Débora Sant'Ana

Débora Sant’Ana: de 56, é a 54ª prima; na vida, quase sempre a primeira

Realizada com a vida profissional e pessoal, gosta de tudo: de dar aula, de aluno, de reuniões, da pesquisa, do rato. Tudo!

Nascida em uma família muito simples e numerosa, Débora de Mello Gonçales Sant’Ana é uma das primas mais novas, ocupando a 54ª posição de 56 primos. Em Mandaguari, cidade onde nasceu, todos cresceram e brincaram juntos, principalmente, na chácara da avó, que morreu aos 104 anos. Andar de bicicleta, subir em árvores, andar em cima do muro, jogar bola e tantas outras brincadeiras faziam parte do dia a dia da Débora, do seu irmão, três anos mais velho e de todos os primos.

Apesar do pai ter estudado apenas 7 anos da educação básica e a mãe 4, ela sempre foi incentivada a estudar e, dessa penca de primos, foi a segunda ou a terceira a fazer um curso superior, logo que saiu do ensino médio. Outros primos entraram na universidade depois de alguns anos, com mais idade. 

Naquele tempo, década de 1970 e 1980, ainda no Ensino Fundamental, Débora não conhecia o mundo fora de Mandaguari e região, mas, desde sempre, gostou de aprender e estudar. O mundo se abriu e apresentou todas as oportunidades depois que o pai foi trabalhar em Jacareí, levando toda a família para uma cidade do interior do estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, muito próxima da capital. Até ali, ela havia estudado até a sétima série em escola pública e a oitava em colégio interno.

Ela foi direto para uma escola particular com turmas pequenas, de 12 ou 15 alunos, e com um ensino muito diferenciado. Lá, teve aulas com professores formados na Universidade de São Paulo (USP) e outros que faziam pós-graduação na mesma instituição. Ao dizer, certo dia, que gostaria de fazer faculdade de arqueologia, profissão que ela descobrira a existência pouco tempo antes, a escola a levou para conhecer um grupo de arqueologia da USP. Ela ganhou livros, foi ao museu e visitou uma escavação no caminho entre Jacareí e São Paulo.

“Para mim, foi um despertar de mundo, tanto de visão crítica da sociedade, quanto no aprendizado. Eu li muitos livros nessa época”, relata a paranaense. Lá, ela também tinha aula de filosofia, sociologia e aulas práticas de química e biologia, disciplinas que, na época, não tinha nas escolas do Paraná.

Débora de Mello Gonçales Sant’Ana (ASC/UEM)

Foi ali, também, que a moça do Paraná decidiu o caminho que iria seguir no Ensino Superior. Acompanhando o pai nas curtas viagens entre a capital e a pequena cidade do Vale do Paraíba, Débora via muitas fábricas à beira da estrada. Uma delas era a Fábrica da Johnson & Johnson. A menina ficava maravilhada e já dizia que queria fazer faculdade para trabalhar ali, produzindo shampoos novos e outros produtos de higiene.

O pai a orientou a fazer Bioquímica, mas foi difícil encontrar alguma faculdade com esse curso. Ela precisou voltar para o Paraná com a família e fez metade do terceiro ano do Ensino Médio, em Umuarama, e a outra metade em Curitiba. O mais próximo que encontrou de Bioquímica foi Farmácia. Nesse momento, ela fez o que gostava e o que melhor sabia fazer: estudou, estudou e estudou. Resultado? Primeiro lugar no vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e segundo no vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.

Por falta de dinheiro para se manter na capital paranaense e pela fama do curso de Farmácia da UEM, ela foi para Maringá e morou com primos até encontrar uma república. Como já se esperava, gostou de todas as disciplinas do primeiro ano de Farmácia e começou a fazer estágio na Anatomia, onde está até hoje. Dali em diante, a carreira acadêmica e profissional de Débora foi só evoluindo. Começou a produzir textos, participar de projetos, se envolveu com o Museu Dinâmico Interdisciplinar (Mudi), da UEM, com pesquisa e projetos de extensão.

“Eu entendi que o mais importante era eu me envolver com várias coisas dentro da universidade, mais importante que as notas, inclusive. Então, eu realmente fiz muita coisa. Me graduei em Farmácia, um curso de quatro mil horas, com quatro mil horas de atividade extracurricular”, relata.

