Mel: variedade de sabores, cores e texturas

Alimento natural e produzido pelas abelhas, o mel sofre com processos de adulterações que mudam suas propriedades nutricionais

Quem nunca esteve gripado e sofrendo com tosse e escutou da mãe ou da avó a típica frase: “toma um chá de limão com mel que melhora”? A combinação do mel com outros componentes, como gengibre, hortelã, alho, etc. é uma receita comum de remédio caseiro em diversos lares do mundo. O sucesso dessas misturas é tão grande, que a Universidade de Oxford, no Reino Unido, já realizou estudos sobre como o uso do mel pode ser melhor para o tratamento de tosses e resfriados do que os próprios antibióticos, uma vez que o consumo desempenha função anti-inflamatória, antioxidante, bactericida, entre outras, no corpo humano.

O uso de mel em chás é uma prática comum (Foto/Pexels)

Produzido pelas abelhas, este é um alimento natural que, para além de seu uso medicinal, está presente na culinária. Por conta de seu dulçor, pode substituir o açúcar em diversos preparos, como bolos, sucos e vitaminas. E tem mais, combina super bem com torradas, cereais e iogurtes. Porém, não se engane! Apesar dos benefícios do consumo do mel, os nutricionistas recomendam o uso com moderação, já que, mesmo sendo um produto natural, ele é um carboidrato muito calórico. 

Aqueles que estão habituados com o consumo de mel, sabem que existe uma variedade desse produto disponível no mercado, que pode variar na cor, na textura e até nas propriedades. Como isso ocorre? Quem explica é o professor e zootecnista Vagner de Alencar Arnaut de Toledo, do Departamento de Zootecnia, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná. Mas, antes da gente continuar o assunto do mel, que tal aprender um pouco mais sobre quem o produz?

Abelhas (Foto/Pexels)

Quando nós falamos de abelhas, precisamos ter em mente que, no mundo, existem mais de 20 mil espécies. Dessas, cerca de 500 são sociais, o restante são chamadas de abelhas solitárias. Elas vivem em buracos, oco de árvores e, até mesmo, no chão. Algumas podem, inclusive, ser parasitas de outras abelhas. Todo o ser vivo na face da terra tem sempre uma função, no caso das abelhas, enquanto elas estão buscando alimento para si, vão polinizando as plantas. 

“Polinizar significa contribuir para a formação de um fruto, e aí está a importância das abelhas, porque a grande maioria contribui polinizando e atuando para que a planta possa produzir frutos e, grande parte deles, é consumida pelos seres humanos. Para você ter uma ideia, um terço do que a população da terra consome é proporcionado pela polinização das abelhas. Veja a relevância delas para o meio ambiente e para o ecossistema como um todo, porque, com a polinização, as abelhas ajudam a gerar um novo indivíduo de determinada espécie, então, isso contribui para a manutenção da diversidade e para a perpetuação das espécies. Com isso, auxilia na manutenção da temperatura da terra e na manutenção de alimentos, não só para os humanos como para outros seres”, explica o professor Vagner Arnaut.

Professor Vagner de Alencar Arnaut de Toledo (Foto/Site abelha.org.br)

O mel 

E além disso tudo, as abelhas produzem o mel. Você sabe como? A partir do néctar das flores. Tudo começa na escolha da matéria-prima. Entre vários locais onde encontram flores, as abelhas escolhem um que tenha uma farta concentração de néctar. Elas se comunicam e começam a levar o produtor para a colônia, onde realizam dois processos. “Um é físico, que seria a desidratação, ela acontece quando a abelha chega do campo e passa regurgitando o néctar para outra abelha, que passa para outra, e para outra e assim por diante. O néctar tem, às vezes, 70% de água e, com esse método, vai sobrar em torno de 20%. O segundo procedimento é químico, trata-se da incorporação de enzimas, que ocorre durante a regurgitação, para a transformação do dissacarídeo chamado sacarose em dois monossacarídeos, a glicose e a frutose. Quando o mel está quase pronto, elas depositam nos favos, e aí continua o processo de desidratação”, conta Arnaut.

