Uma história de resgate do ambiente e da comunidade

O SOS Riachos é um sopro de vida que reúne pessoas, espécies aquáticas e a educação

A imagem do lago do Parque no Ingá, um dos cenários mais conhecidos e bonitos da cidade de Maringá, no Paraná, impressiona. Mas a seca baixou muito o nível da água e nos faz pensar nos fenômenos que provocam esse panorama tão estarrecedor para aquelas pessoas que frequentam a reserva ambiental do município paranaense. 

Apesar de sabermos que os níveis de água estão ligados aos ciclos da natureza, fica cada vez mais clara a influência do homem nos destinos do clima no planeta, o que está diretamente ligado à questão da água. A seca no Parque do Ingá, por exemplo, segundo especialistas, é fruto do processo de urbanização, que compromete o fluxo de água a partir das nascentes e reduz a capacidade de infiltração dela no solo. Consequentemente, o estoque de água responsável pela alimentação do lago nos períodos de estiagem diminui.

Dois momentos do volume de água no lago do Parque do Ingá

Porém, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM) está preocupado com a falta de cuidados da população da região em relação a cursos de água menos, ou nada, famosos. Diferente do lago do Parque do Ingá, que completa 50 anos em outubro, há riachos e pequenos cursos de água que precisam da atenção de cada um dos moradores da cidade e dos municípios do entorno de Maringá.

Por causa disso, um movimento teve início em 2018. Começou com uma demanda da comunidade do Jardim Piatã, que tinha como foco trabalhar temas ambientais, mas precisava de assessoria técnica, especialmente, em eventos de educação ambiental.  

O Grupo de Estudos e Ações Comunitárias (Geac), formado por moradores da região da Paróquia São Mateus Apóstolo, e o Grupo de Meio Ambiente Paroquial (GMAP), composto por moradores da região da Paróquia Santa Isabel de Portugal de Maringá, colocaram em alerta pessoas do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia) e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA), ambos ligados à UEM.

Em fevereiro de 2018, surgiu o projeto “SOS Riachos: ciência como ferramenta para sensibilização ambiental”. Uniram-se à professora Evanilde Benedito e ao coordenador adjunto do projeto Matheus Maximilian Ratz Scoarize, alunos de pós-graduação, graduação, docentes e técnicos, totalizando quase 100 voluntários da UEM e de outras instituições de ensino e de comunidades dos bairros. Mas é preciso registrar que, desde o início, o grupo foi apoiado pela Prefeitura Municipal de Maringá, que fez parte de inúmeras ações do SOS.

No final daquele ano, o projeto foi selecionado para o Programa Universidade Sem Fronteiras (USF) e as atividades do ano seguinte foram incrementadas. As ações passaram a ser coordenadas por uma equipe formada por três biólogos, mestres em ciências ambientais, Matheus Maximilian Ratz Scoarize, Beatriz Bosquê Contieri e Bárbara Furrigo Zanco; um artista cênico, Lucas Henrique de Oliveira; além da professora Evanilde Benedito. A iniciativa contou, ainda, com apoio de dois mestres em psicologia, Anne Carolynne Bogo Andreussi e Felipe Boldo Martins; de outra professora da UEM, Carolina Laurenti; além de uma aluna de engenharia ambiental, Julia Clara de Oliveira Correa de Barros; e de um professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Edivando Vitor do Couto.

O principal objetivo do projeto foi sensibilizar a população sobre a necessidade e urgência de conservar os riachos. Segundo a professora Evanilde, Maringá está inserida em duas bacias hidrográficas: do rio Ivaí e do rio Pirapó. As nascentes destas bacias estão dentro do perímetro urbano. Se elas não forem conservadas, os rios não estarão. Pensando nisso, a comunidade dos bairros Piatã e Santa Izabel, de Maringá, perceberam também que estes riachos, localizados em fundos de vale não poderiam ser locais de depósitos de resíduos sólidos e, consequentemente, criadouros de animais nocivos, como o mosquito transmissor da dengue. Por isso, criamos o SOS Riachos”, explica Evanilde.

