Arte de Murilo Mokwa

Saúde do campo até a mesa

Cuidar da saúde dos agricultores traz benefícios para quem produz e para quem consome

As feiras livres de Maringá são um ponto alto do município paranaense. Durante a semana, em diferentes horários, os bairros possuem suas feiras locais e a variedade de produtos comercializados é enorme. São frutas, verduras, legumes, pães e muitos outros itens, além das barraquinhas voltadas para o consumo local, que atraem os moradores e estes não só frequentam as feiras de seus próprios bairros, mas também de outras regiões do município. 

A primeira feira de Maringá foi instalada em 1953 e desde então muitas surgiram e se espalham pela cidade, e cada uma delas, conta com consumidores fiéis, os quais, semanalmente, marcam presença à procura de alimentos fresquinhos e de boa qualidade. Esse é o caso da dona Eliza, moradora da Vila Santo Antônio, que sempre está batendo perna pelas ruas maringaenses, mas, quando é dia de feira, a rota e o destino já estão definidos para ela. 

Um dos principais fatores que levam a maringaense a comprar nas feiras é a presença dos produtos orgânicos, que chamam a atenção pela não utilização de agrotóxicos e contaminantes na produção. Pensando no seu bem-estar e no de sua família, dona Eliza acredita que os orgânicos são a melhor opção para o preparo e consumo de suas refeições, já que a procedência desses alimentos preza pela manutenção das qualidades vitais deles, o que,  consequentemente, é melhor para a saúde. 

O que é bem importante ressaltar, ainda, é a questão do duplo benefício que os orgânicos proporcionam, isto é, tanto para os produtores quanto para os consumidores, que acabam não tendo o contato direto com substâncias que podem prejudicar a saúde deles e que, também, não contaminam o solo e todo o ambiente de produção. Assim, existe o propósito de se fazer o uso saudável e responsável dos recursos que viabilizam a prática agrícola e cooperam para o bem-estar dos envolvidos no processo produtivo e de quem irá consumir o produto final. Mas, e quando a produção orgânica não é viável? Como é possível proteger, principalmente, o agricultor, da toxicidade dessas substâncias químicas?

É aí que entra em cena o projeto de extensão “Monitoramento da exposição ocupacional”, que teve o início das atividades em 2009, elaborado pela professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Paula Nishiyama. O projeto tem o objetivo de realizar atividades de extensão na área da saúde do trabalhador e trazer informações para os agricultores sobre o uso de substâncias químicas, como os agrotóxicos, além de capacitar os profissionais da saúde que trabalham com essa população. 

A professora Simone Aparecida Galerani Mossini, do Departamento de Ciências Básicas da Saúde (DBS), da UEM, é a atual coordenadora do projeto. Ela conta que dificilmente encontramos agrotóxicos sem toxicidade, “todos eles apresentam efeito tóxico seja de baixo, médio ou alto grau. Então, é importante a orientação do trabalhador quanto ao uso de equipamentos de proteção, as possibilidades de substituição que existem por agentes químicos de toxicidade reduzida e o que o município pode fornecer em termos de atendimento à saúde e acompanhamento médico”, declara a docente. 

Equipe do projeto “Monitoramento da exposição ocupacional” (Arquivo)

O projeto de extensão é desenvolvido pelos departamentos de Ciências Básicas da Saúde e de Enfermagem da UEM, e conta com o apoio do Laboratório de Toxicologia e de Patologia da Universidade, do Centro de Controle de Intoxicações do Hospital Universitário Regional de Maringá (CCI/HUM), do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR – Paraná), que fica localizado em Marialva, da Prefeitura de Marialva e da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UEM.

No início, o projeto era direcionado para avaliar a exposição de trabalhadores em geral a substâncias químicas, mas, pelo fato da UEM estar localizada nas proximidades de uma região essencialmente agrícola, a atenção acabou ficando voltada para os agricultores, pois  o uso de substâncias químicas na agricultura, basicamente os agrotóxicos, é uma preocupação, em função do risco que essas substâncias químicas trazem para os trabalhadores. Por isso, desde 2009, o projeto desenvolve suas atividades com agricultores da região de Marialva, município vizinho a Maringá, no Paraná.

As informações disseminadas pelo projeto são ainda mais importantes para o agricultor da agricultura familiar, por serem parte de uma população considerada mais vulnerável em função da moradia, que se localiza, praticamente, ao lado das áreas de cultura, ou seja, a residência do trabalhador e de sua família é muito próxima do ambiente em que ele cultiva. Consequentemente, está próximo ao local em que são armazenados os agrotóxicos, onde esse é manipulado para ser aplicado na cultura e, também, é o lugar em que as roupas que são utilizadas durante o processo de aplicação são lavadas. Então, toda a família é envolvida no processo de trabalho e acaba, direta ou indiretamente, exposta a esse grupo de substâncias químicas. Por isso, essa população é o público-alvo do projeto.

