutierre)

“Coletamos nas mais variadas épocas do ano para ter amostragem geral da vegetação e conhecer as épocas de floração e frutificação”, explica Maria Auxiliadora Milaneze-Gutierre, a Dora, curadora do HUEM. A coleta é sempre precedida de autorização: se em área particular, do proprietário; se em área pública, da autoridade responsável (municipal, estadual ou federal). 

Um dos locais preferidos para as excursões didáticas é o Jardim Botânico de Faxinal do Céu, distrito de Pinhão, a 75 quilômetros de Guarapuava, pertencente à Companhia Paranaense de Energia (Copel). São 150 hectares de área verde com vegetação nativa da Floresta Ombrófila Mista, formada por araucárias, arbustos, ervas, trepadeiras e epífitas dos cinco continentes. “É uma área muito importante para estudo e coleta, principalmente de gimnospermas, pinheiros que não temos em nossa região”, diz Dora. 

As espécies exóticas importadas presentes em Faxinal do Céu são inofensivas e não caracterizam invasão biológica porque vivem em condições inadequadas à reprodução sexuada. As mudinhas das poucas sementes que se arriscam não sobrevivem. E as mudas que precisam daquela força humana são feitas por estaquia, em número tão pequeno que passam longe de ser ameaça. 

Embora Faxinal do Céu tenha seus irresistíveis atrativos, remanescentes florestais de Maringá e redondezas também são pródigos em beleza e vasto material para coleta. “Estamos fazendo um mapeamento das árvores do Parque do Ingá para ver a quantidade de carbono sequestrado por esse fragmento florestal e simplesmente encontramos árvores com quatro metros de perímetro. Há também perobas-rosas enormes e ipês replantados na década de 1960 que são monstruosos”, diz a curadora do herbário.   

E qual é a razão de tanto trabalho para guardar plantas secas? Muito menos pelo prazer de cuidar do presente e bem mais pela obrigação de apontar, no futuro próximo, o caminho correto para o reflorestamento, com as mesmas espécies, de uma área degradada, por exemplo. Como a ciência é viva e infinita, muitas espécies permanecem desconhecidas e não identificadas. Se acontecer de você encontrar um ramo diferente do que conhece ou tenha visto alguma vez, leve-o até o bloco H78, da UEM, e aventure-se no fascinante desafio do conhecimento. Dora e os demais pesquisadores agradecem desde já a sua contribuição com a enorme, mas em permanente construção, coleção biológica do HUEM. 

Dora Gutierre, curadora do HUEM (Foto/Andressa Andrade de Souza)

De Maringá a Nova Iorque passando por Minas Gerais e Espírito Santo

A coleção de plantas do herbário também permite pesquisas a distância, como a produzida pelo curitibano Marcelo Brotto, curador do herbário do Museu Botânico Municipal de Curitiba (MBM) em 2020, sobre as espécies da família Lauraceae.  

“Comecei a estudar as Lauraceae na graduação, quando fiz iniciação científica na botânica da UFPR. Desde então, tenho me aprimorado na ciência taxonômica que trata da classificação dos seres vivos, nesse caso das plantas dessa família”, explica Brotto, que continuou trabalhando durante a pandemia. Foi a campo coletar amostras de uma espécie nova de árvore que existe no Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais. “Como o herbário estava fechado, eu consegui analisar as amostras com tempo, escrever o artigo e publicá-lo na revista Brittonia, no Jardim Botânico de Nova Iorque”, conta ele. 

Segundo Brotto, as plataformas digitais que reúnem os bancos de dados dos herbários com imagem das exsicatas permitem consultar a imagem de algumas amostras sem precisar viajar até os herbários, o que foi de extrema utilidade durante a pandemia. “Essa possibilidade torna o trabalho de identificação de espécies mais ágil e barato. No meu caso, consegui reconhecer amostras da espécie nova depositadas em herbários de Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Nova Iorque.”

Por último, os herbários virtuais permitem aos usuários baixar os registros de plantas e executar uma diversidade de análises estatísticas. 

