Pedras constroem futuro da agroecologia

Pó de rocha, pedra moída ou remineralizadores garantem construção do solo agroecológico e impulsionam produção agropecuária e consumo sustentáveis

Não é preciso ser especialista para entender que o solo argiloso do noroeste do Paraná, que dá o apelido “pé vermeio” aos habitantes da região, é mais rico que o arenoso, física e quimicamente. Basta crescer na região e aprender desde pequeno que a famosa terra vermelha é muito boa para a plantação e ponto final. A melhor que temos na região.

Pois é, mas há quase dez anos, o milho que cresce na propriedade de solo arenoso de Seu João Matera, há aproximadamente 25 km de Maringá, deixa os agricultores vizinhos muito intrigados. A cada ano, a plantação de milho do agricultor cresce muito mais que a deles. Em certos períodos, enquanto a plantação dos vizinhos mal brota e já começa a morrer, a dele está de pé. E pior, começaram a reparar que a produção de Seu João é melhor que a de alguns agricultores que cultivam em solo argiloso, do outro lado de Maringá.

Corre o boato por lá, de que toda essa qualidade tem a ver com aqueles professores e pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que aparecem, de vez em quando, para conversar com o agricultor. 

Aquele de barba e cabelos grisalhos é o maior suspeito. Entre os pesquisadores, ele parece ser o responsável direto pelo sucesso dos milhos de João. É o agrônomo Antonio Carlos Saraiva da Costa, professor e pesquisador da UEM. Antonio atua na área de Química e Mineralogia do Solo e Poluição do Solo, e é especialista em remineralizadores, o grande “segredo” da lavoura daquele solo arenoso tão produtivo. 

Antonio Carlos Saraiva da Costa, especialista em remineralizadores (Arquivo Pessoal)

Em 2016, o Ministério da Agricultura publicou uma Instrução Normativa (IN) que regulamentou o registro, a comercialização e o uso dos chamados “remineralizadores” na agricultura. Segundo essa IN, o material de origem mineral que sofre redução e classificação de tamanho por processos mecânicos é intitulado remineralizador, capaz de alterar os índices de fertilidade do solo pela adição de nutrientes para as plantas. Além de promover a melhoria das propriedades físicas ou da atividade biológica do solo.

No Brasil, as principais rochas utilizadas na remineralização dos solos são: micaxisto, basalto, kamafugito, glauconita, fonolito, nefelina, carbonatitos, entre outros, os quais são fontes de cálcio (Ca), magnésio (Mg), potássio (K), fósforo (P), silício (Si) e micronutrientes de planta.

Mapa de remineralizadores registrados no Ministério da Agricultura disponíveis hoje no Brasil (Instituto Brasil Orgânico)

Apesar de não ser popular, o uso dos remineralizadores, segundo Costa, é tão antigo quanto a existência do homem. “A primeira pessoa que domesticou o trigo, o milho ou seja lá qual foi a planta que ele domesticou, percebeu que se colocasse os resíduos dos animais na cova ou perto, a planta ficava mais bonita. Ele tinha cinzas, então, colocava cinzas no solo e crescia também. Ele usava esses materiais e a produção melhorava”, conta o pesquisador.

Mas o que tem a ver o pó de rocha com o crescimento de uma planta? Como isso pode ajudar uma plantação? Os remineralizadores repõem lentamente os minerais ao solo, perdidos durante milhares ou milhões de anos, atuando como um fortificante. Rochas moídas são excelentes condicionadores de solo (definição no fim do texto), controlam a acidez do solo, aumentando a eficiência da aplicação de corretivos e adubos minerais.

No Paraná, por exemplo, uma região tropical e subtropical úmida, o solo é considerado velho. A quantidade de água que chega via precipitação é muito maior do que a quantidade que a planta utiliza ou do que é evaporada. Essa diferença, entre o que chega, o que fica no solo e o que a planta utiliza é chamada de excedente hídrico. 

