Pinhão, uma semente sustentável

Pesquisadores utilizam casca do pinhão para a produção de hidro carvão capaz de remover uma substância cancerígena da água

A propriedade rural Nossa Senhora Aparecida, do agricultor Dirceu Francisco Taques, em Guarapuava (PR), faz parte de um programa turístico conhecido como Rota do Pinhão. Quem passa por lá percorre 20 municípios do estado do Paraná, conhecendo trilhas históricas e degustando pratos típicos preparados com esse alimento tão tradicional da região Sul.

Por ali, Seu Dirceu preservou muitas das Araucárias que já existiam na propriedade, mas também plantou inúmeras outras, que chegam a medir 15 metros de altura. Das originais, provavelmente, muitas foram disseminadas na região Sul pelos indígenas, principalmente, os caingangues e os xoclengues. Mas, outras, talvez a grande maioria, foi disseminada pela pequena Gralha-azul.

No inverno, para se alimentar, a ave-símbolo do Paraná retira o pinhão das Araucárias, debulha a semente e carrega a outro local, onde enterra, na intenção de armazenar alimento durante a estação fria. Dessa forma, a Gralha-azul possibilita que os pinheiros germinem em outras regiões.

Porém, segundo o agricultor Dirceu, algumas das árvores plantadas costumam produzir maior quantidade de pinhão que as originárias, chegando, muitas vezes, a dar 100 quilos por safra, em apenas um pinheiro. Não é à toa que essa árvore também é conhecida como Pinheiro-do-Paraná e se tornou símbolo desse estado.

O pinhão nasce e cresce dentro da pinha dessas árvores, e é uma semente não envolta pelo fruto, característica que coloca esses pinheiros na categoria das gimnospermas. É também de Guarapuava que os caminhoneiros Gean e Seu Augusto partem para entregar quilos e quilos de pinhões pelo estado. Durante o inverno, eles deixam de lado parte da carga habitual para fazer o frete desse produto, que, em Maringá, é descarregado no Varejão de Frutas Shinnai, nos mercados e em alguns outros estabelecimentos. 

Também em Maringá, a residência de Kerlei Evandro da Silva é um dos pontos finais do pinhão retirado da Araucária, lá do sítio Nossa Senhora Aparecida, do Seu Dirceu, em Guarapuava. Quando chega o inverno, a imagem do pinhão surge automaticamente na cabeça de Kerlei e, juntamente com a esposa Cláudia da Silva, preparam o alimento de todas as maneiras possíveis, descartando a casca, que representa 20% do total da semente, no lixo orgânico comum.

Crédito da Foto: Arquivo pessoal
Kerlei Evandro da Silva e Cláudia da Silva

Mas, atualmente, a casca do pinhão, que vinha sendo utilizada apenas como adubo, vem recebendo a atenção de um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que a utilizam como matéria-prima para produção de um hidro carvão (definição no fim do texto) capaz de interagir com o Bisfenol A (BPA). “A biomassa é obtida a partir do material in natura e é triturada várias vezes, até chegar a um tamanho ideal e, depois disso, transformamos em carvão”, explica, resumidamente, o chefe do departamento de Química da UEM e responsável pela pesquisa, Andrelson Wellington Rinaldi.

A ideia da pesquisa surgiu a partir de uma conversa casual de Andrelson com alguns colegas do laboratório, durante um dia chuvoso e frio. “Estávamos falando sobre como seria bom chegar em casa, tomar um banho e comer pinhão, quando pensamos que a casca daquela semente poderia virar carvão. No dia seguinte, já começamos a trabalhar a ideia”, relata o professor. Afinal, lembra ele, o carvão tem a propriedade de “limpar” tanto o ar, quanto a terra e a água, como se fosse um filtro.

Quando produzido, o carvão é caracterizado por meio da identificação dos grupos funcionais, isto é, elementos que compõem a estrutura molecular da sua superfície, e que podem se combinar com as moléculas dos poluentes emergentes. Desse modo, é possível identificar quais poluentes poderão ser removidos por determinado tipo de carvão. 

