Efeito vacina: o poder da imunização

O aumento da cobertura vacinal fez cair o número de novos casos e de mortes, por Covid-19, permitindo a população viver com menos restrições

Com o mês de dezembro também chegam as famosas comemorações de fim de ano, algo que divide opiniões, algumas pessoas amam e outras odeiam. Mas, mesmo com essa divisão de pontos de vista, existe algo tradicional para a maioria das famílias brasileiras nessa época do ano, que são as festas entre os familiares e amigos. Na casa do publicitário Walter Thomé Jr., o costume é fazer o clássico amigo secreto, acompanhado de muita cantoria, comida elaborada e bebida boa. 

Celebrações de fim de ano

Mas, em 2020, a realidade foi outra. Com a pandemia da Covid-19 e as medidas para conter o avanço do novo coronavírus, as famílias tiveram que abrir mão das grandes comemorações para celebrar apenas com as pessoas da própria casa. Essa foi a situação do Walter, que passou a data apenas com os familiares mais próximos: a esposa, suas filhas e seus genros. Houve aqueles que optaram por passar a data em grupos maiores, mas esses precisaram tomar cuidados redobrados. 

Um ano se passou desde esse cenário e, agora, temos algo que não tínhamos no Brasil em 2020, a vacina, que começou a ser aplicada por aqui em janeiro. Atualmente, muitas cidades brasileiras já se encontram com mais de 80% da população completamente vacinada com as duas doses, o que tem contribuído para diminuir drasticamente o número de novos casos, mortes e a taxa de ocupação de leitos hospitalares. Diante disso, as autoridades responsáveis vêm reduzindo as restrições de circulação, o que tem possibilitado a realização de eventos com mais pessoas presentes. 

Em Maringá, no estado do Paraná, cidade em que Walter reside, mais de 85% da população adulta já está com o esquema vacinal completo e, desde o mês de julho, o número de casos registrados mensalmente vem caindo. Perante esse panorama mais controlado, as medidas restritivas estão sendo cada vez menos brandas, por isso, o publicitário vem se sentindo mais seguro para frequentar lugares em que há mais acúmulo de pessoas e, neste ano, pretende organizar uma confraternização de fim de ano com a presença de mais alguns conhecidos.

Em 2021, o Brasil já teve dias em que foram registradas mais de 5 mil mortes em 24 horas. Atualmente, vemos que esse número vem caindo para a casa das centenas ou, até mesmo, das dezenas. É importante destacar que entre esses cenários não foram tomadas medidas diferentes, na verdade, as restrições, hoje, são mais flexíveis, o que leva a crer que as baixas taxas de mortalidade só podem ter sido motivadas pela chegada da vacina.

Quando o assunto é a vacinação, algo que tem sido muito comentado é a rapidez com que foi desenvolvida. Quem vai nos ajudar a entender melhor sobre todo esse processo é a farmacêutica e professora, Patrícia Bonfim, do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Fisiopatologia, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Desde quando a pandemia começou, ela procura explicar por meio de suas mídias sociais tudo sobre a Covid-19. São fotos, vídeos, infográficos e vários outros tipos de posts informativos que a professora da UEM publica, com o intuito de elucidar as informações sobre a pandemia, tornando-as mais acessíveis.

Professora Patrícia Bonfim

A pesquisadora é bastante questionada sobre a velocidade com que a vacina foi desenvolvida. Bonfim explica que três pilares são fundamentais para que os cientistas estejam trabalhando a todo vapor. O primeiro é o da parte econômica, visto que o trabalho e o empenho são muito dificultados caso não haja investimento. Em alguns países, os governantes tiveram uma ação muito mais forte e rápida sobre todo o processo de investimento para o desenvolvimento das vacinas do que em outro momento para qualquer outra finalidade. 

Além dos governos, as empresas também levam em consideração o lado financeiro, afinal elas são empresas e possuem fins lucrativos. “Elas desempenham um trabalho bem mais intenso em uma situação como a da pandemia do que, talvez, em outro período. E é interessante a gente entender que, de acordo com dados, algumas empresas como a Pfizer e Moderna começaram esse desafio logo em janeiro de 2020. Quando os primeiros casos surgiram no final de 2019, já havia uma consciência de que estava acontecendo algo diferente, e que, o quanto antes essas empresas que trabalham com vacinas começassem a estudar o vírus, seria melhor, mesmo não tendo uma expectativa tão assombrosa em relação a ele na época”, conta a docente. 