“O excedente lava o solo e leva todos os nutrientes para o lençol freático. Como consequência da perda do cálcio, potássio, magnésio, sódio e sílica da terra, quem fica para trás são o alumínio, que é tóxico para as plantas, e o hidrogênio, que deixa o solo mais ácido. Os nossos solos, portanto, são velhos, ácidos e pobres em nutrientes”, explica Costa.

No caso do solo do sítio de Seu João, o pó de rocha utilizado vem do basalto, a rocha mais comum da região Noroeste do Paraná. Ele tem uma alta concentração de cálcio, magnésio e sílica, que vai tornar, com aplicação contínua, o solo velho e desgastado química, biológica e fisicamente, em um solo cada vez mais “jovem”. O tempo para que essa fortificação aconteça depende da quantidade utilizada, mas Costa apostou nas terras de João porque já sabia que os solos derivados do arenito são os que melhor respondem ao pó de rocha.

Remineralizadores x Adubos

Muita gente pode questionar a diferença entre adubo e remineralizadores. A diferença, basicamente, está na hidrossolubilidade. O remineralizador é sempre uma rocha moída em um processo chamado cominuição e não é hidrossolúvel, ou seja, não se dissolve na água. Em contato com a água, o pó de rocha sofre um processo chamado hidrólise, que faz os minerais serem liberados. Já o adubo é sempre um produto natural ou sintético altamente solúvel, que, quando dissolvido, é absorvido pela planta. O professor costuma dizer: “a maioria dos adubos é um remineralizador, mas nem todo remineralizador é um adubo.”

Sintéticos x Naturais

Ao contrário do que muitos podem imaginar, os adubos sintéticos não provocam uma maior deterioração do solo ou o  prejudicam de alguma forma. Esse não é o problema da utilização desses produtos. A principal questão é que a qualidade dos alimentos gerados a partir de uma plantação que utiliza adubo sintético não é boa. Isso porque a planta acaba absorvendo nutrientes que não são necessários, ficando desbalanceada quimicamente. 

“Um alimento que tem muito nitrogênio, por exemplo, pode causar uma série de problemas fisiológicos para quem tem gota, problema de rim”, exemplifica Antônio Carlos. Além disso, existem os problemas dos herbicidas, fungicidas e tantos outros produtos que também vão para os alimentos e podem causar problemas de rejeição e incompatibilidade. Mas o principal, e que é bem claro para o pesquisador, é que a qualidade não é tão boa quanto aqueles que recebem produtos naturais. 

Com remineralizadores e adubos naturais, você tem uma fruta mais doce, mais suculenta e mais firme, principalmente, pela absorção de sílica. Diferente daquele produto que compramos no mercado, que dura um dia ou dois. Um produto desbalanceado quimicamente sofre ataques de pragas e doenças com maior facilidade.

Como alternativa substitutiva ou complementar às adubações com fertilizantes sintéticos e minerais de alta solubilidade, a agricultura agroecológica tem utilizado cada vez mais os remineralizadores, principalmente na construção de solos agroecológicos.

Agroecologia

A agropecuária em base ecológica se contrapõe ao uso excessivo de insumos industriais. É um tipo de produção (frutas, verduras, grãos, carne, fibras e outros produtos) que busca o entendimento dos agroecossistemas, tendo a conservação e a ampliação da biodiversidade como princípio para produzir auto-regulação e sustentabilidade, buscando diminuir a artificialização do ambiente natural por meio da agricultura.

Como o professor Costa disse no vídeo acima, o mundo todo está participando de uma evolução. Enquanto fez o doutorado nos EUA, na Ohio State University, de 1991 a 1995, ele não ouvia falar muito sobre agroecologia e não via produtos agroecológicos nos mercados. Hoje, 26 anos depois, o atual presidente norte-americano, Joe Biden, iniciou o mandato com promessas de desenvolvimento da “indústria verde”, ou seja, desenvolvimento da produção e consumo sustentáveis, a partir da agroecologia.

