O Brasil na história da paraconsistência

O personagem da paraconsistência está entre nós e conversou com a equipe do C²

O Conexão Ciência conseguiu contato com o paranaense Newton da Costa, o “criador” da lógica paraconsistente, tema desta edição do Conexão Ciência. A publicação de parte da conversa, abaixo, faz parte das comemorações do 92º aniversário do lógico, comemorado em 16 de setembro, e faz parte do conjunto de três textos produzidos essa semana para o C².

Confira abaixo o papo que a equipe do projeto bateu com Newton da Costa. Entre as perguntas e respostas, reproduzimos áudios de uma entrevista que da Costa concedeu a um grupo de filósofos, do Projeto Filosofia Pop.

A conversa com o lógico foi realizada on-line

A história e a família

🎧 Costa conta um pouco da história dele e da paraconsistência

Qual foi o estímulo que motivou o senhor a enxergar a possibilidade de uma lógica diferente?

Newton da Costa – Quando eu era jovem uma das coisas que mais me interessava era a dialética, inclusive, dialética como uma espécie de mãe da lógica. Atraído por isso é que fui levado a tentar colocar o pensamento dialético dentro de um determinado escopo crítico. Eu fui levado a pensar no seguinte: a lógica é a alma de tudo, está por trás de tudo. Quem não usa uma lógica não está fazendo nada. Quer dizer, é essencial para qualquer atividade cognitiva. E, então, comecei a cultivar isso, comprei livros de lógica e iniciei minha viagem pela área.

Eu vivia em Curitiba. Comecei a entrar em contato com grandes pensadores do exterior, trocava ideia e, aos poucos, fui me interessando pelo tema. Eu tinha um posicionamento de esquerda e a primeira coisa que aparece para qualquer pessoa que estuda um pouco de marxismo é que existem contradições, contradições reais. Isso está totalmente contra a lógica de origem aristotélica, a lógica comum, a lógica matemática de Russell, de Whitehead.

Então, o meu problema naquela época foi o seguinte: será possível dar uma fundamentação para a dialética?” Eu me interessava muito pelas discussões entre marxismo, niilismo etc. Tanto que visitei a União Soviética e fiz muitas relações boas lá, mas isso não quer dizer que eu fosse ou seja comunista, porque eu não sou nada, eu sou eu mesmo. O desenvolvimento de uma lógica em que eu admitisse contradições seria algo estupendo. Então, eu motivado por essas e outras razões, comecei a trabalhar em lógicas nas quais, entre outras coisas, por exemplo, pudessem existir contradições.

Na verdade, se vocês forem desenvolver a lógica de um modo sensato e a matemática de um modo sensato, é preciso tomar cuidado, porque, talvez, a lógica clássica não seja suficiente. Seguramente, não é suficiente para desenvolver a parte matemática que hoje serve de fundamento para a mecânica quântica. Então, é uma lógica distinta da lógica usual, quase que paraconsistente.

🎧 A paraconsistência pela voz de Newton da Costa

Quais as aplicações da lógica paraconsistente no dia a dia?

Newton da Costa – Para começar, eu defendo o seguinte: o homem, dado a sua própria situação, ele é paraconsistente. O homem não é um animal racional, o homem é um animal paraconsistente, só que ele não tem consciência disso. Você é um ser paraconsistente, não um ser lógico. Essa é que é a verdade. O homem se adequa às circunstâncias. E não existe só uma lógica, na minha opinião, há várias. Inclusive, o mais gritante foi o exemplo da lógica da mecânica quântica, porque eu poderia começar a dar vários exemplos possíveis, mas o bonito é que, na própria Física, a lógica não é clássica, e o que é surpreendente é que uma parte dos professores de Física não toma consciência disso. É inacreditável. A lógica subjacente à física quântica não é a lógica clássica.

Hoje, principalmente, a mecânica quântica, a física quântica, que tratam das partículas subatômicas, nos conduzem, necessariamente, para a paraconsistência. Ela é uma coisa incrível, é inacreditável. A enorme quantidade de aplicações da mecânica quântica é uma loucura, ela dominou nosso universo inteiro. Todas as coisas: rádio, vitrola, controle aéreo, controle de tráfego… tudo isso envolve, subjacentemente, a mecânica quântica “feijão com arroz”, que é inconsistente, apresenta certos aspectos paraconsistentes. O mundo quântico inteirinho é paraconsistente. Tudo. Uma partícula elementar é superparaconsistente. Ela está aqui, ao mesmo tempo, ela está acolá ou em lugar nenhum.

🎧 Por trás do cientista, o filósofo

Como se dá a arte na questão da lógica paraconsistente?

Newton da Costa – Eu, quando era garoto, queria ser pintor. Eu desenho e pinto, modestamente.  Meu sonho era ser pintor. Eu tinha uma frase que eu gostava de dizer: “A arte começa onde o bom senso termina.”. Se você quiser trazer a lógica arte, é preciso tomar cuidado. Inclusive, se eu quiser olhar, artisticamente, para certas situações, provavelmente, elas vão ser paraconsistentes. Então, na verdade, subjacente à própria arte, subjacente a qualquer atividade sistemática do homem, existe uma lógica, que não é, necessariamente, a lógica clássica tradicional.

Tirando isso, quando eu era muito jovem, eu gostava muito de pintura, meu pai desenhava muito bem, outro tio meu também. Eu sempre achei uma beleza não somente a pintura, mas a música também. A música, eu diria que alguma dessas grandes peças, como Bolero de Ravel, é quase que a realização de um pensamento paraconsistente. Por quê? Porque é uma música estranha, que não satisfaz os padrões usuais de uma música padrão.

A música com as características da paraconsistência, segundo Costa

Como é que seria uma imagem da paraconsistência, um quadro, por exemplo?

Newton da Costa – Um quadro em branco, porque acontece o seguinte, a lógica existe ou nós que projetamos a lógica? Esse é outro problema fundamental. Então, se você fizesse um quadro inteiramente em branco e dissesse: a lógica, ou, outro com uma estrelinha, estaria certo. Os dois poderiam retratar a lógica, exatamente porque ela não é retratável. É a retratação do irretratável.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Degravação da entrevista: Thamiris Saito e Maria Eduarda de Souza Oliveira
Edição de áudio: Ana Paula Machado Velho
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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