Daniela Matsumoto: pediatra filha de técnica de enfermagem que sempre viveu perto do Hospital onde hoje trabalha

O desafio é deixar o local que atua cada dia melhor para a população e para a família

Até chegar na pediatria, a maringaense de infância corriqueira, com alguns problemas de saúde, passeou por muitas outras opções profissionais. Com uma diferença de cinco anos entre ela e o irmão mais novo, não brincavam muito na rua. Na adolescência, às vezes, a dupla arriscava um jogo de volêi ou bets.  

“A gente era bem tranquilo e brincava muito no quintal com as crianças da vizinhança, mas éramos mais de casa mesmo. Meu irmão tinha um jeito mais quietinho e os amigos o chamavam de Caramujo, apelido que, mais tarde, no cursinho pré-vestibular, herdei. Até hoje, quando encontro amigos de infância,  ainda me chamam de Dani Caramujo, muitos médicos também”, diz.

Daniela conta que o pai sempre trabalhou em loja de eletrodomésticos, depois fez treinamento para vigilante, função exercida até a aposentadoria. Nas lojas, tinha que ajudar a descarregar caminhão e isso prejudicou a coluna do seu Rômulo, ao longo dos anos.  A mãe, técnica de enfermagem, trabalhava no posto de saúde quando a prefeitura cedeu o local do Pronto Socorro Municipal para a criação do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM), em função da implantação do curso de medicina, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Nesse período, quando Daniela fez 11 anos, a mãe prestou concurso para o HUM, passou em primeiro lugar e a família mudou-se para perto do local de trabalho da dona Jaci, começando, assim, a história da ligação da menina com o hospital.

Ela e o irmão tinham asma e a mãe precisava levá-los com frequência para fazer inalação. Com outros problemas de saúde e uma complicação no quadril, Daniela lembra que estava internada quando a mãe passou no concurso. “A gente sempre usou o SUS, eu só fui ter convênio depois de adulta, formada. Então, a gente sempre recorreu ao HUM. Foi o serviço que sempre nos atendeu”, explica. 

Antes da mudança de casa e de trabalho, a família morava mais centralizada, ao lado do Parque do Ingá, um dos principais pontos turísticos da cidade de Maringá, no Paraná. O HUM ficava em um bairro novo, pouco habitado e longe do centro. O ônibus demorava para chegar e mãe tinha que entrar no plantão bem cedinho. Trabalhar de carro era muito dispendioso. Por isso, mudar foi mais que necessário. Naquela época, a área abrigava muitos ciganos e Daniela brinca dizendo que tinha a casa dela e muitos acampamentos como quintal. Ela e o irmão cresceram com a região que, hoje, é bem disputada no mercado imobiliário.

Ela e o irmão, Carlos Alberto, também médico, sempre estudaram em escolas públicas. Particular, só o curso pré-vestibular, onde os dois ganharam bolsas de estudo. Ela acredita que ambos desenvolveram o gosto por hospital porque sempre estiveram muito perto, morando em frente e a mãe trabalhando dentro.

No entanto, para se inscrever no vestibular, Daniela pensou em psicologia, odontologia, pedagogia e concurso para a polícia militar. Arriscou se inscrever em medicina e não passou. Ela conta que demorou cinco anos para entrar. Fez dois anos de cursinho, passou em Farmácia, a UEM entrou em greve, largou o curso e voltou para o preparatório. Nesse meio tempo, o irmão começou a fazer cursinho também. 

“No primeiro ano dele de cursinho, eu passei em medicina. Tinha 24 anos e só conseguia  estudar. Qualquer aspirante imagina que o vestibular é difícil até descobrir que a faculdade de medicina é mais. Quando comecei a fazer Farmácia, consegui um estágio em uma fábrica de gelatina e ganhava por hora. Mas, como a UEM tinha entrado de greve, eu ficava só lá e consegui ganhar uma graninha legal. Fora isso, nossos pais sempre lutaram para a gente poder estudar. Não queriam que a gente trabalhasse para nos dedicarmos mais aos estudos”, diz.