No meio do último ano do curso, Débora já tinha planos de fazer mestrado em Botucatu e se casou com seu então namorado, no meio daquele ano, mas os caminhos apresentaram algumas curvas, novamente. “Eu ia prestar o concurso do mestrado em dezembro, mas, em outubro, eu descobri que estava grávida. Aí, não tinha como eu ir para Botucatu, sem família, sem dinheiro, sem bolsa, sem nada. Eu prestei o concurso para mestrado na UEM, mas não tinha em Anatomia, tinha em Biologia Celular”, explica. 

Para quem mudou de curso ao prestar vestibular, não seria essa barreira que a impediria de continuar em frente. Lá foi a Débora estudar para o mestrado em Biologia Celular. Para a surpresa de zero pessoas, ela tirou 10 na prova, passou em primeiro lugar e ganhou a única bolsa disponível. Enquanto fazia o mestrado, tornou-se mãe da Luisa, sua filha mais velha. 

As mudanças no percurso não pareciam ser o bastante, então, ela abriu mão da bolsa e aceitou o convite da Unipar para dar aulas na área de Farmacologia. Em 1997, voltou para UEM, dessa vez como professora efetiva. Então, até 2000, ela ficou um dia em Umuarama e o restante em Maringá. 

O próximo passo, era o doutorado. E lá foi ela prestar concurso para a pós-graduação na USP. Passou, mas exigiram que ela morasse lá, mais perto da universidade, porém, com uma criança pequena e dois empregos, foi impossível. Então, o que ela fez? 

Sim! Mudou os caminhos de novo! Continuou na UEM e foi a primeira doutora do programa de pós-graduação em Biologia Celular. Durante sua história, desde a infância em Mandaguari até hoje, Débora nunca parou muito para pensar sobre o preconceito de gênero que as mulheres precisam enfrentar. Uma das razões ela atribui à área que atua, morfologia, que é predominantemente feminina. Outra razão é o desempenho: já que é a primeira em quase tudo, da educação básica até o doutorado, além do desempenho profissional atual. Mas, o principal motivo, talvez, tenha sido outro. “Na verdade, nunca me avisaram que era pra ser diferente por ser mulher, então, eu acabei sempre lidando muito bem com isso”, aponta a professora.

Mas é claro que ela reconhece os desafios de ser mulher. “Quem fica grávida é mulher, quem amamenta é mulher. Eu fiquei grávida e quem não foi para o mestrado fui eu. Se fosse o Marco, ele teria ido e teria feito o mestrado. No meu caso, eu tive que me virar, aprender outro assunto e fazer outro mestrado, diferente do que eu planejava”, relata Débora.

Quando ela começou a dar aula em Umuarama, na Unipar, a filha Luisa tinha 3 para 4 meses. Nos primeiros meses, portanto, ainda amamentando, a logística era corrida e muito difícil. Chegava da UEM, tirava leite, colocava na geladeira, pegava ônibus meia noite, chegava lá 6h, dava aula das 7h até 18h e voltava para amamentar. Lendo depressa já cansa, imagina como era para ela.

Em 2000, com 27 anos, mestre, fazendo doutorado e com experiência de quatro anos na UEM, foi convidada a assumir uma pró-reitoria da Unipar. Ela pediu exoneração do cargo na universidade e, em 2001, se mudou, definitivamente, para Umuarama, onde ficou 10 anos. 

Porém, como diz o ditado… o bom filho à casa torna. Mais uma vez, passando em outro concurso, Débora se tornou professora efetiva da UEM, coordenou o Mudi, deu aula para mestrado e doutorado, além das aulas para a graduação, e ficou como coordenadora do Programa de pós graduação em Biociências e Fisiopatologia (PBF), até 2018, quando assumiu o cargo que ocupa até hoje: é a cabeça da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura.

Pandemia

E o que mais poderia acontecer? A essa altura da história, algo não tão surpreendente. Uma nova mudança nos planos da Débora. Dessa vez, por algo que também impactou o resto do mundo. “A gente tinha outros tipos de metas para a pró-reitoria, para o museu, para ações culturais e tantas outras atividades, mas tivemos que voltar atenção total para esse momento”, explica a pró-reitora, que enfrentou a pandemia da Covid-19 em várias frentes.

A primeira frente foi com o grupo e o site Evidências Científicas, em que profissionais da saúde e da biologia estudaram artigos científicos sobre a Covid-19, que saíam aos montes no período inicial, no começo de 2020, acompanhavam o avanço da doença e da pandemia, faziam triagem entre os artigos confiáveis e não confiáveis e reescreviam os textos com os assuntos mais importantes, dos temas mais necessários. Esse material era postado no site, era entregue a Secretaria de Saúde de Maringá, aos hospitais e demais profissionais da Saúde.