Flora e fauna, juntos e misturados sempre

Além da Floresta Estacional Semidecidual do norte e noroeste do Paraná, o HUEM também recebe material de outras regiões brasileiras. Até 2015, essa imensidão era ilustre desconhecida para a curadora Maria Auxiliadora, que trabalhava com cultivo in vitro de orquídeas e análise das células e tecidos das espécies epífitas, aquelas que vivem sobre outras plantas, de nossa região. “Eu não sabia nada da vegetação de Maringá, nada.  O que fiz? Coletei amostras e estudei”, revela. O muito que aprendeu e continua aprendendo está publicado em livros disponíveis no link.

Dois deles, “Diversidade polínica de plantas da Floresta Estacional Semidecidual do Paraná” e “Estudos integrados dos meliponíneos na região de Maringá, Paraná” tiveram apoio financeiro do Ministério da Justiça e Segurança Pública/Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, fazendo parte do projeto “Abelhas sem ferrão no Museu Dinâmico Interdisciplinar: a educação não formal a serviço da preservação ambiental.”

O primeiro livro apresenta o catálogo polínico de 272 espécies, entre nativas e cultivadas, e mostra a diversidade de grãos de pólen, necessários para conhecer a flora relacionada às abelhas regionais. 

Algumas das abelhas estudadas nos livros publicados pelo HUEM (Dora Gutierre)

“As plantas nativas da região oferecem flores muito pequenas, que são visitadas pelas abelhas nativas, também muito pequenas. A flora está relacionada com a fauna o tempo todo”, afirma Dora, que se tornou expert e profunda admiradora da flora regional. “Minhas plantas preferidas são os cactos. Adoro, especialmente epífitas.”

Essas são de fácil identificação até mesmo para o desavisado do começo do texto: são cactos de sombra, comuns nas árvores do centro da cidade, com frutos vermelhos nas pontas dos ramos, às vezes confundidos equivocadamente com parasitas. Além de lindas, são fonte de pólen para as abelhas nativas. 

HNUP, a biblioteca da vegetação ripária do Alto Rio Paraná 

O Herbário do Nupélia (HNUP) era uma coleção integrada ao HUEM até 2018, quando vinculou diretamente ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura devido à especificidade das amostras. 

Iniciada em 1988, a coleção do HNUP possui 18 mil registros de plantas vasculares, algas perifíticas e fitoplanctônicas coletadas na planície de inundação do Alto Rio Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul.

De acordo com Kazue Kawakita, curadora do HNUP, o primeiro passo para identificar uma amostra é compará-la com o material arquivado no acervo. Vencida esta etapa e em caso negativo, a busca prossegue na literatura e com especialistas do Brasil e de fora. “Essa troca aumenta a confiabilidade na qualidade da identificação”, diz. Segundo Kazue, nunca aconteceu de uma amostra não ser identificada, mas sim de não haver registro daquele material na região de atuação do HNUP. 

Dentre as muitas áreas interessantes acompanhadas pela bióloga, que está no HNUP desde 1995, destaca-se a lagoa de uma ilha que, devido à baixa de chuvas, revelava vegetação arbustiva. Foi assim por longo tempo, até que o passado ressurgiu vigoroso, como se nunca tivesse deixado de existir. “Das espécies predominantemente herbáceas passou para fisionomia florestal”, confirma Kazue. Sim, a antiga floresta, derrubada para dar lugar a pastagens, renasceu com a criação da Área de Preservação Ambiental (APA) e consequente proibição da pecuária. Ah, a natureza…

Professora Kazue Kawakita, do HNUP, durante coleta de amostras (Foto/Equipe do laboratório de Vegetação Ripária/Nupélia/ UEM)

Glossário
Estaquia: método de reprodução assexuada de plantas; consiste no plantio de pequenas estacas de caule, raízes ou folhas que se desenvolvem em meio úmido.

Polínico: relativo a ou que contém pólen.

Epífitas: plantas que vivem sobre outras plantas usando-as como suporte.

Plantas vasculares: aquelas que possuem vasos condutores de seiva.

Algas perifíticas: componentes abundantes do perifiton (presente em lagos, rios, riachos e planícies de inundação).

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Juliana Daibert
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: