Ciência e transversalidade: a grande e sinuosa estrada do conhecimento

Cientista e uma das organizadoras do Paraná Faz Ciência, versão da Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, fala sobre os desafios da produção científica para um mundo com mais igualdade e sustentabilidade

Estamos no mês de outubro de 2021, comemorando o Mês Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovações. Esse artigo é uma homenagem a esse bem da humanidade. A palavra vem do latim scientia, que significa conhecimento. Mas, não se trata de um conhecimento qualquer, ela busca compreender fatos e verdades, leis naturais da vida, para saber e explicar como o universo funciona. E a ciência está presente a cada passo da evolução do ser humano, em diferentes áreas, por isso, dizemos que ela é transversal.

O vídeo já ajudou a definir o termo transversal, mas, não se preocupe se ainda ficou algo por compreender. Vamos falar sobre isso aqui. Afinal, o tema da Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de 2021 é esse: Transversalidade da ciência para o planeta.

Pois é, eu não conhecia esse caminho largo e cheio de curvas da ciência quando era bem pequena, mas já sentia uma atração enorme para assuntos dessa natureza. Durante minha adolescência, enquanto estudava inúmeros temas na escola, desenvolvi o gosto pelas ciências naturais, especialmente, química e biologia. A partir disso, a ideia de investigar, conhecer mais, testar hipóteses se transformou em vontade de ser cientista. Vocação? Na verdade, não. Afinal, nunca tinha visto um cientista e nem sabia bem o que ele fazia. Mas, com a ajuda de meus professores, este sonho foi se desenhando e eu caí na tal estrada grande e sinuosa da ciência.

Experimentei pesquisa histórica documental e arqueológica, ainda no ensino médio. Nas primeiras semanas de vida universitária na Universidade Estadual de Maringá, que fica no Paraná, me envolvi com a ciência e tive a certeza que estava no caminho certo.

Hoje, sou cientista, já experiente no caminho árduo da ciência. Um pouco desiludida dos sonhos adolescentes, mas realizada por entender a importância da contribuição cotidiana que fazemos nos estudos chamados básicos, que realizamos nos laboratórios, e na extensão e formação de pessoas, o que nos convida a dialogar sobre ciência e tecnologia todos os dias.

  • As diversas experiência da professora e cientista (Arquivo Pessoal)
  • As diversas experiência da professora e cientista (Arquivo Pessoal)
  • As diversas experiência da professora e cientista (Arquivo Pessoal)
  • As diversas experiência da professora e cientista (Arquivo Pessoal)
  • As diversas experiência da professora e cientista (Arquivo Pessoal)

Os percalços da viagem do conhecimento

Enfim, 30 anos depois do início da minha viagem pelo conhecimento, vejo que a paisagem que cerca essa estrada nem sempre é bonita e ensolarada. A principal pergunta que me mobiliza é: qual o meu real papel como cientista, nos nossos dias? Como devo ver a ciência neste tempo e no meu espaço: uma universidade pública, no interior do Paraná, no Brasil, em 2021? Para onde devo destinar minhas ações e meu pensamento científico treinado? Não preciso pensar duas vezes (a beleza da maturidade) para estruturar uma resposta: minhas forças devem ir para que a ciência contribua para a sociedade, aqui e agora. Já parou para pensar nisso?

Para que serve a ciência afinal? Ela é um dos principais aspectos da cultura humana e, juntamente com a tecnologia, transformou a relação do homem com o ambiente e nos trouxe a uma realidade inimaginável há algumas décadas. Pense nos celulares, computadores, medicamentos, veículos, vestimentas e alimentos. São frutos da ciência e da tecnologia e existem graças a anos de estudo de muitos cientistas de diferentes áreas de conhecimento.

Fica fácil perceber que os avanços científicos nos proporcionaram viver mais e melhor. A oferta de medicamentos, avanços na medicina e conhecimento das doenças nos proporciona longevidade. Por outro lado, a produção e comercialização de alimentos processados nos leva à obesidade. Assim, começamos a nos questionar: seria a ciência apenas fonte de soluções positivas para a vida humana? Os avanços mencionados contribuíram também para o desenvolvimento da humanidade e sustentabilidade?

Certamente, a ciência foi decisiva para um enorme avanço em todas as direções, porém, é preciso ampliarmos esta visão e nos questionar. Os benefícios são para todos? Os avanços contribuem para reduzir as desigualdades ou para aumentá-las? Nossa ciência tem levado em conta a vida de e em nosso planeta? Ampliando o olhar para o impacto desta nossa nova forma de viver sobre a Terra, quais os efeitos deste desenvolvimento?

Tempo de reflexão

Vamos, então, aproveitar esse espaço do C², que comemora o Mês da Ciência e Tecnologia, para refletir sobre esse tema? Porém, mais importante do que falar sobre a relevância dele é necessário que a gente pense no que fazer para direcionar e integrar as ações científicas, de todas as áreas, em benefício da humanidade e do planeta, efetivamente. Este é o Tema da 18a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, como disse acima: Transversalidade da ciência para o planeta.

