Bruno da Silva e a esposa Eliza, com o apoio de seus filhos Marcos e Valentina, moradores do distrito de Jacutinga pertencente ao município de Francisco Beltrão, buscavam por uma vida mais sustentável e saudável, o que os levou a explorar maneiras de melhorar a produção de alimentos da propriedade deles.
Ao buscarem informações na internet, acabaram se deparando com uma matéria do C², sobre as conexões entre agricultura e projetos universitários. Logo perceberam que, além de exercícios físicos regulares, uma alimentação de qualidade era essencial para alcançar um estado de bem-estar ideal.
Indo mais a fundo, a família encontrou outra matéria do nosso projeto, que alerta sobre o crescente uso de fertilizantes e agrotóxicos, o que levou os quatro a pensarem mais sobre a importância de produzir alimentos orgânicos, livres de produtos químicos para garantir a segurança alimentar.
Foi, então, que começaram a buscar apoio e amparo para melhorar tanto a saúde quanto a qualidade dos alimentos da fazenda. Nesta trajetória, a família se via frequentemente envolvida em um mar de questionamentos: como alcançar esses objetivos? Como materializar essas melhorias? E, acima de tudo, como obter o tão desejado Selo Verde da agricultura orgânica no estado do Paraná? Essas indagações serviram como bússola na aventura em direção a uma vida mais saudável e sustentável.
Dentro desse cenário, a produção agrícola com sustentabilidade e regenerativa emerge como uma necessidade vital em um mundo onde a preservação do meio ambiente e a saúde das pessoas estão no topo da lista de prioridades. Os Silva puderam comprovar isso durante uma de suas visitas ao Show Rural da Coopavel, que ocorreu em Cascavel, no Paraná.
O tema fazia parte das discussões do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Startup Life: Azagros. A equipe do NAPI ofereceu apoio e respostas a muitas perguntas que rondavam a cabeça da família, além de soluções inovadoras que não apenas atendiam às necessidades dos produtores, mas, também, inspiravam outros agricultores comprometidos com a sustentabilidade e empreendedores em geral.
Impacto do aplicativo Azagros na sociedade
Na verdade, todas as perguntas que castigaram a mente dos Silva também já tinham mexido com Taiuska Villa de Lima, investidora e produtora rural. Há cinco anos, ela e o irmão Tacius Villa de Lima convenceram a mãe Noemí a mudar o sistema produtivo da fazenda deles, localizada em Foz do Iguaçu. Foi um caminho difícil, mas o biólogo Tacius conseguiu mostrar que era possível produzir alimento mais saudável, sem agrotóxicos.
Depois de mudar os processos, a necessidade de registrar as informações que surgiam da nova proposta fizeram a família Villa pensar em usar tecnologia e, hoje, Taiuska é uma das responsáveis pelo NAPI Startup Life. A equipe desenvolveu o aplicativo Azagros, que vem revolucionando a maneira como muitos agricultores operam.
A co-fundadora da Startup, Silvana Vasineski, lembra que o aplicativo ganhou força, também, a partir da demanda de agrônomos da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), campus Dois Vizinhos.
“Eles mostraram que tinham dificuldade nos processos de digitalização de dados, de gestão da informação e da comunicação nas propriedades. Então, unimos uma equipe e com a parceria da Kepha Venture Builder desenvolvemos o sistema. Afinal, essa demanda veio ao encontro do que Taiuska pensava e necessitava na propriedade dela”, explica a atual gerente de produtos da empresa, sediada em Dois Vizinhos.
O App Azagros é uma tecnologia que monitora todo o processo de produção. Desde a seleção de sementes até os cuidados com o solo. Cada etapa é meticulosamente registrada no aplicativo e analisada por profissionais responsáveis, permitindo uma produção e visualização mais eficientes.
“O Azagros não é apenas um aplicativo qualquer, mas uma tecnologia completa de rastreabilidade e gestão para a agricultura. A rastreabilidade vai além da transparência, influenciando também na rentabilidade. Com acesso a dados precisos sobre o histórico de cultivo, os produtores podem planejar atividades e otimizar o uso de insumos. Essa abordagem inteligente não apenas reduz custos, mas também minimiza impactos ambientais e promove a saúde do solo e das plantas”, explica Silvana.
Além de registrar, o aplicativo permite ainda prever cenários. É possível antecipar eventos climáticos como chuvas e planejar atividades de forma mais eficiente. Se daqui a dois dias vai chover, é possível preparar a atenção à produção adiantando, por exemplo, a aplicação de um produto. Ou suspender e só aplicar daqui a cinco dias. Essas possibilidades permitem mais controle para um serviço tradicional, muitas vezes conduzido por pessoas com pouco conhecimento em tecnologia.
“Tudo isso a gente pode ter alinhado. Não somente a terra, o trator… é com isso que nós estamos transformando a agricultura, trazendo mais controle para um tipo de serviço tradicional que conta com pessoas com baixo conhecimento de tecnologia. Esses produtores, no entanto, precisam enxergar a tecnologia como aliada. Ou seja, precisam perceber que a tecnologia não é apenas uma ferramenta. Quando lançamos mão dela, conseguimos melhorar a rentabilidade, gastar menos na terra, gastar menos com uma cultura e evitar até a propagação de tantas pragas”, explica Taiuska.
Orgânicos
Uma característica marcante do sistema desenvolvido pela equipe do NAPI Startup Life é a capacidade de atender às exigências da agricultura orgânica, acrescenta a empreendedora. Com as certificações cada vez mais desafiadoras, mais valorizadas pelos consumidores conscientes, o Azagros oferece uma solução completa para produtores que precisam comprovar a autenticidade de seus produtos orgânicos.