Os cursos de água de menor dimensão são formadores das grandes bacias hidrográficas urbanas. Eles estão ligados aos fundos de vale, pontos mais baixos de um relevo, por onde escoam as águas das chuvas, que são fundamentais para garantir o fluxo que leva à formação das bacias. Tudo isso é importante para melhorar a qualidade de vida e a saúde integral de toda a comunidade. 

Mas não é só isso, esses riachos acolhem uma enorme diversidade que precisa ser preservada. Ali existem organismos vivos: animais e plantas que fazem parte de cadeias alimentares, isto é, servem de alimento para outros animais e mantêm o equilíbrio do ambiente aquático. “Portanto, nos riachos existem peixes, invertebrados, algas e micro-organismos [algas e bactérias]. Se estes componentes não estiverem em equilíbrio, doenças e agentes nocivos à saúde humana podem aparecer”, explica a professora Evanilde, que, atualmente, é coordenadora do PEA, programa de pós-graduação que completa 30 anos em 2021.

Professora Evanilde Benedito fala sobre os 30 anos do PEA

O grande desafio do “SOS Riachos”, então, foi organizar os conceitos científicos complexos sobre ecologia para uma linguagem simples e de fácil entendimento por parte da comunidade, com o objetivo de aproximar a universidade da população, por meio de atividades de divulgação científica. 

Estratégias multiprofissionais

A iniciativa interdisciplinar envolveu, além da equipe base, profissionais de arquitetura, artes cênicas, ciências biológicas, comunicação e multimeios, design, ecologia, economia, educação, geografia e psicologia. Participaram alunos da graduação e pós-graduação da UEM e de outras instituições de ensino superior públicas e privadas, como a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR-Campo Mourão), o Centro Universitário de Maringá (Unicesumar) e o Centro Universitário Ingá (Uningá). 

Em um braço do Projeto, a interação se deu entre universidade e ensino fundamental. A equipe foi para as ruas levando microscópio, maquetes e organizando atividades lúdicas com material inovador, como jogos teatrais e desenhos. Tudo pensado e desenvolvido pelo grupo, que foi até escolas municipais, estaduais e particulares. “O objetivo era atrair a atenção das crianças em relação aos organismos presentes nos rios, no funcionamento de riachos e na importância da manutenção da integridade dos fundos de vale de uma maneira inovadora”, explicou a bióloga Bárbara Furrigo Zanco. 

Mas, o que a equipe do SOS fez para impactar as pessoas nas ações de educação ambiental não ficou só entre a comunidade do ensino fundamental. As iniciativas atingiram alunos jovens e adultos de todas as faixas etárias, de 62 escolas (56 municipais, uma estadual e cinco particulares), dos municípios de Alto Paraná, Campo Mourão, Maringá, Paiçandu e Sarandi. Foram aproximadamente 16 mil alunos atendidos.

Entre as estratégias de divulgação estão exposições que incluíram a apresentação de uma coleção dos organismos presentes nos ambientes aquáticos estudados. Com o auxílio de microscópios, os estudantes conseguiram se aproximar dos micro-organismos presentes nos riachos, peixes e plantas. Além disso, foram realizadas dinâmicas de separação de lixo reciclável e discutida a destinação correta do lixo não reciclável com os participantes. E mais: um jogo teatral serviu para encenar ambientes poluídos e preservados e evidenciar as particularidades de cada um deles. Nessa dinâmica, os alunos desempenharam o papel de peixes, que nadavam por ambientes poluídos e limpos.

Segundo a doutoranda Beatriz Contieri, todas as atividades mobilizaram a comunidade local e escolar, e possibilitaram maior contato com informações sobre a importância da manutenção da limpeza de riachos e fundos de vale, contribuindo para a sensibilização ambiental. Enfim, focaram em familiarizar a comunidade com os organismos benéficos e nocivos que habitam os corpos de água.  Foi desenvolvido um diverso conjunto de materiais como cartilhas, desenhos, cartazes e maquetes, que foram levados para as mostras científicas realizadas em escolas, parques e vias públicas. 

