Que tal substituir petróleo, gás e carvão por biomassa?

O meme pode ser antigo, mas essa é a ideia pioneira do NAPI Hidrocarbonetos Renováveis na busca de soluções para a transição energética no Paraná

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É preciso ser realista. Não há caminho fora da Ciência para enfrentar os impactos e as incontáveis tragédias que a emergência climática nos impõe, seja agora e no futuro, enquanto humanidade e até mesmo como projeto de civilização. 

Para muitos, mesmo entre aqueles que não chegam a negar abertamente o aquecimento do planeta, ainda há um ceticismo sobre como será possível substituir os combustíveis fósseis, que são grandes emissores de Dióxido de Carbono (CO2) na atmosfera, e promover uma transição energética segura e eficiente com o sol, água, vento e biomassa. 

Claro, não estamos falando de uma substituição total de fontes poluentes e emissoras dos gases de efeito estufa. O que se propõe em tempos dos extremos do clima é o fim de investimentos em plantas fósseis e dar prioridade para as renováveis a fim de substituir gradativamente o petróleo, gás natural e carvão. Até porque precisamos reduzir as emissões para não elevar ainda mais a temperatura média no planeta.

Enquanto os cientistas alertam para o impacto das atividades humanas na exploração dos recursos naturais, mulheres e homens estão há décadas debruçados sobre estudos que buscam soluções e alternativas para suprir a demanda por petróleo mediante utilização de processos mais sustentáveis e eficientes.

NAPI HCR

No Paraná, a união entre pesquisadores, agentes públicos e empresas está, desde 2021, promovendo uma nova dinâmica de pesquisas para desenvolver processos industriais sustentáveis no segmento de biocombustíveis para os setores de transporte aéreo e terrestre.

Chamado de Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Hidrocarbonetos Renováveis, o NAPI HCR recebe fomento da Fundação Araucária e tem o apoio da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). Com a conexão entre os diversos grupos de pesquisas, o objetivo é criar oportunidades de crescimento de forma colaborativa, aproveitando a sinergia entre as competências locais e a infraestrutura já existente para alavancar a produção de combustíveis sustentáveis e renováveis no estado do Paraná de forma descentralizada.

Luiz Pereira Ramos é pesquisador e Professor Sênior da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Como facilitador deste NAPI na Fundação Araucária, ele nos explica a origem da proposta de reunir em rede pesquisadores paranaenses que têm estudos no segmento de biocombustíveis sintéticos.

“O NAPI HCR surge da necessidade de se propor a conexão entre esses segmentos para abrir uma nova perspectiva de mercado no Paraná e contribuir para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono”, relembra Ramos.

Luiz Pereira Ramos é pesquisador e Professor Sênior do Programa de Pós-graduação em Química e em Engenharia Química da UFPR (Foto/Arquivo Pessoal)

Embora o Arranjo tenha um componente acadêmico, distribuído entre a formação de recursos humanos e a produção de produtos bibliográficos, há também um forte componente tecnológico. “Queremos proporcionar o desenvolvimento e o amadurecimento dessas tecnologias, de modo a levar aquilo que é desenvolvido no laboratório a um TRL mais avançado, sigla para Technology Readiness Level, que traduz o quão madura está a tecnologia para chegar ao mercado”, completa.

Ainda segundo o facilitador, o NAPI HCR está plantando a semente de um hub tecnológico voltado à transição energética. “Pretendemos criar um ambiente que venha a convergir para uma mesma massa pensante os desafios científicos e tecnológicos da área de produção e uso de hidrocarboneto renováveis e sua conexão com vários setores da economia”.

Como parte das ações, os integrantes do NAPI Hidrocarbonetos Renováveis vislumbram a potencialidade do Estado como grande protagonista nacional na produção de hidrocarbonetos a partir do gás de síntese obtido da reforma do biogás e de outras fontes de CO2 e hidrogênio renovável, buscando contribuir à na transição energética para uma economia sustentável e de baixo carbono.

Não precisamos nos deter no conceito de que representa uma economia de baixo carbono, chamada de bioeconomia, porque o Conexão Ciência – C² já fez uma matéria detalhando essa ideia. Vamos partir direto para explicar o que são os hidrocarbonetos renováveis, seus princípios e aplicações.

Afinal, o que é um hidrocarboneto? 

Um hidrocarboneto é uma molécula composta por Carbono e Hidrogênio e é a base de toda cadeia para produção de combustíveis. Ao se produzir hidrocarbonetos de fontes renováveis em detrimento de óleo fóssil, é possível criar combustíveis renováveis e sustentáveis. Uma das principais fontes para produção de HCR no Paraná é o biogás, sistemas de captura de CO2 associados à produção de hidrogênio renovável, a partir de rejeitos e resíduos agroindustriais e urbanos.

Através de rotas renováveis, os pesquisadores convertem esses e outros resíduos em hidrocarbonetos que substituem a gasolina ou o diesel. Assim, da mesma forma que hoje é possível abastecer um carro com energia elétrica, haverá a opção de usar um tipo de ‘hidrocarboneto’ com um biocombustível que não tem origem petroquímica. Ou seja, ter a alternativa vinda de uma fonte renovável a partir de algum rejeito que hoje representa um problema ambiental grave e, ainda por cima, que não emite CO2.