É muito raro que um único tipo de material consiga remover uma grande variedade de poluentes, fazendo dessa caracterização uma etapa tão importante e necessária, pois assim, cada tipo de carvão pode ser usado para diferentes finalidades. Neste caso, por exemplo, identificou-se grupos funcionais na superfície do material compatíveis com o BPA e alguns hormônios.

É exatamente essa a principal finalidade desse hidro carvão, a remoção do BPA, um poluente encontrado na produção da maioria dos plásticos, que pode causar câncer nos seres humanos. Devido a esse potencial nocivo, é muito importante pensar em diversas maneiras de diminuir a utilização e descarte dessa substância no meio ambiente, assim como descobrir formas de absorver o Bisfenol A do ecossistema, principalmente de rios, lagoas e mares.

Além disso, ao realizar a remoção de BPA da água, tornando-a própria para o consumo, o hidro carvão também age de forma sustentável e ambientalmente correta.

Cláudia Hitomi Watanabe Rezende é professora do Departamento de Meio Ambiente, da Universidade Estadual de Maringá (DAM/UEM), e especialista em ecotoxicologia aquática, com experiência em pesquisas sobre interferentes endócrinos (definição no fim do texto), período em que teve contato direto com o BPA. 

O Bisfenol é um interferente endócrino, o que significa que é um composto orgânico hormonalmente ativo, que pode causar distúrbios do sistema endócrino de seres humanos, animais e demais organismos do ecossistema, mesmo em baixas concentrações. 

“O Bisfenol A foi proibido, mas existem outros compostos [bisfenóis] no ambiente que acabam sendo utilizados para substituí-lo. Então, existem dois caminhos: a proibição da Anvisa, na tentativa de amenizar os danos que pode causar, e, ao mesmo tempo, as tentativas dos setores industriais em fazer essa substituição”, esclarece a professora. 

Cláudia explica que a utilização da casca do pinhão como matéria-prima para a produção do carvão é benéfica e saudável para o meio ambiente, mas é necessário que haja conscientização dos indivíduos sobre a importância do descarte correto, para que esses resíduos sejam recolhidos e atribuídos a essa finalidade. 

🎧 – Pesquisadora Cláudia Rezende

Atualmente, o projeto de Andrelson está na etapa de patenteamento, que pode ser adquirido após um ano de estudos em desenvolvimento. Toda a documentação está finalizada e foi encaminhada para o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT/UEM), que dará seguimento ao processo. A próxima etapa é a produção e comercialização do produto. 

Além da casca do pinhão, descartada por Kerlei, a esposa e milhões de outros sulistas, esse mesmo grupo da UEM já utilizou bitucas de cigarro e cascas de noz pecan como matéria prima da produção de carvão em pesquisas anteriores. Uma alternativa sustentável e importantíssima para o uso desses resíduos, já que, quando descartados de forma incorreta, podem ser prejudiciais ao meio ambiente, devido ao longo período de decomposição. Uma bituca de cigarro, por exemplo, demora cerca de dois anos para ser eliminada por completo na natureza. 

Etapas de produção dos carvões feitos de bituca

Etapas de produção dos carvões feitos de noz pecan

Quando questionado sobre a forma de se obter grande quantidade de casca de pinhão, o pesquisador afirmou que algumas possibilidades estão sendo estudadas, mas uma delas é a realização de campanhas, que estimulem a população a depositar essas cascas em algum lugar pré-determinado. 

Em breve, o pinhão será visto como uma semente altamente sustentável. A parte comestível vai para a mesa de milhões de famílias e a casca, quando não se transformar em adubo, será matéria prima do hidro carvão com capacidade de purificar rios, lagos e mares. 

Hidro carvão: Carvão produzido em meio aquoso, cozido em um recipiente semelhante a uma panela de pressão

Interferentes Endócrinos: compostos orgânicos hormonalmente ativos que podem causar distúrbios do sistema endócrino de seres humanos e animais, mesmo em baixas concentrações.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Valéria Quaglio da Silva
Degravação da entrevista: Valéria Quaglio da Silva
Edição de áudio: Valéria Quaglio da Silva
Roteiro de vídeo: Karoline Yasmin
Edição de vídeo: Karoline Yasmin
Supervisão: Rafael Donadio e Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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