Em uma pesquisa no Google, repositório de informações que todos acessam, encontrei que transversal “é o que cruza espaços delimitados, o que atravessa e articula as estruturas sociais e do conhecimento humano. É o que é comum a todos”.

Falarmos em transversalidade da ciência, então, significa integrar as diferentes informações científicas em busca soluções positivas para nossas questões ambientais, sociais etc. Mas não só isso, envolve ir além dos limites da universidade e ingressar nos setores governamentais, produtivos e toda a sociedade para que os resultados da ciência e da tecnologia sejam distribuídos de forma transversal, ou seja, contribuam para reduzir as desigualdades sociais. O que quero dizer com isso? A ciência precisa ajudar a desconcentrar riqueza e renda, estimulando a paz e a prosperidade para todos e de forma sustentável para o planeta. Imagina quantas áreas do conhecimento precisam interagir para dar conta de pensar todos os aspectos dessa grande empreitada!

O conhecimento científico, especialmente aquele produzido com financiamento público constitui um bem intelectual que a gente não pode pegar, ver, mas precisa “sentir”, perceber os seus efeitos, na melhora do bem-estar das pessoas, no aumentos dos índices de desenvolvimento, sempre dentro dos princípios de sustentabilidade da sociedade como um todo, por meio de produtos intelectuais abertos, públicos e gratuitos, um bem comum.

Hoje, o acesso ao conhecimento é altamente desigual. Por isso, a Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia 2016-2022 (ENCTI), destaca o papel fundamental da transversalidade. O documento ressalta a necessidade de fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), e defende um modo transversal de articulação para que possamos atingir os objetivos de acessibilidade ao conhecimento e desenvolvermos um planejamento voltado para o planeta.

Além disso, precisamos pensar em investimento. Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o ENCTI foi enviado ao Congresso Nacional, solicitando os recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para dar conta desta iniciativa. E lembra que o MCTI teve uma queda de 34% de recursos, em 2021, em relação a 2020, valor que equivale a menos de um terço do orçamento do setor uma década atrás. O corte nos investimentos compromete nosso avanço científico e o fortalecimento da transversalidade.

Infelizmente, seguimos em rotas opostas, por exemplo, dos países integrantes da União Europeia. Em 2000, por meio da “Estratégia de Lisboa” foram propostas estratégias para transformar o bloco econômico em “uma economia baseada no conhecimento, de forma competitiva, dinâmica, sustentável e com coesão social”. Dentre as propostas estavam ampliar o percentual do Produto Interno Bruto (PIB), investido em C&TI na região.

A publicação da Policy Paper by the Research, Innovation, and Science Policy Experts (Rise) enfatiza que a pesquisa e a inovação podem se tornar estratégicas para o desenvolvimento da sociedade, contribuindo: com o aumento do estoque de conhecimento útil; na preparação de pessoas para o desenvolvimento de conhecimento; com a criação de novas metodologias e instrumentos científicos; e na indução de projetos estratégicos e formação de redes voltadas a desafios sociais e econômicos.

O investimento em Ciência e Tecnologia, enfim, leva a um retorno social, mas, também, econômico. Estima-se que o valor gerado pela pesquisa desenvolvida com financiamento público é de 3 a 8 vezes o investimento inicial. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma entidade internacional com sede em Paris, composta por 35 países membros. Segundo um estudo feito por ela, por mais de 20 anos, o aumento do recurso público investido em C&TI na ordem de 0,06% do PIB resulta num aumento em 7% de ganhos empresariais e de 4% em patentes.

Portanto, pensar no Mês da Ciência, Tecnologia e Inovação como período de divulgar a produção científica e a tecnologia como estratégias para a sustentabilidade social e ambiental para o planeta, é pensar em ações que venham oferecer impacto social e econômico para a sociedade. E mais: essas ações devem envolver a população de forma transversal e nos levar a refletir sobre qual o futuro que esperamos e o que faremos para ele se tornar realidade.

Uma vez, Paulo Freire disse: “a Educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”. Trazendo o tema para o cenário da C&TI, podemos dizer: “a Ciência e a Tecnologia sozinhas não nos levarão para a sustentabilidade, todavia, sem elas, não seremos sustentáveis”.

Um VIVA à ciência e a todos os cientistas, de todas as áreas de conhecimento, que nos ajudam a pensar os diferentes aspectos das nossas pesquisas, nos guiando nesta grande jornada da vida neste planeta, que é a nossa casa.

Glossário

Extensão – A extensão universitária é uma espécie de ponte permanente entre a universidade e os diversos setores da sociedade. Funciona como uma via de duas mãos, em que a Universidade leva conhecimentos e/ou assistência à comunidade, e recebe dela respostas positivas sobre suas reais necessidades, seus anseios, aspirações, enfim, aprende com o saber dessas comunidades.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Débora de Mello Gonçales Sant’Ana
Edição de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Isadora Hamamoto
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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