Daniela Álvares da Silva Matsumoto
Daniela Álvares da Silva Matsumoto (ASC/UEM)

Se a vontade de fazer pediatria era uma coisa de criança, adormeceu até passar por vários estágios na faculdade. Ela lembra que o irmão fez um corte no dedo, que chegou a atingir os tendões. A mãe o levou para o HUM e foi a doutora Elisabete Mitiko Kobayashi quem suturou e cuidou do caso. A menina ficou encantada com o procedimento e falou “ah, quando eu crescer, eu quero ser ortopedista. Mas eu tive algumas outras vontades depois. Usei aparelho e quis ser dentista, também quis ser psicóloga. Quando eu entrei na medicina, a minha intenção era ser ortopedista. Tanto que, desde o início da faculdade, eu sempre grudei na doutora Elisabete, fui monitora de ortopedia, acompanhava ela operando nos hospitais. Quando eu entrei no internato, comecei a, realmente, estar em todos os estágios do hospital. Foi então que percebi que eu não queria ser ortopedista, eu queria ser a doutora Elisabete, porque o jeito dela trabalhar era diferente, ela é uma pessoa sensacional. O estágio do hospital que eu mais gostei foi a pediatria, foi a partir daí que eu quis seguir na área, achei tudo muito organizado, criança responde aos tratamentos em uma proporção maior que os adultos, a gente perde menos crianças do que adultos, e eu não sou uma pessoa muito boa com perdas”. 

Daniela terminou medicina, fez a residência de pediatria, logo se credenciou e continuou trabalhando no HUM. Quando estava na residência, a mãe se aposentou. Recém-formada, chegou a trabalhar em outros locais, mas nunca se desvinculou do Hospital Universitário, que fez parte da infância e foi sua escola. 

Não foi aprovado no primeiro  concurso do HUM. Entrou, pela primeira vez, por meio de um processo seletivo simplificado (PSS). Quando estava para vencer o prazo do concurso, pela terceira vez, decidiu não renovar e saiu do HUM para trabalhar em outras atividades e montar um consultório. Mas, pouco tempo depois, foi chamada para assumir o concurso de imediato e não saiu mais.

Em 2018, o chefe da pediatria que assumiria a diretoria médica sugeriu Daniela para a chefia do setor. Ela assumiu o cargo com um pouco de receio. Naquele momento, havia problema na escala e começou a ter cada vez mais dificuldades, porque algumas pessoas se aposentavam e ninguém se credenciava. “Eu tinha aquela ideia de que, quando uma escala não fecha, o chefe precisa cobrir os furos e a gente não tinha isso. No primeiro mês, quando assumi, eu cobri as escalas e, nos meses seguintes, as pessoas começaram a fazer hora extra, a se credenciar e levar um pouco mais a sério”, explica a médica.

No começo de 2019, a pediatra descobriu um câncer de mama e precisou se afastar do trabalho por sete meses. Nesse meio tempo, a doutora Elisabeth foi candidata à superintendência do HUM e convidou Daniela para compor a chapa como diretora médica, que recusou alegando falta de experiência.  

Com a insistência da colega, Daniela falou do tratamento que estava fazendo e que ainda não sabia se precisaria de quimioterapia, mas que seria uma boa oportunidade de não se afastar do trabalho, já que não podia clinicar por um tempo. Porém, colocou uma condição: não queria que ninguém soubesse para não influenciar no resultado da campanha. Chapa eleita, hora de abrir o jogo, contar da cirurgia e da quimioterapia que enfrentaria.

Daniela durante o tratamento do câncerDaniela durante o tratamento do câncer
Daniela durante o tratamento do câncer (Arquivo pessoal)

O primeiro ano na direção clínica do HUM, foi entre as sessões de quimio e radioterapia. Quando terminou, tudo o que ela queria era voltar aos plantões, mas não conseguia porque participava de todas as reuniões e ações da diretoria, dentro e fora do hospital.

O ano foi bem corrido para a pediatra que, além do tratamento do câncer, fez mestrado profissional na primeira turma HUM em Gestão, Tecnologia e Inovação em Urgência e Emergência e assumiu a diretoria clínica.  No mestrado, fez um software para avaliação do tempo do paciente dentro do serviço e o tempo que leva para os exames ficarem prontos. Ainda não pensa no doutorado. Defendeu a dissertação em setembro do ano passado.

Daniela enfrentou também o machismo de frente. “Eu achava que não enfrentaria, até passar por uma situação, em que percebi que realmente tem alguns profissionais que não respeitam a gente enquanto mulher. Quando assumi a diretoria médica, eu ouvia muito que algumas pessoas não me respeitavam, porque eu fui aluna, porque eu sou mais nova, entre outras coisas. No ano passado, eu vi algumas pessoas que começaram a ter atitudes que eu percebi que era por eu ser mulher, não exatamente por ter sido aluna e ser mais jovem. Houve quem não votasse na gente dizendo que não podiam deixar mulher mandando em tudo, nossa chapa era basicamente composta por mulheres. Hoje, eu sinto que alguns plantonistas têm dificuldade de lidar com o fato de eu ser mulher”. 

