Trabalho hercúleo da paraconsistência tem toque paranaense

O processo está registrado em um livro que foi indicado para o Prêmio Jabuti

Mudar a forma de ver o mundo não foi e não é uma tarefa fácil. Segundo o professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, Evandro Gomes, contrapor séculos de filosofia e lógica clássica para propor a paraconsistência, tema desta edição do Conexão Ciência, foi uma iniciativa gigantesca e corajosa. Tanto, que mereceu ser contada em um livro.

A obra, que foi resultado do doutorado de Gomes, tenta mostrar essa trajetória na seara da lógica. A tese resultou no livro “Para Além das Colunas de Hércules, uma História da Paraconsistência: de Heráclito a Newton da Costa”, que é o primeiro registro geral da paraconsistência já escrito, em coautoria com a professora Itala Loffredo D’Otaviano, da Universidade de Campinas (Unicamp). Ali os autores contam o esforço dos filósofos e lógicos fundadores da paraconsistência comparando-o ao mítico herói Hércules. O livro, que, às vezes, pode ser confundido com um título sobre mitologia grega, recebeu Menção Honrosa no Prêmio Abeu 2018 e foi finalista, na categoria Ensaio Humanidades, do Prêmio Jabuti 2018.

O título “Para Além das Colunas de Hércules” faz referência a um dos treze trabalhos do homem mais forte que já se ouviu falar: a abertura do Estreito de Gibraltar. A mitologia conta que o Mediterrâneo era um grande lago salgado e que foi Hércules que separou o atual Marrocos do território hoje chamado de Espanha, abrindo uma saída para o Oceano Atlântico. O professor Evandro usa essa “incrível metáfora” para explicar que é necessário muito trabalho, muito esforço para abrir novos horizontes entre ideias arraigadas no meio acadêmico, em nossa sociedade.

“O título do livro alude à criação das lógicas paraconsistentes que se assemelha ao trabalho de Hércules, pois diversos autores, especialmente Newton da Costa, foram além dos limites conhecidos da logicidade, abrindo novos horizontes para a humanidade em sua aventura pelo conhecimento”, destaca Gomes.

Esta história, dois milênios e meio depois, ganha mais um personagem que é paranaense: Newton Carneiro Affonso da Costa, considerado o primeiro lógico brasileiro e o mais importante de língua portuguesa do século XX. Ele nasceu em 1929, em Curitiba. Está entre nós, muito vivo, inteligente e bem-humorado, segundo o professor da UEM.

Newton da Costa se formou em Engenharia Civil, pela Universidade Federal do Paraná, e atuou na área por certo período, no começo da carreira, mas era encantado pela beleza da matemática. Por isso, ele fez licenciatura e bacharelado na área, vindo a ser professor catedrático na Federal do Paraná, em 1963. Segundo o professor Evandro, o mergulho de da Costa neste universo da lógica se deu, inicialmente, em bibliotecas e livrarias de Curitiba, importando livros muito bons e dialogando com colegas do país e do exterior, escrevendo cartas para lógicos importantes de diversos países, especialmente da Polônia, da França e dos Estados Unidos.

O termo “paraconsistente”

“A tese dele para se tornar professor catedrático deu origem a um livro pequeno, que se chama ‘Sistemas formais inconsistentes’. Em pouco menos de 100 páginas, Newton apresenta, pela primeira vez, os sistemas lógicos paraconsistentes, perfeitamente axiomatizados; isto é, definidos rigorosamente, em nível de lógica proposicional, de lógica de predicados, de cálculo de descrições e as bases de uma hierarquia de teoria de conjuntos paraconsistentes. Um pacote completo! Quando ele formulou isso, entre 1958 e 1963, essa lógica ainda não tinha um nome. Ele foi dado em 1975, em uma carta do filósofo peruano Francisco Miró Quesada Cantuarias [1918-2019] e anunciado em julho de 1976, em um importante simpósio continental de lógica, ocorrido em Campinas. Foi ele, um brasileiro, que acolheu a sugestão de Miró Quesada e batizou as lógicas paraconsistente com o nome que em poucos meses passou a ser utilizado em todo o mundo”, defende Evandro.

O professor Newton da Costa, aos 90 anos

O professor da UEM conviveu com o Newton da Costa de 1997 a 2003, período em que fez mestrado na Universidade de São Paulo (USP). A tese de doutorado de Gomes é justamente sobre a história da lógica paraconsistente. Segundo a pesquisa, o primeiro sistema lógico paraconsistente é apresentado pelo lógico polonês Stanisław Jaśkowski (1906-1965), em 1948. Ele que foi, de fato, o primeiro a formular claramente a ideia da lógica paraconsistente, mas foi Newton da Costa, trabalhando com discípulos de Jaśkowski, quem sistematizou definitivamente as teorias do colega polonês, nos anos 1960 e 1970, ajudando-o a desenhar o pensamento proposto.

A contribuição de Newton da Costa à paraconsistência é fundamental e muito interessante. Ele não apresenta apenas uma lógica, mas uma hierarquia de lógicas, infinitas lógicas paraconsistentes, estabelecendo seu nome na história da área em grande estilo. Em resumo, Newton da Costa, primeiro em Curitiba e depois em São Paulo e Campinas, na USP e na recém-criada Unicamp, desenvolveu e criou um grupo de pesquisadores que irão se notabilizar como grandes lógicos no cenário internacional. E muitos deles desenvolveram vários desdobramentos da teoria paraconsistente.

Esse processo demanda cabeças pensantes poderosas, corajosas. Verdadeiros heróis, que como Hércules, podem mudar o mundo, nos levar a novas jornadas cada vez mais adequadas à realidade que nos cerca. Fica claro, que no universo da lógica, temos pelo menos dois heróis aqui bem perto de nós: os professores Newton e Evandro. Registro feito!!! Mas tem mais, entrevistamos o professor da Costa em pessoa.

Um bate-papo bem informal que pode ser conferido nesta edição especial do Conexão Ciência.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Degravação da entrevista: Maria Eduarda de Souza Oliveira e Milena Massako Ito
Edição de áudio: Ana Paula Machado Velho
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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