A UEM também caminha em direção à evolução da agroecologia, com o Programa de Pós-Graduação em Agroecologia – Mestrado Profissional (Profagroec), que tem no corpo docente o professor e pesquisador Antonio Carlos Saraiva da Costa. Entre tantas outras atividades dentro da instituição voltadas à agroecologia, o mestrado profissional atua na formação e qualificação profissional na área agroecológica, atendendo demandas da sociedade e estimulando o desenvolvimento nacional, regional ou local; estimula a produção e divulgação de conhecimentos científicos em agroecologia; aumenta o conhecimento sobre a natureza, o funcionamento e os indicadores de qualidade e de sustentabilidade dos agroecossistemas; e apoia e potencializa a Rede Paranaense de Pesquisa em Agroecologia.

No Brasil, a agroecologia se concentra, principalmente, em pequenos agricultores familiares, com poucos recursos financeiros para investimentos em tecnologias. Assim como a remineralização é tão antiga quanto o homem, a agricultura familiar também é. Atualmente, apesar de ainda lento, o governo tem fomentado esse tipo de produção, melhorando a qualidade dos alimentos e as condições das pessoas que vivem da terra. Esse fomento culminou na publicação da Lei n. 11.326, de 2006, que trata da formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

Conforme a legislação, é considerado agricultor familiar aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, utiliza, no mínimo, metade da força de trabalho familiar no processo produtivo e de geração de renda, obtém, no mínimo, metade da renda familiar proveniente de atividades econômicas do seu estabelecimento e faz a gestão estritamente familiar da atividade. No Estado do Paraná, cada módulo fiscal corresponde a uma área de 12 hectares.

Em terras paranaenses, a agricultura familiar domina 75% das propriedades, abrigando mais de um milhão de pessoas. No Brasil, a agricultura familiar é responsável pela produção de 60% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros e possuem o maior número de postos de trabalho no meio rural em todo o país. Isso representa, de acordo com o Censo Agropecuário, 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária em nível nacional, ou o emprego de 10 milhões de pessoas no Brasil. 

Em Maringá, uma ex-aluna do professor Costa, do Profagroec, atualmente, diretora de Agricultura e Pecuária da Secretaria do Trabalho e Agricultura Familiar da Prefeitura de Maringá, Samireille Silvano Messias, trabalha com auxílio às famílias agricultoras da região urbana, que produzem em hortas comunitárias e viveiros, como relata no áudio abaixo.

Samireille Silvano Messias, Diretora de Agricultura e Pecuária da Secretaria do Trabalho e Agricultura Familiar da Prefeitura de Maringá
🎧 Apoio público à agricultura familiar em Maringá

Seu João é um homem curioso e começou a utilizar remineralizadores por conta própria, pesquisando sozinho sobre o assunto, antes de receber a orientação do professor Costa. Podemos dizer que o agricultor ainda está na fase de transição da evolução agroecológica, porque, em seu cultivo, ele mescla o pó de rocha com os adubos artificiais. Mas, se grande parte dos agricultores adotarem hábitos parecidos ou ainda mais ecológicos que os de João Matera, e as universidades e poderes públicos fomentarem cada vez mais a agroecologia e a agricultura familiar, o primeiro passo rumo à diminuição da artificialização do ambiente natural já está dado. 

Isso significaria produtos alimentícios sem componentes químicos, com ações desconhecidas ou nocivas a nós e ao meio ambiente, hábitos mais saudáveis, menos doenças, menos destruição do meio ambiente, menos desmatamento e menos atividades que nós, seres humanos, estamos realizando há muitos e muitos anos em sentido contrário à preservação da natureza.

Enquanto mantivermos a existência da agroecologia e da agricultura familiar, o planeta nos manterá vivos. Enquanto fomentarmos e aumentarmos a agroecologia e a agricultura familiar, o planeta nos ajudará a aumentar nossa qualidade de vida.

Condicionador de solo é um produto capaz de provocar melhorias físico-químicas ao meio de cultivo, através do aumento da fertilidade do solo (a capacidade de nutrir as plantas) e da melhoria de sua estrutura para a fixação das raízes da planta.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Degravação da entrevista: Rafael Donadio
Edição de áudio: Rafael Donadio
Roteiro de vídeo: Karoline Yasmin
Edição de vídeo: Karoline Yasmin
Supervisão: Ana Paula Machado Velho e Rafael Donadio
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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