A pediatra reforça que percebe que a mulher tem que provar o tempo todo que consegue. Lembra de quantas vezes teve uma ideia em uma reunião e a expôs, mas todo mundo ignorou. Quando um homem falou a mesma coisa, foi considerado um gênio! Para ela, o fato de ser mulher faz com que você tenha que lutar mais. “A gente carrega muita frustração de quando não consegue fazer alguma coisa ou estar disponível, pensamos que falhamos quando isso acontece. Eu acho que o fato de eu ter que estudar, ter que lutar, ter que investigar, por eu ser mulher, faz com que eu queira fazer isso de uma maneira melhor. Qualquer situação em que eu não consiga estar 100% entregue, 100% disponível, eu me sinto muito frustrada”, destaca Daniela.

A médica maringaense lembra que, durante o internato no HUM, fazia os plantões e, quando era na clínica cirúrgica, por exemplo, basicamente atendia traumas, fazia suturas e avaliava os procedimentos junto com o residente plantonista para ver se ia para cirurgia. “Quando chegava um acidentado na madrugada, você é mulher e está ali para fazer o atendimento, surge um clima de assédio. Isso ainda se repete em outros setores. Até um ano atrás eu não enxergava isso, mas passou a me incomodar. Acho que para toda mulher tem que se incomodar”, diz.

Daniela declara que escolher a pediatria só fez bem. “Apesar de não ser mãe, eu tenho muita empatia com a pessoa que está com o filho doente. Na pediatria eu ajudo, me divirto, e passo a maior parte do tempo feliz. Na medicina, fiz bastante amigos, a maioria das pessoas ainda convive comigo, alguns foram morar em outras cidades, estados ou países, mas ainda tem muita gente que está trabalhando aqui. A equipe atual da urologia do HUM, por exemplo, são meninos que se formaram comigo”.

O irmão mais novo é pneumologista. Quando ela estava no terceiro ano, ele entrou na medicina e, quando Daniela terminou a residência, ele foi residente no hospital Santa Rita. Começou cardiologia ali, mas não gostou. Fez pneumologia em Sorocaba e voltou para Maringá. A cunhada também fez medicina, é cardiologista e, hoje, os dois moram em Ponta Grossa. 

Em 2011, Daniela reencontrou um amigo de infância que havia morado no Japão por 13 anos. Amigos desde os seis anos de idade, moravam na mesma rua, estudaram na mesma escola. Mas, quando terminaram o colégio, ele se mudou para o outro lado do mundo. Na volta, se reencontraram e logo começaram a namorar. Dois anos depois se casaram.

Pandemia

Em março de 2020, estourou a pandemia no Brasil e a médica se afastou da diretoria e foi para o plantão. Queria estar na linha de frente no combate ao novo Coronavírus. “Quando o bicho pegou, alguns profissionais tiveram medo de se contaminar por não conhecerem o que estávamos enfrentado. Eu trabalhei desde o início da pandemia até maio de 2021, inclusive na Unimed, onde nunca deixei de atender”, conta.

O médico que ficou na diretoria clínica nesse período precisou sair e Daniela voltou ao cargo sem deixar de lutar contra a Covid 19. “Teve um episódio em que o doutor Marcelo Aguilar Puzzi, secretário de saúde de Maringá, me ligou falando que tinha um paciente na Unidade de Pronto Atendimento do lado de fora com oxigênio e sentado em cadeira de praia, por falta de leito. No HUM, por mais que não tivesse leitos montados, tinha espaço para atender.  A gente colocava cadeira, poltrona e conseguíamos dar assistência”, lembra.

Em 2019, Daniela teve câncer, estava fazendo quimioterapia, a imunidade estava mais baixa. Não podia estar em contato com os pacientes e com pessoas que estivessem doentes. Não podia ir ao cinema, a jantares, em nenhum lugar onde houvesse muitas pessoas. “Quando veio a pandemia, eu não podia ver mais ninguém. Eu acho que o que mudou para mim na pandemia foi o que mudou para todo mundo, a diferença é que já estava um pouquinho mais cansada do isolamento, porque eu já estava isolada um ano antes. Mas durante a pandemia eu pude realmente trabalhar, pude atender, com máscara, avental e touca.  Em todo esse período, eu não peguei Covid. Tomei todas as doses da vacina, estou esperando a quarta. Trabalhei por opção e me sinto muito feliz por isso”, conclui a maringaense.

Daniela quando criança
Daniela quando criança Arquivo pessoal)

Confira a quinta temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Daniela contada por ela mesma

Donas da Ciência – T5 E2 – Daniela Álvares da Silva Matsumoto Conexão Ciência C²

Ouça a história de Daniela Álvares da Silva Matsumoto, atual Diretora Médica do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM). A médica, que a princípio queria fazer ortopedia, acabou se encantando com a pediatria ao longo do curso de medicina.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho e Noth Camarão
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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