Como resultado, o grupo conseguiu perceber mudanças no comportamento de alunos, pais e de toda a comunidade escolar em relação ao descarte correto dos resíduos sólidos e ao respeito com os seres vivos que dependem dos riachos.

“Durante as atividades nas escolas de ensino básico, percebemos que muitos estudantes desconheciam a existência de riachos e fundos de vale dentro das cidades, mesmo quando as escolas eram próximas desses locais. Por isso, o reconhecimento dos riachos como parte da vida deles e do papel de cada um na preservação era um dos pontos principais das mostras. No final das atividades, os jovens cidadãos conseguiam relacionar o impacto do descarte incorreto do lixo, um simples papel de bala, com a poluição dos ambientes aquáticos e o aumento de animais peçonhentos, por exemplo”, diz a doutoranda Beatriz.

Outra estratégia foram mutirões e mostras científicas em ambientes não formais de ensino; isto é, fora das escolas. Durante o projeto, foram realizados 11 eventos de sensibilização em espaços públicos das diferentes cidades. Essas ações fizeram parte da programação de mobilizações municipais com um número grande de pessoas, assim, o SOS Riachos conseguiu atingir aproximadamente quatro mil participantes.

Jogo teatral em escola municipal de Maringá – alunos entram em um circuito que mostra como a poluição afeta os organismos presentes nos riachos
Jogo teatral em escola municipal de Maringá – alunos entram em um circuito que mostra como a poluição afeta os organismos presentes nos riachos

“Imagina aprender observando um aquário com o conjunto de animais e plantas características da região, exemplares de animais taxidermizados ou animais conservados em formol, alguns benéficos outros nocivos, e cartazes com fotos dos riachos locais com informações sobre resíduos sólidos? Era assim que funcionavam essas mostras. Além disso, em seis desses eventos grandes, houve a adesão da comunidade para a limpeza de riachos com orientações da equipe”, explicou Matheus Scoarize. 

A equipe do SOS Riachos ainda promoveu palestras sobre a responsabilidade ambiental dos cidadãos com discussões sobre: resíduos e saúde, que está ligada à propagação de animais indesejáveis como escorpião-amarelo, insetos e vetores da dengue; à importância da mata ciliar; e educação ambiental, entre outros temas. No total, foram ministradas 12 palestras, que atingiram um público aproximado de duas mil pessoas. 

Preparando novos educadores ambientais

Além de impactar a comunidade, o SOS Riachos teve a preocupação de promover a formação de novos grupos que deem continuidade aos projetos de educação ambiental. Para isso, a equipe organizou cursos e disciplinas optativas.

Matheus Scoarize ministra aula para alunos da Biologia em sala de aula na UEM
Disciplina optativa na graduação – Matheus Scoarize ministra aula para alunos da Biologia em sala de aula na UEM

Entre eles, está o curso de extensão “Conservação e restauração em riachos urbanos com Ciência”, que foi oferecido à comunidade universitária e à população em geral e teve como principal objetivo apresentar as condições em que se encontram os riachos do município de Maringá, os impactos que têm sofrido e as ações necessárias para sua restauração. 

Esse mesmo conteúdo foi aprofundado na disciplina “Ecologia de riachos urbanos”, ofertada aos alunos do curso de Ciências Biológicas da UEM. Também foi oferecido à pós-graduação o curso “Geoprocessamento para Ecologia”, que incluiu o treino com ferramentas modernas para o gerenciamento dos cursos de água e a caracterização da paisagem no entorno deles. No total, 70 pessoas foram atendidas. “Além disso, muitas das atividades se tornaram uma maneira de levar a campo alunos de diferentes disciplinas de graduação e pós-graduação”, destacou a professora Evanilde. 

Divulgação científica nos multimeios

Importante destacar que, além das ações de campo, o grupo do SOS Riachos utilizou de forma eficiente as estratégias de comunicação para a divulgação científica; isto é, levar o conhecimento levantado pelas pesquisas da Universidade para a comunidade. 