Formada em farmácia pela UEM, Renata Sano Lini é uma das doutorandas que atua no projeto, porém sua jornada com o grupo começou na graduação, e desde então ela tem feito parte dos projetos e atividades realizados pela equipe. Ouça um pouco o que ela pensa sobre os resultados na visão de aluna:

🎧 A doutoranda Renata Sano Lini fala sobre sua visão como aluna participante do projeto 

A professora Simone completa, lembrando que “o contato dos alunos com a comunidade, aproxima a universidade da população, promovendo uma troca de experiência e saberes e disponibilizando o conhecimento e o que a universidade tem a oferecer de forma a melhorar a qualidade de vida. No caso do projeto, o objetivo é promover ações de saúde, conhecer a realidade do trabalhador e prevenir intoxicações agudas, evitando que o trabalhador venha a precisar de atendimento hospitalar, ou, a longo prazo, que ele desenvolva doenças. A ideia é trazer informações que possam prevenir um adoecimento em função da exposição a essas substâncias químicas”.

Todas as culturas são passíveis de pragas. São fungos, insetos e outros organismos que precisam de controle para o rendimento de produção não cair. Tratando-se de um projeto que desenvolve suas atividades na região de Marialva, cidade conhecida como “Capital da Uva Fina”, vamos falar desse produto, que é muito sensível e, toda vez que chove, o produtor precisa aplicar algumas substâncias para evitar, por exemplo, o crescimento de fungos. Além disso, também existem os produtos que são preventivos, ou seja, são necessários para prevenir que determinado inseto não ataque a cultura ou para que ácaros ou fungos não se propaguem. 

Por isso, é muito complicado deixar de lado o uso dos agrotóxicos. “O que a gente busca fazer, junto com os técnicos do IDR-Paraná, é modificar um pouco essa prática de excesso, porque, às vezes, os agricultores aplicam produtos com a mesma finalidade. Por exemplo, dois inseticidas ou fungicidas que têm a mesma ação. Então, não precisaria ser aplicado um volume tão grande. Assim, é claro, com o acompanhamento dos técnicos, pode-se reduzir a quantidade de aplicações”, explica Mossini.

A prioridade do projeto também se volta para proteger o trabalhador com o uso de equipamentos de proteção, armazenamento desses produtos em local adequado e seguro, fora de casa e respeitando o tempo para colheita das frutas e outros cultivos. No processo de uso dos agrotóxicos existe o período chamado de carência, que é um intervalo de tempo em que essa substância vai ser degradada e não vai aparecer no alimento. A professora conta que, às vezes,  falta um pouco de informação em relação a essas situações. Dessa forma, o papel do projeto está na questão de orientar os agricultores para o perigo que é a manipulação desses produtos com as mãos, sem o uso de luvas, sem máscara, sem o uso de calçados fechados, mangas e calças longas e ficar com a roupa de aplicação o dia inteiro e usar essa mesma vestimenta para ir tomar um café em casa ou pegar o filho no colo. Com as instruções passadas pelo grupo da UEM, é possível ter essas condições gerenciadas e, assim, diminuir consideravelmente a exposição aos compostos químicos. No vídeo abaixo, Simone Mossini comenta a respeito das dificuldades encontradas pelo projeto:

Você deve estar se perguntando “e o cultivo orgânico?”. A professora Simone conta que existe todo um interesse nesse comércio, pois, além de ser lucrativo, ele ainda diminui o  custo para o produtor, porque os agrotóxicos são caros. Mas, ela admite que não é muito fácil para quem quer levantar a bandeira do orgânico ou de reduzir o uso de substâncias químicas. O apoio do IDR-Paraná, de cooperativas e de outras entidades é muito importante, incentiva os produtores, ao trazer informações de como podem migrar para um novo modelo de produção. Porém, a maioria deles pensa: “eu sempre fiz assim”, “meu pai sempre fez assim”, “nunca ninguém ficou doente”. 

Daí é que entra a equipe do projeto, mostrando que, algumas doenças que surgem podem estar relacionadas à exposição prolongada a esse grupo de substâncias tóxicas. “No entanto, é difícil demonstrar esta relação, não é fácil dizer que uma doença crônica ou um câncer surgiu em função da exposição a estas substâncias químicas. Então, a prevenção é a melhor alternativa! Quando não é possível zerar o uso, você vai reduzindo os riscos deles se intoxicarem e ficarem doentes, mas é realmente bastante difícil você retirar. E mais: existem algumas culturas em que é possível o cultivo orgânico, mas nem todas”, complementa a coordenadora. 

Com o passar dos anos o “Monitoramento da exposição ocupacional” viabilizou outros projetos de ensino e pesquisa, o que abriu portas para alguns financiamentos. O primeiro deles foi a partir do Universidade Sem Fronteiras (USF), no qual o grupo da UEM teve um projeto aprovado. Atualmente, existe outra iniciativa do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS) aprovado, em parceria com outros professores e outras áreas da UEM, que trabalham neste mesmo foco. “A gente consegue associar, a partir desse projeto, a extensão, a pesquisa e o ensino, porque vinculamos alunos de graduação, dos cursos de farmácia, biologia, biomedicina, bioquímica e medicina, e alunos de pós-graduação. Então, o impacto social é grande: ajuda na capacitação do profissional que está sendo formado na Universidade e no atendimento à comunidade”, acrescenta a professora.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira e Milena Massako Ito
Edição de áudio: Milena Massako Ito
Edição de vídeo: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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