O que você faz com as roupas que não usa mais? Já parou para pensar no destino das peças que não seguem as últimas tendências? Será que precisamos comprar tantas roupas novas o tempo todo? Esse ciclo de consumo — comprar, usar por pouco tempo e depois descartar ou simplesmente ignorar — é uma realidade para bastante gente.
É só rolar o feed das redes sociais que, instantaneamente, você vê influenciadores vestindo as “peças do momento” e, assim, logo se pega desejando algo novo para não estar fora de moda. O impacto desse comportamento vai além do que se pode imaginar. A cada nova peça adquirida, acabamos contribuindo para um acúmulo de roupas que, muitas vezes, não têm destino certo.
Dados do Sebrae mostram que no Brasil, são geradas, aproximadamente, 170 mil toneladas de resíduos têxteis todos os anos e apenas 20% deles são reciclados. O resto acaba nos aterros sanitários ou no meio ambiente. A imagem do lixão de roupa no deserto do Atacama talvez seja uma das mais marcantes para ilustrar quando falamos desse assunto. Atualmente, o local concentra cerca de 60 mil toneladas de peças de roupas.

Todo esse cenário nos leva a refletir sobre o que é possível ser feito para diminuir os impactos ambientais causados pela indústria fashion e pelo consumo desenfreado. Na era da emergência climática, cada ação conta e o conceito de moda circular vem para ser uma das alternativas, já que, de acordo com a professora Eliane Pinheiro, do Departamento de Moda, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), essa prática propõe repensar o ciclo de vida de um produto, desde as etapas iniciais da produção até a destinação final.
A circularidade a favor da sustentabilidade
A ideia central da moda circular é que cada processo envolvido na criação de uma peça, como a escolha da matéria-prima, o design, a produção, a venda e o uso pelo consumidor, seja planejado de maneira a minimizar o impacto ambiental e promover a reutilização.
“Hoje, o que nós identificamos no mercado são alguns pontos de circularidade na moda. Algumas indústrias têm processos que prezam pela sustentabilidade, pensando, por exemplo, no descarte do material têxtil. Outras empresas já pensam mais na destinação final, como a C&A, que oferece a possibilidade de devolução de roupas usadas”, comenta Eliane.
A moda circular entra dentro do modelo de economia circular, que busca otimizar o uso de recursos e reduzir ao máximo o desperdício, possibilitando o reaproveitamento, a reciclagem e a regeneração de produtos e dos materiais. Ao contrário da economia linear tradicional, que segue o padrão “extrair, produzir, vender, descartar”, a economia circular tem o objetivo de criar um sistema mais sustentável, em que os resíduos se tornam insumos para novas produções.

Um dos pontos-chave dessa abordagem é o design sustentável, que desempenha um papel fundamental na redução de desperdício e no aumento da eficiência dos processos produtivos. A professora Eliane explica que o design sustentável começa com a concepção do produto, envolvendo escolhas criteriosas sobre as matérias-primas e a sua durabilidade.
“Pensar na criação desse modelo significa considerar quanto material será descartado e qual será o tempo de uso do produto”, aponta. Esse tipo de design inclui também decisões a respeito dos acessórios e dos aviamentos usados na confecção, avaliando se esses componentes poderão ser facilmente reutilizados ou reciclados no futuro.
A sustentabilidade no design ainda leva em conta os anseios dos consumidores, na procura por entender as demandas de quem vai comprar a roupa. “Eu percebi que se a fase de projeto da peça for desenvolvida exatamente como o necessário, avaliando os materiais, o consumo e os anseios do consumidor, o empreendedor consegue reduzir os custos com matérias-primas, evitar o excesso de estoque e aumentar os lucros”, explica Eliane.
E é claro que, para além da diminuição dos gastos com o material têxtil, os efeitos negativos no meio ambiente caem junto. Durante o processo de corte das roupas, muito tecido é desperdiçado, e uma grande quantidade não é reaproveitada. A pesquisadora salienta que, pela legislação brasileira, os retalhos devem ser destinados a empresas especializadas em descarte, o que gera despesas para as confecções. “Se elas conseguirem reduzir essa quantidade de resíduos, as empresas economizam com o descarte e, ao mesmo tempo, minimizam o impacto ambiental”.

A conscientização é o pontapé inicial (e essencial)
Mesmo que esses debates estejam em voga, a falta de conscientização das pessoas – tanto de quem produz quanto de quem compra – continua sendo uma das principais barreiras para os avanços da sustentabilidade na moda. Mas, de pouquinho em pouquinho isso vem mudando.
Há uma crescente discussão acerca do consumo consciente e do reaproveitamento de roupas, que também faz parte da moda circular. Brechós, plataformas de revenda e o processo de upcycling são exemplos disso, permitindo que as peças tenham uma vida útil prolongada, sendo revendidas ou trocadas em vez de jogadas fora. O movimento de “desapego”, em que as pessoas vendem roupas que não usam mais, é uma prática cada vez mais comum e reforça o ciclo de reutilização.
Em uma de suas pesquisas mais recentes, a professora da UEM quis compreender a influência das emoções sobre o consumo, de que forma o chamado design emocional afeta no cuidado que os indivíduos têm com suas roupas e, consequentemente, como isso reflete em um maior cuidado com as peças. Escute e entenda mais a respeito desse tema!
Já no setor produtivo, as decisões são fortemente motivadas pelo fator econômico. “Se conseguíssemos comprovar as vantagens financeiras das ações sustentáveis para os gestores de empresas, elas certamente seriam incorporadas nos processos. Mas o segredo está na conscientização em todos os sentidos”, frisa Eliane.
Sendo assim, a moda circular surge como uma resposta necessária e urgente ao curso desenfreado de consumo que caracteriza a indústria fashion. Mais do que uma tendência, ela representa uma mudança de mentalidade que busca reavaliar cada etapa do ciclo de vida das roupas, desde o design até a destinação final.
O desperdício de recursos e os impactos ambientais podem ser drasticamente diminuídos se consumidores e empresas adotarem práticas mais conscientes e sustentáveis, como o reuso, a reciclagem e o design focado na longevidade das peças. E a conscientização é o começo para essa transformação.
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Arte: Camila Lozeckyi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Gostou do nosso conteúdo? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.