“A intenção é utilizarmos quaisquer fontes de resíduos e/ou de biomassa para geração de um “óleo”, chamado de óleo sintético renovável, que possa ser refinado em frações de combustíveis, por exemplo, diesel verde, biogasolina, bioquerosene de aviação, hidrogênio, dentre outros”, conforme explica o professor de Engenharia Química da UFPR e coordenador no NAPI HCR na instituição, Marcos L. Corazza.

Ele reforça que “somente a partir do desenvolvimento de tecnologias inovadoras para produção de combustíveis e vetores energéticos sustentáveis, de origem não fóssil, será possível de fato dar início a uma transição energética factível do ponto de vista econômico”. 

Para Corazza, por esta razão é fundamental a existência do NAPI HCR para se ter uma transição energética no Paraná a partir de bases científicas e tecnológicas inovadoras. De certa forma, a rede de pesquisadores está conseguindo reabilitar o termo ‘hidrocarboneto’, originalmente associado aos fósseis e seus graves impactos ao clima do planeta. 

Marcos Corazza é professor e coordenador do NAPI HCR junto à Universidade Federal do Paraná (Foto/Arquivo Pessoal)

Junção de experiências

Os professores Luiz Pereira Ramos e Marcos Corazza foram os idealizadores do NAPI Hidrocarbonetos Renováveis, que junto com dezenas de outros pesquisadores no segmento de biocombustíveis, colocam a experiência de décadas em pesquisas para conduzir o Arranjo.

“Atualmente sou professor do Departamento de Engenharia Química da UFPR e coordenador do NAPI HCR na instituição (UFPR). O meu principal foco nos projetos e pesquisas do grupo são na área de síntese e otimização de processos para produção de hidrocarbonetos renováveis e sustentáveis”, acrescenta Corazza.

Com uma ação transversal e multifacetada, o HCR conversa diretamente com o NAPI de Hidrogênio, NAPI de Biogás e outros NAPIs que têm como foco sustentabilidade e biocombustíveis. “No momento, acredito que as principais interseções são exatamente o H2 (hidrogênio) e o biogás, dois outros vetores energéticos fundamentais para o sucesso do NAPI de Hidrocarbonetos Renováveis”. 

Neste contexto, a expectativa dos participantes do grupo é que a sociedade de modo geral pode esperar o desenvolvimento de processos e tecnologias de produção de hidrocarbonetos renováveis e sustentáveis, principalmente combustíveis, em detrimento à utilização de fontes não renováveis, como os fósseis. 

“A produção de químicos de base e geração de vetores energéticos sustentáveis será fundamental para o processo de transição energética para uma economia de baixa ou zero carbono”, acredita Corazza.

Os professores e pesquisadores Carlos Borba (à esquerda), Edson Silva, ambos da UNIOESTE, e Tatiane Ferrari, da UFPR, participaram no Summit Iguassu 2024 (Arquivo/NAPI HCR)

Além da UFPR, integram o NAPI as seguintes instituições paranaenses: Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Universidade do Centro Oeste do Paraná (Unicentro) e Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Há ainda parceiros nacionais e internacionais associados a projetos de pesquisa e inovação.

São mais de 100 pesquisadores cadastrados na plataforma IAraucaria.pr.gov.br, dos quais metade são bolsistas de pós-doutorado, doutorado, mestrado, iniciação científica e técnica. Em quase três anos de atividades, o grupo já produziu 36 artigos científicos, participou de 19 congressos, realizou apresentações temáticas e ministrou cursos de treinamento. 

Aplicação prática

A partir dos conceitos e princípios delineados pelo NAPI HCR, uma aplicação prática já está em fase de execução. Com ênfase no desenvolvimento de bioquerosene de aviação a partir da biomassa que gera o biogás, uma planta piloto foi instalada em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, com apoio direto dos pesquisadores do NAPI HCR. 

A unidade foi concebida no âmbito do projeto financiado pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Agência Alemã de Cooperação Internacional GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit GmbH), com importante contrapartida da Fundação Araucária.

A Unidade de Produção de Hidrocarbonetos Renováveis localizada na Unidade de Demonstração de Itaipu, em Foz do Iguaçu, será pioneira no Brasil na produção de óleo bruto sintético, uma mistura de hidrocarbonetos sintetizada a partir do biogás que será refinada a bioquerosene de aviação”. 

Segundo divulgação feita pelos parceiros do projeto, a planta tem potencial para auxiliar no atendimento às metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris, em 2015, de descarbonização do setor energético até os anos de 2030 e 2050.

O projeto foi coordenado e executado pelo Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), com o apoio do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Paraná e do Centro de Pesquisas em Hidrogênio do Parque Tecnológico Itaipu (PTI).

Como vemos, outros produtos, tecnologias e inovações estão no horizonte, bem à frente dos nossos olhos, e sendo criados e aperfeiçoados para diminuirmos as emissões e enfrentarmos os impactos das mudanças climáticas

Então, quando alguém perto de você afirmar que é impossível substituir o petróleo e seus derivados nas atividades econômicas e até sociais, lembre-se do NAPI Hidrocarbonetos Renováveis, dos cientistas, da Ciência. Depois, compartilhe esse conteúdo e seja um divulgador científico.

E junte-se a quem trabalha e grita aos quatro ventos: Biomassa, já!

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Texto:
Silvia Calciolari
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Milena Massako Ito
Arte: Mariana Muneratti e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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