Em primeiro lugar, utilizaram publicações semanais sobre temas atuais em ecologia, curiosidades e informações sobre riachos, qualidade de vida, resíduos sólidos e urbanização, em páginas do Facebook (@sosriachosmaringa) e Instagram (@sos.riachos). Nos sites da UEM e das prefeituras, foram feitas publicações sobre os eventos do projeto. Estas publicações tiveram um alcance de 4902 pessoas. 

Outro momento importante foi quando a equipe de divulgação entrou em contato com um dos produtores da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), maior emissora ligada à Rede Globo, no Estado, que produziu uma série especial de reportagens para a semana do meio ambiente, em 2019. Posteriormente, essa série foi transformada em um programa e apresentada para o Estado todo, no programa “Meu Paraná”.

📺 Veja a reportagem feita pela RPC

“Além disso, outras quatro reportagens foram feitas sobre ações do projeto. A difusão da mídia foi muito maior do que a das demais atividades desenvolvidas. Assim, nossa mensagem atingiu praticamente o total da população do estado do Paraná”, lembra a professora Evanilde. 

Por fim, ainda houve o impacto na comunidade acadêmica. O grupo produziu trabalhos científicos com o objetivo de divulgar os métodos e os resultados do projeto e trocar experiências com outros pesquisadores. Participou do 2º Encontro Anual de Extensão Universitária UEM (Eaex), sendo premiado como o melhor trabalho do evento; do XVII Encontro Paranaense de Educação Ambiental (Epea); do IV Colóquio Internacional de Educação Ambiental; e do 2º Summit Pacto Global Signatários de Maringá, sendo premiado como melhor projeto de sustentabilidade do Paraná, pela Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim). Um artigo foi publicado em revista internacional e dois foram enviados para avaliação em revistas científicas e um livro sobre o projeto está em produção. 

Outras conquistas importantes 

Matheus Scoarize destaca, por fim, que o SOS Riachos foi mais longe do que se imaginava. O doutorando lembrou um episódio ocorrido em uma das mostras científicas. Essa, em especial, foi realizada no projeto Social Bom Menino, no município de Alto Paraná, entidade administrada pela Comunidade Católica Emanuel, em um espaço da prefeitura.

grupo posa no estande da UEM na Feira Agropecuária Expoingá
Equipe do SOS na Expoingá

O projeto apoia crianças carentes e com histórico de abandono ou violência a se reinserir na sociedade. As atividades foram adaptadas visando abordar os temas de forma interativa e de acordo com a realidade das crianças. Ao perguntar aos alunos sobre seus sonhos de vida, um deles respondeu que o dele era “virar catador de laranja, porque não conseguiria coisa melhor”. 

“Essa afirmação nos levou a perceber que nossas atividades foram momentos em que pudemos mudar essa atitude dos alunos. Aproximando-os da academia, fazendo-os entender que todos têm o direito de aspirar a uma carreira universitária e mostrando que é possível que sua realidade seja transformada por meio da educação. Assim, além de estimularmos a população a aprender sobre questões ligadas ao ambiente, essas ações que aproximam o universo acadêmico das pessoas da sociedade podem ser um fator de transformação da vida de quem participa conosco”, destaca Scoarize.

Não só os alunos das escolas, mas os estudantes da universidade também ganham, segundo a coordenadora do Projeto. “São impactados ao ter que lidar com o desafio de levar conceitos científicos em linguagem mais simples à população, mas, também, ao mostrar sua trajetória, que serve de exemplo para crianças e jovens. Isso é o que chamamos de extensão, quando as atividades da universidade entram em sinergia com as demandas das comunidades. Um ensina ao outro. Todos ganham em conhecimento e qualidade de vida”, comemora Evanilde Benedito. 

🎧 SOS Riachos, ouça o podcast!

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Ana Paula Machado Velho
Vídeos: RPC TV – Rede Globo
Fotos: Arquivos do SOS Riachos
Ilustração: John Zegobia

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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