O segundo pilar se relaciona com o nível de presença da doença. Se uma vacina vai ser feita para uma doença que é pouco presente na população ou está restrita a uma determinada região ou grupo de pessoas, há uma demora para que as pesquisas atinjam uma meta estatística, visto que os estudos com os humanos são constituídos de quatro grandes fases

E o terceiro pilar é o do avanço da ciência. Patrícia Bonfim explica que hoje, por exemplo, já se tem um número maior de sequenciadores genéticos (aparelhos que analisam o material genético a partir de amostras). Assim, em janeiro de 2020, um mês após a detecção dos primeiros casos da Covid-19, já se tinha a sequência genética do novo coronavírus (SARS-COV-2). Tendo essa sequência pronta, foi possível gerar vários estudos para a vacina, medicamentos e sobre a doença propriamente dita. Com toda essa situação, a ciência também aprendeu algumas lições importantes, como explica a professora Patrícia no áudio abaixo:

🎧 A professora Patrícia Bonfim conta quais lições a ciência aprendeu com a pandemia

Segundo a professora da UEM, atualmente a população vive na Fase 4 dos estudos sobre a vacina contra a Covid-19. É uma fase em que, após a aprovação da agência regulatória (que no caso do Brasil é a Anvisa), os pesquisadores e a Anvisa acompanham os efeitos das vacinas sobre a população em geral. Eles precisam que os órgãos governamentais, de saúde e os próprios cidadãos auxiliem nesse momento. Então, é essencial que essas pessoas notifiquem as reações ocorridas, para que os estudiosos entendam se elas já são previstas ou não, ou até se é necessário uma paralisação na circulação das vacinas. As notificações acontecem na plataforma Vigmed, em que cidadãos comuns ou profissionais podem realizar a ação.  

“Qualquer medicamento também passa por uma Fase 4 e ninguém nem sabe que está tomando um remédio dessa fase. Talvez as pessoas nem se lembrem que vários medicamentos foram retirados do mercado por conta dessa vigilância na Fase 4, e ninguém foi cobaia, trata-se de um processo normal da pesquisa e da implantação de medicamentos e imunobiológicos no mercado. Nenhum estudo consegue atingir toda a variabilidade genética da população, esse conhecimento amplo só acontece após comercialização inicial do medicamento. Entretanto, é preciso ressaltar que as chances de acerto são sempre muito grandes, uma vez que todo o processo anterior das inúmeras fases de estudo atestam a segurança e eficácia deste novo produto/vacina.”, complementa a farmacêutica. 

Além disso, é importante entender que nem tudo o que acontece com uma pessoa após a aplicação da vacina é consequência dela. Entretanto, o que se vê ultimamente são conversas sem embasamentos científicos que procuram associar problemas à questão da vacinação, com intuito de influenciar na rejeição destes produtos. 

Bonfim comenta que não é comum ter reações a longo prazo de uma vacina, visto que elas possuem uma ação imediata e é por esse motivo que, se uma pessoa toma hoje uma vacina, tem reações como dor de cabeça, dor no corpo, mal estar no mesmo dia ou nas próximas 24 horas. A consequência desse desafio imunológico é imediata, a vacina não aguarda o momento ideal para agir, ao entrar no corpo de uma pessoa, o sistema imunológico reconhece aquela substância e todo um processo é desencadeado imediatamente. Tendo isso em vista, a conclusão que se pode chegar ao falar sobre vacinas é que o benefício que elas trazem para a população é evidente e os dados refletem ao mostrarem a taxa de mortalidade caindo, bem como o número de casos ativos. 

Outro assunto que volta e meia gera discussões é em relação às flutuações no número de casos em alguma região, mesmo com as porcentagens de vacinação crescendo. Sobre isso, a docente revela que a vacina nunca teve como responsabilidade maior impedir a infecção. Seu papel principal é evitar o agravamento da doença, a hospitalização do infectado e, consequentemente, a morte. 

“A variação do número de casos pode ter conexão com o número de doses que uma pessoa tomou, se ela está vacinada ou não e, claro, se é uma cepa diferente. Temos que fazer a diferenciação em quem está sendo infectado, ele é vacinado ou não? Ele é vacinado com uma ou duas doses? Porque para a vacina ter ação, ela precisa do esquema vacinal completo. Na rotina do plano nacional de vacinação é comum  ter vacinas com mais de uma dose. Então, ter mais doses é algo que já era comum, mas que a gente passa a estranhar, porque tudo é novo e sempre tem algo que vai nos colocar em dúvida”, acrescenta a pesquisadora.