Vários fatores podem determinar as características do mel, como a espécie da abelha, a época do ano, a região, a espécie vegetal, entre outros. Por exemplo, as abelhas chamadas Apis mellifera produzem um tipo de mel que é mais viscoso e mais concentrado, enquanto as abelhas sem ferrão, de uma forma geral, como as espécies Mandaçaia, Manduri, Tubuna e Jataí, produzem um produto menos viscoso e mais aquoso. 

Além disso, existe um mel que é produzido na região do centro-sul do Paraná e Santa Catarina, que é chamado de melato, ou pseudo mel, porque ele é produzido a partir da excreção de [insetos] pulgões e cochonilhas, que vivem na árvore bracatinga. Ele é produzido a cada dois anos e tem mais do que o dobro do teor de proteínas comparado a outros méis. 

A vegetação pode influenciar na cor do mel, como é o caso de algumas flores ricas em minerais, que levam as abelhas a produzirem mel mais escuro. Outras, pobres em minerais, resultam em um mel mais claro, como a flor de laranjeira e a cipó-uva. Ainda sobre a influência da espécie vegetal, “algumas abelhas produzem um mel que se ele não for retirado, cristaliza, ou como a maioria das pessoas conhece, ‘açucara’, rapidamente. Enquanto outros méis ficam de dois a cinco anos e não cristalizam, por causa de uma diferença na relação entre a glicose e a água. Quando a água está em menor quantidade, a glicose forma alguns cristais e isso funciona como um efeito dominó, disparando a cristalização de uma forma homogênea”, explica o professor.

Variedade de méis (Foto/Site Apiário Santo Antonio)

Além dessas características, é possível encontrar mel de vários preços. O que agrega valor aos diferentes tipos? Um dos fatores é a quantidade que a abelha produz. Por exemplo, abelhas sem ferrão produzem muito pouco volume de mel, podendo variar de meio ou até quinze quilos por ano. Quanto menor a produção, mais caro o produto. “Na Nova Zelândia, tem um mel a 500 dólares o quilo, porque ele tem comprovadamente um efeito antibiótico e isso faz com que esse mel, chamado de Manuka, tenha um alto preço no mercado”, exemplifica Arnaut. 

Outro aspecto que insere valor é a denominação de origem e identificação geográfica. Se o mel vem de uma determinada região com plantas que não ocorrem em outro local, isso também faz com que o preço dele seja muito maior. Mais um ponto é a preferência popular, como as pessoas gostam mais de mel claro, ele acaba sendo mais caro, mesmo sendo mais pobre em minerais, como explicou o professor Vagner anteriormente. 

Adulteração do mel

Todas essas características tornam o mel um produto relativamente fácil de ser adulterado após a extração. Ele pode ser misturado com xarope de açúcar, de milho, de glicose, melaço de cana, entre outras substâncias, e, ainda assim, ter a aparência e consistência muito parecida com a do mel puro. O consumidor, sem saber diferenciar, compra e consome esse mel modificado, que não tem as mesmas propriedades nutricionais do produto que ele pagou. 

Por isso, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a equipe liderada pelo professor Cleber Antonio Lindino, que atua na área da Química, desenvolveu um método para determinar a adulteração no mel, utilizando um sistema eletroquímico de análise. Primeiramente, ele explica que na adulteração de alimentos o objetivo principal é sempre a tentativa do ganho econômico. Ou seja, as pessoas acrescentam outros ingredientes mais baratos ao produto original e, deste modo, conseguem aumentar o volume desse elemento, enquanto continuam vendendo pelo preço normal, como se fosse um produto puro. “E aí, o que acontece? Essas pessoas acabam adquirindo expertise na adulteração e conseguem manipular de tal modo que você não perceba, mas ela existe. E é por isso que os métodos analíticos são extremamente importantes, uma vez que muitas adulterações de alimentos já são feitas para que os testes analíticos não as detectem”, acrescenta o professor.