O cliente principal da startup é um produtor orgânico. O laboratório do grupo esteve “dentro” da Gebana, a maior comercializadora de grãos orgânicos do Paraná. A história desse empreendimento é curiosa. Na década de 1980, a rede de mulheres liderada por Ursula Brunner nomeou-se o “Arbeitsgemeinschaft GErechter BANAnenhandel” (Grupo de Trabalho para um Comércio Justo de Banana) – ou Gebana, abreviadamente.
Veja a história no vídeo abaixo, mas vai spoiler por aqui. Essas mulheres suíças começaram a pensar sobre o comércio justo e acabaram por criar um movimento que acrescentou a essa luta a questão do alimento saudável. Desde 1998, as pessoas ligadas à Gebana unem valores sociais e ecológicos à sustentabilidade econômica e estabelecem cadeias de fornecimento sustentáveis para alimentos.
A empresa logo começou a processar e a investir em apoio aos agricultores no Brasil, Burkina Faso, Tunísia, Togo e Benin. Em 2002, a Gebana Suíça passa de cliente de empresas produtoras de soja orgânica no sudoeste do Paraná a uma atuação ativa no processo de apoio às famílias de agricultores, instalando-se na cidade de Capanema, onde se constituiu a Gebana Brasil. Três anos depois, passou a fomentar o cultivo de trigo e milho orgânicos em rotação com a soja, ampliando a renda das famílias e criando novas cadeias produtivas.
Por meio do agrônomo Márcio Challiol, a Gebana conheceu e adotou o App Azagros para fazer o acompanhamento total da produção. As informações sobre a preparação do solo, a semente, as entradas de pulverização e que produto foi usado, as séries de chuva e de seca para prever a rentabilidade da safra vem sendo inseridas no Sistema. Os registros colocados na base de dados ajudam a comprovar que o plantio foi proveniente de uma agricultura regenerativa e ou sustentável.
Em outras palavras, o aplicativo Azagros garante a qualidade e a legitimidade dos produtos. Afinal, não basta apenas realizar as ações, é fundamental ter evidências. Assim, quando um produtor for solicitar o Selo Verde1, consegue apresentar dados realistas e de credibilidade. Escute o depoimento do agrônomo Márcio, abaixo.
Segundo a co-fundadora da startup, Silvana, a tecnologia Azagros proporciona ao produtor não ficar dependente de um caderninho com anotações. É possível arquivar no aplicativo, por exemplo, imagens geradas por um drone e outros sensores”, descreve Silvana.
Hoje, a empresa conta, inclusive, com o sensor de um drone de imagem via satélite, que dá a temperatura da planta e a temperatura do solo. “Oferece ainda o NDVI [Índice de Vegetação por Diferença Normalizada], uma medida que usamos para entender a saúde das plantas. Então, você tem toda essa base de dados de uma produção seja ela de grãos, seja ela de café seja ela de uma fruticultura, na fruticultura. É possível identificar até mesmo o talhão2, quantas árvores tem e fazer essa administração do que você fez, se teve perdas, se houve contaminação de bicho da mosca-da-fruta ou não. Tudo por meio de um sistema fácil de lidar. Aí que está o nosso diferencial”, acrescenta Taiuska.
NAPI
Toda essa inovação permitiu à equipe desenvolvedora do aplicativo a possibilidade de se tornar um NAPI. Os Arranjos são estruturas de pesquisa que têm como foco produzir novidades tecnológicas para melhorar a vida dos paranaenses. A iniciativa é financiada pela Fundação Araucária de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico, no Paraná.
Taiuska destaca que todo o apoio é importante, já que a equipe do NAPI tem como objetivo impactar positivamente o mundo. “A gente tem que fazer a diferença. Nascer herdeira somente eu não quero, eu quero trazer comida mais saudável para as pessoas, para que elas não precisem comer comida com carga química. Se a gente puder salvar um pouco de pessoas, para que elas não desenvolvam nenhuma doença, minha consciência e de meu irmãos estarão limpas”, conclui a agricultora.
Como dito no início, Taiuska atua com a ajuda do aplicativo na própria fazenda ao lado do irmão, Tacius Villa de Lima. Ele faz parte do Grupo Associado de Agricultura Sustentável – GAAS, e é ex-conselheiro do Parque Nacional do Iguaçu. É Tacius quem fez o projeto para a fazenda dos Villa. “Nós queremos que essas práticas sejam conhecidas, e não que estejam apenas na nossa propriedade”, anuncia o biólogo.
Em um momento em que a agricultura enfrenta desafios sem precedentes com a emergência climática, iniciativas como a Azagros oferecem esperança e inspiração. O NAPI Startup Life: Azagros está, enfim, liderando o caminho para uma agricultura mais consciente, eficiente e sustentável. Seus desenvolvedores mostram que é possível alimentar o mundo sem comprometer o futuro do planeta.
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Texto: Juliano Meurer Backes e Ana Paula Machado Velho
Colaboração: Douglas Cardoso Dragunski
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Any Veronezi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
Glossário
- Selo verde – É uma certificação para produtos, serviços e empresas que produzem de forma sustentável, ou seja, com ações de menor impacto ambiental e socialmente responsáveis ↩︎
- Talhão – É uma unidade mínima de cultivo de uma propriedade, geralmente definida em função de seu relevo e do planejamento da lavoura. Em termos populares, também se designa lote ou gleba. ↩︎