A professora Patrícia ainda ressalta que o vírus pode agir mais rápido se o sistema imune de uma pessoa está em queda por conta de algum estresse, medicamento ou até de uma doença conjunta, por exemplo. Isso permite que ela se infecte mesmo vacinada completamente. Mas, durante esse tempo, o sistema imune está trabalhando fortemente e a doença não evolui para sua forma grave, pois, por conta da vacina, o organismo consegue contornar a situação, por já ter um conhecimento prévio deste vírus. Então, por vezes, a vacina falha em um aspecto, mas, provavelmente, não no outro, que é o de não deixar a doença evoluir. Por essa razão, o nível de hospitalização está mais baixo hoje em dia, assim como o número de casos e mortes por Covid-19.

Como surgem as variantes? 

O vírus passa a ter outras formas quando vai lutar contra o sistema imunológico do infectado, porque ele quer se manter ativo no organismo do indivíduo. Ele tenta mudar suas estruturas para driblar o reconhecimento pelas nossas células de defesa. E a pergunta é: essa mutação faz diferença ou não? Às vezes, o vírus se modifica e isso não faz diferença alguma, ele acaba morrendo do mesmo jeito. No entanto, quando acerta a mutação, se torna mais forte e consegue escapar do sistema imunológico, transformar-se a ponto de se tornar mais transmissível, entrar mais fácil nas células ou agravar a doença. 

Atualmente, as variantes acontecem em locais com taxas baixas de vacinação, que, consequentemente, têm maior número de casos do que os países com maiores taxas de vacinados, onde se encontram sistemas imunes fortalecidos, que combatem melhor o vírus. No caso da variante Ômicron, descoberta no continente africano, observa-se uma taxa de vacinação muito baixa nos países da África, em torno de 7% até o momento. A imunização no continente é dificultada por conta da fragilidade dos sistemas de saúde e de uma administração falha para o transporte dos medicamentos para a grande população africana. Dessa maneira, é inegável que é bem maior a probabilidade de uma variante se desenvolver em um lugar com uma população exposta, com o sistema imunológico sem proteção vacinal. 

Pode ser visualizado abaixo o número total de doses administradas das vacinas (incluindo as doses de reforço) de Covid-19 no mundo todo:

Pensando na pergunta “quando é que a pandemia vai acabar?”, é importante a gente lembrar da definição de pandemia: a ação de uma doença em várias partes do mundo.  Então, segundo a professora, não tem como pensar no fim de uma pandemia pensando só em Maringá, Paraná ou Brasil. Qualquer medida de controle ou diminuição de casos precisa ocorrer mundialmente. “Por mais que a gente comemore, e devemos comemorar mesmo, o avanço da vacinação em todas partes do mundo, inclusive no Brasil, o reflexo da vacinação na pandemia tem uma limitação, porque nós vivemos em um mundo globalizado, pessoas vão e vêm, pessoas de diferentes partes do mundo se encontram com muito mais facilidade do que antigamente, então, essa troca de ambientes acaba trazendo consigo a possibilidade de troca de unidades virais, de cepas ou de variantes, como nós até estamos vendo agora”, explica Patrícia Bonfim. 

Voltando aos grandes encontros 

Quando a gente fala de encontros ou até mesmo de um convívio com determinado grupo, há uma tendência das pessoas relaxarem nas precauções por estarem vacinadas. Bonfim afirma que, enquanto tivermos casos ativos na população, não dá para afrouxar muito nos cuidados, porque a doença ainda existe. Além das medidas de prevenção já conhecidas, como a vacinação, o uso de máscaras, lavagem das mãos, higienização com álcool em gel e distanciamento social, a farmacêutica passa no vídeo abaixo mais algumas dicas para aqueles que, assim como o Walter Thomé Jr., citado no início do texto, desejam realizar as festas do fim de ano com mais segurança:

Por fim, a professora enfatiza a importância de todo mundo se vacinar. “Cada vez mais a gente vê que as pessoas vacinadas não evoluem para as formas graves da doença. Porém há, mesmo que pequena, a chance da infecção acontecer. Dessa forma, entre um grupo de pessoas vacinadas, a probabilidade de contaminação é muito menor, do que entre aquelas que não tomaram a vacina. É preciso lembrar que  quando a gente fala sobre a Covid-19, trata-se também de uma doença com consequências no momento da infecção e depois dela, o que chamamos de Covid-19 longa ou pós-Covid. Então, fica a pergunta: vale a pena um grupo vacinado correr o risco por ter contato com pessoas que não querem se vacinar? A atitude de se imunizar deve ser propagada, porque ela não é individual, me protege e protege as outras pessoas, uma vez que a taxa de infecção é reduzida. É um compromisso consigo e com o outro”, conclui Patrícia Bonfim.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira e Milena Massako Ito
Edição de áudio: Milena Massako Ito
Edição de vídeo: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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