“Eu identifiquei essa demanda logo no começo, por causa da preocupação em geral que eu observei no laboratório e no Hospital Universitário, onde estive presencialmente muitas vezes. Nós fechamos a universidade dia 17 ou 18 de março e no dia 20 nós já estávamos produzindo os materiais”, relata Débora. No site, também passaram a incluir textos de outros profissionais, pesquisadores da UEM, e material mais simples, para a população em geral.

No fim de 2020, com os órgãos de saúde divulgando notas sobre a Covid-19, o Evidências Científicas deixou de ser prioridade, então, as pessoas que, no início, integravam esse grupo, passaram a fazer consultoria. O canal Amigos do Mudi, no YouTube, foi um desdobramento desse primeiro projeto. Lá, foram produzidos vídeos que pudessem esclarecer algumas dúvidas sobre o vírus e também alguns materiais que dessem a oportunidade das pessoas fazerem perguntas. 

Em 2021, um ano depois do início da pandemia, o canal passou a produzir vídeos falando sobre a evolução dos casos, sobre a vacina, mostrando como estava evoluindo a pandemia. Esses vídeos foram feitos para professores e servidores de diversas cidades, para que as pessoas fizessem treinamento. Inquieta e preocupada com a população e os profissionais na linha de frente do combate ao vírus, ela e a jornalista Ana Paula Machado Velho também se preocuparam com as informações para o público infanto-juvenil.

Elas então criaram uma ação de divulgação científica, que atendeu mais de quatro mil crianças, no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, chamada: Conversa com a Cientista – Os Vírus de hoje, ontem e amanhã. Os cientistas do Evidências Científicas foram os responsáveis por produzir as palestras para as crianças de 6 a 12 anos. 

Praticamente tudo isso foi produzido em home-office. Todos da família da Débora tiveram que trabalhar e estudar dentro de casa, cada um em um cômodo. Ela relata ter sido uma situação muito esquisita, “que até os cachorros estranhavam”, mas, ao mesmo tempo, foi uma coisa boa, porque eles puderam ficar todos juntos. Tomavam o café da manhã, almoçavam, faziam atividade física, lavavam roupa e limpavam a casa juntos, além dos bons momentos de conversa. “Para nós, foi um período interessante, de uma convivência muito intensa e muito boa. Nós ficamos mais próximos e mais participativos uns com os outros”, relatou a mãe da Luisa e da Laura.

Depois da tormenta, Débora pôde se voltar, novamente, para a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, onde ela desenvolve a gestão de ações do Mudi, dos projetos de extensão, como o Conexão Ciência – C², leciona na Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati) e acompanha as ações do Instituto de Línguas (ILG), o Núcleo Maria da Penha (Numape), o Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (Neddij) e muitos outros projetos.

Em todo esse percurso, com muitos desvios extremamente bem sucedidos, Débora diz que as características de mulher a fizeram mais forte. Força, determinação e “algum grau de doçura e intuição feminina” possibilitou que ela lidasse com os problemas de uma forma mais leve. Tudo isso, claro, somado à ciência. “Cientista eu sempre fui. Sempre quis saber muito e sempre quis saber mais, independente da área”, pontua Débora de Mello Gonçales Sant’Ana, mãe, esposa, filha, professora, pró-reitora, extensionista e cientista.

E finaliza: “eu sou muito feliz e muito realizada com a minha vida profissional e pessoal. Eu gosto de tudo: gosto da parte administrativa, de dar aula, de aluno, de laboratório, da pesquisa, dos experimentos, gosto de tudo. Não tem nada que eu não goste. Quando comecei a conseguir bolsas, eu dizia que ganhava para fazer o que eu sempre quis fazer. São coisas que vão muito além do que eu poderia sonhar. É muito legal perceber que a ciência, o conhecimento e a persistência me trouxeram até onde eu estou e me fizeram quem eu sou”.

Débora em uma festa a fantasia, 1987 (Arquivo pessoal)

Confira a quarta temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Débora contada por ela mesma

Donas da Ciência – T4 E1 – Débora Sant’Ana Conexão Ciência C²

A Pró-Reitora de Extensão e Cultura, Débora Sant’Ana, expõe sua trajetória universitária, que envolve muito estudo, pesquisa e extensão.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


Receba nossa newsletter