Professor Cleber Antonio Lindino (Foto/Arquivo pessoal)

O trabalho começou por acaso, quando a equipe estava utilizando o sistema eletroquímico de análise para uma amostra ambiental. Na hora de fazer a padronização, eles utilizaram a glicose, que funcionou muito bem no sistema. “Aí, pensamos, se conseguimos analisar e determinar a glicose, então a gente consegue mexer com qualquer carboidrato. Acabamos fazendo alguns estudos e, daí, foi um pulo para ir para o mel, já que ele tem bastante glicose e frutose. Ao aprofundar o assunto, começamos a estudar um pouco sobre fraudes e adulterações, e vimos que isso é bastante comum nos alimentos, além de existirem grandes desafios ainda a serem implementados, principalmente de metodologias mais rápidas, com custo menor, para detectar a possibilidade de adulteração nessas amostras”, conta Lindino. Nos testes com o mel, a equipe teve sucesso fazendo algumas adulterações forçadas para validar o método, que funcionou na adulteração com xarope de glicose.

Além da pesquisa na parte de adulteração do mel, o grupo investiga a qualidade do produto. Mas não para por aí! Eles também estão investigando a possibilidade de fazer a distinção entre méis de abelhas diferentes, principalmente, quando se fala das sem ferrão ou, mais apropriadamente, as abelhas nativas. Como alguns méis são mais caros do que os outros e a população em geral não conhece muito bem as variedades, quem está vendendo pode oferecer um tipo mel e dizer que é de uma abelha tal, mas, na verdade, pode ser de outra espécie, uma que é mais fácil de cultivar e, portanto, o produto é mais barato que o anunciado. “Nós começamos analisando o mel da Apis mellifera, que é a abelha mais convencional que temos, e agora estamos trabalhando também com algumas espécies de abelhas nativas aqui da região. A gente já está tendo algum sucesso com isso”, comemora o professor.

Para esse estudo, a equipe teve que escolher algumas espécies principais de abelhas da região. As escolhidas foram: Jataí, Mandaçaia, Mandaguari e Tubuna. Com a metodologia do sistema eletroquímico, eles estão tentando ver se conseguem diferenciar os méis de cada espécie. Além disso, a intenção do grupo também é avaliar as diferentes regiões da cidade. “Essas abelhas que nós estamos analisando agora, são criadas no meio urbano, então estamos investigando se há alguma influência da localidade de criação delas e também fazendo uma análise temporal em diversas estações do ano, para ver se, por exemplo, as floradas e a alimentação artificial, que é colocada principalmente no inverno, influenciam ou não na qualidade do mel”, detalha o Lindino.

Coleta de mel da abelha nativa Jataí (Foto/Arquivo pessoal)

Os estudos realizados pela equipe da Unioeste têm a colaboração de produtores da região e, nessa parceria, todo mundo sai ganhando. O grupo está sempre dando um retorno sobre a qualidade do mel produzido, para que os apicultores possam ter acesso a essas informações. O professor conta que a ideia, em um futuro próximo, é criar uma espécie de cadeia de pesquisa nessa área, que envolva também os produtores, para discutir questões como a qualidade no mel e a verificação de adulterações, criando assim algum mecanismo que possa colocar os pesquisadores em maior proximidade aos apicultores e cooperativas.

A acessibilidade também é uma das prioridades da equipe, por isso, eles estão verificando a possibilidade de, em breve, tornar o equipamento, juntamente com a metodologia, um produto patenteável, e, aí sim, disponibilizar para um grande número de pessoas. “Nós estamos utilizando um sistema para tornar bem fácil de fazer. Na parte eletroquímica, tem um eletrodo e a gente faz ele muito fácil, com um pedaço de fio de cobre mesmo. Depois nós tratamos, fazendo uma reação química de aproximadamente uma hora. E esse material é um catalisador que detecta a reação da glicose, da frutose, ou de qualquer carboidrato. Então, a nossa ideia é justamente ter um método fácil de preparar, que gere pouco resíduo, no princípio de química verde, e que ele seja portátil, ou seja, não vai ficar no laboratório, a gente pode pegar a metodologia e levar até um campo”, conclui o professor.

Tudo isso está sendo realizado para que o produtor saiba a qualidade do mel que ele está produzindo e para garantir que nós, consumidores, não sejamos enganados na hora de comprar o produto. É isso que a gente chama de ciência à disposição da população!

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Milena Massako Ito
Colaboração: Juliana Daibert
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: