Solange Martins: batalhadora, guerreira e disposta a viver

Para a diretora de Farmácia e Análises Clínicas do HUM, de Maringá, é preciso que a gente faça o que gosta

“Eu acho que a vida é muito curta, então, a gente tem que fazer o que a gente gosta e o que faça a gente feliz”. Essa é a máxima na vida de Solange Cardoso Martins, farmacêutica bioquímica, atual diretora de Análises clínicas e Farmácia Hospitalar, do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM). Isso não significa que ela sempre soube do que gostava e logo pegou o caminho mais curto para suas paixões. 

Nos primeiros meses da pandemia, por exemplo, com 51 anos de idade, buscando algo que a tirasse de casa e a fizesse se movimentar, Solange descobriu um novo amor em sua vida, que a levou a descobrir novos caminhos e percorrer quilômetros por estradas secundárias da região de Maringá. Conhecendo cachoeiras, zona rural e lugares pouco explorados. Em abril de 2020, a paranaense de Santa Isabel do Ivaí descobriu o ciclismo e, hoje, como ciclista amadora, não consegue mais imaginar sua vida sem a bike. 

O mesmo aconteceu com a profissão. A escolha pelo curso de graduação veio por exclusão e afinidade. “Não teve nada que chegou a ser meu sonho de fazer, mas acabei prestando vestibular para Farmácia e Bioquímica. Eu fiz o curso, depois fiz habilitação em Análises Clínicas e me identifiquei, não pela parte da farmácia, mas pela parte de análises clínicas”, relata Solange. Com 17 anos de idade, ela começou o ensino superior na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Solange Cardoso Martins (ASC/UEM)

Logo depois de formada, voltou para a cidade natal para trabalhar no laboratório municipal. Mas a permanência em Santa Isabel do Ivaí foi curta. Em 1992, um ano depois, ela já estava de volta à Cidade Canção, trabalhando no Laboratório Carlos Chagas, de um ex-professor da UEM, Celso Nakamura. O retorno não agradou muito o pai de Solange, o português José Martins. Ele, que tinha vindo ao Brasil tentar uma vida melhor, no fim da década de 1950, ao lado da esposa e da filha mais velha, que embarcaram dois anos depois dele. Todos não conseguiam entender a decisão da filha em sair de um emprego, em que ganhava sete salários mínimos, e ir para outro, onde ganharia cinco salários mínimos. Mas, determinada, ela continuou atrás da nova paixão, a análise clínica.

Após dois anos no Carlos Chagas, Solange prestou concurso para o HUM. “Tem um episódio bastante engraçado sobre isso: eu e a Márcia (colega de faculdade e do laboratório) resolvemos fazer o concurso, mas a gente ia fazer escondida do nosso patrão, que era o professor Celso. Então, ninguém falou nada, só que o setor dele no HUM era um dos que tinham solicitado o concurso. A gente deu uma desculpa bem esfarrapada, do porquê as duas não iam trabalhar naquela tarde, mas era óbvio que ele sabia o porquê”, conta ela, rindo. As duas passaram.

Tudo aconteceu como deveria acontecer, ela continuou trabalhando com o que amava. “Aqui (no HUM), eu fui desenvolvendo e me apaixonando cada vez mais pela análise clínica”, diz Solange. Ela trabalhou dois anos no laboratório particular e, concomitantemente, no Hospital Universitário. No mesmo período, ela se casou, começou uma especialização em Ciências da Saúde, na UEM, e teve a primeira filha, o que a fez, então, largar o emprego no Carlos Chagas.

Em 2002, começou o mestrado em Ciências Biológicas (Biologia Celular), também na UEM. Foi na mesma universidade e também em Ciências Biológicas (Biologia Celular) que fez o doutorado, defendido em 2015, orientada pelo antigo chefe e professor, Celso Nakamura, que, atualmente, é colega de profissão de Solange, no Hospital Universitário.

O laboratório do HUM e o próprio Hospital acabaram se tornando mais duas paixões da santa-isabelense. “A gente foi construindo o laboratório de análises clínicas do hospital, com as qualificações profissionais de toda a equipe. Fomos estruturando de tal forma que a unidade pudesse se tornar independente e atender às próprias demandas, porque, durante um bom período, era bem dependente do Lepac [Laboratório de Ensino e Pesquisa de Análises Clínicas, da UEM]. As necessidades aqui do HUM são bem diferentes, nós atendemos públicos diferentes. Então, ele cresceu em tamanho e complexidade”, explica, orgulhosa, a servidora.

Após um período de afastamento, para fazer o doutorado, Solange voltou ao hospital e assumiu a Gestão da Garantia de Qualidade do Laboratório, onde ficou até 2018, quando então recebeu o convite para assumir, interinamente, a Diretoria de Análises Clínicas e Farmácia Hospitalar. Para a farmacêutica bioquímica, fazer a gestão, junto com a equipe do hospital, num período inicial de uma nova reitoria, foi o início de uma nova etapa de vida, como gestora e não mais como profissional de saúde da assistência. Em 2019, então, ela foi convidada pela atual superintendente do HUM, doutora Elisabete Kobayashi, para assumir, definitivamente, o cargo.

Pandemia

Em março de 2020, com a chegada da pandemia da Covid-19, no Brasil, os planos da nova diretora, que já vinham sendo colocados em prática, buscando uma mudança da mentalidade administrativa, receberam “um balde de água fria”. O hospital foi surpreendido por algo que ninguém sequer tinha imaginado que poderia existir. “Nesses dois últimos anos, eu trabalhei como nunca tinha trabalhado na minha vida, porque, mesmo eu já estando há mais de um ano como diretora, surgiram situações totalmente novas. Não era apenas buscar o recurso para fazer as compras, como antes. Nós tivemos que buscar o recurso e o produto, porque, diversas vezes, nós tínhamos o recurso, mas não tínhamos o produto disponível no mercado”, exemplifica Solange.

Foi um período extremamente estressante. Além de todo atendimento a 15ª Regional de Saúde, que abrange 30 municípios do Paraná, foi preciso abrir 50 novos leitos no Hospital Universitário, em um curto espaço de tempo, para realizar os atendimentos dos pacientes com Covid-19. “Foi uma fase bastante difícil, porque era tudo incerto, tudo duvidoso, ninguém sabia muita coisa sobre o vírus, e fomos evoluindo dessa forma”, relata a diretora, sobre o angustiante e cansativo início da pandemia.

Solange lembra dos meses seguintes como uma fase de ansiedade diária. Não só por causa do trabalho, mas também por ter que lidar com a família, a casa e as duas filhas, preocupando-se e cuidando, 24 horas por dia, para não adoecer e levar o vírus para os amigos e familiares mais próximos. Esse, inclusive, foi um dos motivos de ter começado a pedalar: a cabeça precisava relaxar e desestressar de toda essa turbulência.

O laboratório, que a cada dia se tornava mais e mais independente, realizava, antes da pandemia, cerca de 50 mil exames por mês. Durante a pandemia, passou a realizar 70 mil. Orgulhosa, a diretora explica que foi e é possível estruturar um excelente atendimento de assistência (fisiológico e terapêutico) para os pacientes do HUM. Sente-se ainda mais honrada por ter participado durante 29 anos de todo crescimento do laboratório e do hospital, contribuindo, também, com a educação dos alunos da universidade, ao lado de servidores docentes da UEM. 

Com a máxima que carrega durante a sua trajetória, de fazer o que gosta, porque o tempo aqui na Terra é curto, Solange se mostra cada vez mais batalhadora, guerreira e disposta a viver. É isso que a faz atravessar os obstáculos que a vida traz. Foi com essa determinação que ela enfrentou, de 2012 a 2013, um Acidente Vascular Cerebral (AVC) da mãe, um mieloma múltiplo (câncer de células plasmáticas) do pai e o próprio câncer de mama. Entre todas as questões do dia a dia, tarefas da casa, cuidados com as crianças (naquele momento, com 13 e 7 anos), o tratamento do câncer e o auxílio ao tratamento do pai, Solange ainda dedicava tempo ao doutorado.

E o que ela pensa desse momento? “Mesmo com tudo isso, foi um período que eu adorei passar. O doutorado foi um período de grande aprendizado, eu passaria por tudo de novo, se fosse preciso, porque eu cresci bastante nesses meses. Não é para bajular o meu, agora, colega de trabalho Celso Nakamura, mas ele propicia, com o laboratório dele, um grande aprendizado e a formação de um excelente profissional. Foi realmente um período engrandecedor”, relata Solange, sorrindo. Sobre o período pandêmico, a diretora também ressalta benefícios, que ela acredita que todas as pessoas tiveram, como o crescimento profissional e o crescimento como seres humanos.

Além da vontade de viver, Solange considera que o fato de ser mulher, cientista, inquieta e determinada a faz ainda mais forte. Alcançar objetivos e trazer melhorias ao seu trabalho e a todo o trabalho de assistência do Hospital Universitário Regional de Maringá, um hospital público, lhe traz satisfação e ainda mais coragem. “A UEM, essa instituição que sempre me acolheu, desde a graduação, em 1986, faz parte da minha vida. A gente quer oferecer aos outros o que a gente teve. Nem todo mundo é agraciado com a possibilidade de fazer um curso superior em uma universidade pública e de excelência, de fazer um mestrado e um doutorado. Então, eu faço o meu trabalho aqui com o maior prazer, diariamente”, demonstra a ciclista e cientista Solange. E mesmo próxima de poder se aposentar, afirma: “Eu ainda tenho muito gás para trabalhar aqui dentro”.

A pequena Solange
A pequena Solange (Arquivo pessoal)

Confira a quinta temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Solange contada por ela mesma

Donas da Ciência – T5 E3 – Solange Cardoso Martins Conexão Ciência C²

Conheça Solange Cardoso Martins, atual Diretora de Análises clínicas e Farmácia Hospitalar, do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM). Apesar de ter feito vestibular para Farmácia e Bioquímica, a paixão pela área veio depois, com a parte de análises clínicas.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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